Contrato de jato usado por Campos
omite comprador
Proposta tem apenas assinatura
ilegível, inusual para negócio de R$ 20 milhões
Segundo professor de direito da FGV, contrato sem o nome do comprador não tem validade jurídica
Segundo professor de direito da FGV, contrato sem o nome do comprador não tem validade jurídica
A proposta que selou a compra, por US$ 8,5 milhões (R$ 19 milhões),
do jato que caiu com o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB) não cita nome nem informações sobre quem adquiriu a aeronave e
não foi registrada em cartório.
O documento, obtido pela reportagem, traz só uma assinatura ao lado
do local e data da proposta de compra (Recife, 15 de maio de 2014),
o que é inusual para um negócio de quase R$ 20 milhões.
O empresário pernambucano que foi apresentado pelo antigo dono do
jato como o comprador, João Lyra de Mello Filho, recebeu da
reportagem uma cópia do documento, mas não quis comentar se a
assinatura na proposta era dele.
João Lyra é dono de uma financeira em Recife, já foi multado por
lavagem de dinheiro e não tem capacidade financeira de assumir uma
dívida de US$ 8,5 milhões, segundo a Cessna.
O fabricante do jato recusou o nome dele para herdar o financiamento
por falta de capacidade econômica.
No contrato, o comprador se dispõe a pagar "todos os custos
operacionais diretos e fixos da aeronave", incluindo manutenção e
salários dos pilotos.
Os vendedores do jato, Alexandre e Fabrício Andrade, são os donos do
grupo A. F. Andrade, de Ribeirão Preto (a 313 km de São Paulo), que
já teve a maior usina de álcool no país, mas está em recuperação
judicial, com dívidas que somam R$ 341 milhões.
CAIXA DOIS
A ausência do nome é um indício de que o jato pode ter sido comprado
com recursos de caixa dois de empresários ou do partido, segundo
policiais ouvidos pela reportagem.
Segundo essa hipótese, o comprador não colocou o nome na proposta de
compra porque sabia da suposta ilicitude do negócio.
O "Jornal Nacional" revelou na última terça-feira (26 de agosto) que
empresas fantasmas e uma peixaria foram usadas para fazer pagamentos
no total de R$ 1,7 milhão para os donos da aeronave.
O PSB tem repetido, por diversas vias, que os eventuais problemas
são de quem comprou o jato, não do partido.
Há também a suspeita de que a venda foi apenas uma simulação para
evitar que o uso da aeronave na campanha possa caracterizar o crime
de uso de táxi aéreo pirata.
A Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) proíbe que donos de jatos
o aluguem; só empresas de táxi aéreo podem prestar esse serviço, por
questões de segurança.
Segundo a proposta, o jato foi vendido por US$ 8,5 milhões. Na data
do contrato, 15 de maio, o comprador se dispunha a pagar US$ 327,8
mil ao grupo A. F. Andrade.
O grupo receberia, 15 dias depois, mais US$ 139,8 mil, de acordo com
o documento obtido pela reportagem.
PAPEL DE PÃO
Três advogados ouvidos pela reportagem, dois deles sob condição de
que seus nomes não fossem citados, classificaram o documento de
"papel de pão", gíria para designar algo sem validade.
"Contrato sem o nome do comprador não tem validade jurídica. É um
contrato de gaveta", disse Luciano de Souza Godoy, professor de
direito civil da FGV (Fundação Getúlio Vargas) em São Paulo.
O documento, segundo ele, parece até ser falso para uma compra de
US$ 8,5 milhões. "Nunca vi alguém fechar um negócio desse valor com
uma proposta sem o nome do comprador e sem registro em cartório",
afirmou Godoy.
A informalidade da linguagem sugere que o contrato não foi escrito
por advogado: "Me proponho a comprar a aeronave Cessna Citation
XLS+número de série 6066, prefixo PR-AFA (a aeronave') por US$
8.500.000", registra o primeiro parágrafo.
O OUTRO LADO
Advogado de grupo diz que papel é válido
O advogado Ricardo Tepedino, que defende o grupo A. F. Andrade, diz
que a proposta de compra do jato tem validade jurídica porque o
empresário João Lyra de Mello Filho já reconheceu que fez a compra e
ficou de encontrar empresas com capacidade financeira para pagar o
arrendamento junto à Cessna.
Isso não ocorreu até a data do acidente, no último dia 13 de agosto,
quase 90 dias após a proposta inicial.
"Os sócios do grupo A. F. Andrade me disseram que viram o Lyra
assinar o documento", afirma o advogado.
De acordo com Tepedino, a hipótese de simulação de venda para burlar
a legislação aeronáutica é completamente infundada.
"Se fosse uma simulação de venda não haveria uma cláusula de
indenização caso o negócio não fosse concluído", afirma.
Procurado pela reportagem, o empresário João Lyra de Mello Filho não
quis comentar o documento nem confirmou se a assinatura na proposta
era a dele.
O corretor que intermediou a venda do avião usado pela campanha de
Eduardo Campos, Guilherme Machado, não foi encontrado para comentar
a proposta.
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