sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012


'Sentença abre espaço para a impunidade', diz Garzón.

Baltasar  Garzón
O juiz Baltasar Garzón divulgou um duro comunicado em que desacredita todo o sistema judicial da Espanha, que o condenou na quinta-feira - 9 de fevereiro - pelo uso de escutas ilegais num processo de corrupção. A sentença dividiu os espanhóis, e centenas se reuniram no centro de Madri numa manifestação de apoio ao magistrado.
"(A decisão) elimina toda a possibilidade de investigar a corrupção e os crimes associados a isso, abrindo espaço para a impunidade", afirma Garzón, que diz rejeitar firmemente a sentença. "Meus direitos foram sistematicamente violados. A sentença foi injusta e pré-determinada."
Garzón foi condenado por unanimidade por ordenar a gravação das conversas entre os chefes de uma rede de corrupção e seus advogados. Para a Sala Penal do Supremo Tribunal da Espanha, ele violou o direito de defesa dos réus.
A sentença sugere o fim da carreira do juiz mais notório da Espanha: Garzón, de 56 anos, ficará 11 anos sem exercer a profissão. O réu, que enfrenta ainda outros dois processos, terá que pagar uma multa de 2.520 euros e arcar com os custos do caso. Como a sentença foi decidida por unanimidade, não cabe recurso, mas seu advogado disse que pode recorrer ao tribunal europeu, em Estrasburgo.
Centenas se reuniram na noite desta quinta-feira na Porta do Sol, em Madri, em apoio ao juiz. Muitos carregavam cartazes com frases como "Tribunal Supremo, suprema impunidade", "Temos memória, queremos Justiça" e "Os crimes do franquismo não prescrevem".
Em defesa de Garzón também saiu sua filha María, que tornou pública um carta aberta. No texto, ela pede uma "Justiça de verdade" e diz esperar que a decisão não se volte contra a sociedade.
"Aqueles que durante anos insultaram e disseram mentiras sobre meu pai conseguiram seu objetivo, seu troféu", escreve María, de 26 anos.

Centenas protestam em Madri

Sentença citou “práticas de regimes totalitários”
Em entrevista, o advogado de Garzón, Francisco Baena, disse que seu cliente estava “devastado”, mas reiterou que vai estudar recorrer ao Tribunal Constitucional e ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos.
— Uma vida inteira dedicada à magistratura e de repente te dizem que acabou. É para ficar desolado. Confesso que compartilho sua dor — declarou o advogado.
Garzón ordenou a gravação de conversas entre três chefes de um grupo chamado de quadrilha Gurtel e seus advogados, enquanto os réus estavam presos em Madri. A acusação, que pedia suspensão das funções judiciais de Garzón por 10 a 17 anos, disse que o juiz agiu contra todos os direitos constitucionais ao ordenar a prática. Em uma sentença extremamente dura, os juízes do Supremo acusaram o magistrado de usar “práticas de regimes totalitários”. Com as controversas gravações, Garzón obteve confissões incriminatórias e as levou à polícia, infringindo o direito de todo acusado de conversar confidencialmente com seu advogado. Membros da rede Gurtel aguardam julgamento, acusados de subornar integrantes do governista Partido Popular (PP), no que é considerado o maior escândalo da Espanha democrática.
— Garzón fez grandes coisas, boas e más, mas todas grandes — disse José Antonio Choclán, advogado do suposto chefe da rede Gurtel, Francisco Correa.
A defesa de Garzón, por outro lado, alegou que os encontros gravados não se tratavam de reuniões formais entre os advogados e os acusados, o que teria dado margem para a interpretação do juiz. Os presos não seriam clientes dos advogados com os quais se encontravam na prisão, disse o promotor.
Vistos por muitos espanhóis como uma perseguição a Garzón, os processos contra o juiz espanhol dividiram a opinião pública. Chegada a hora da sentença, não foi diferente. Enquanto o conservador PP pede respeito ao veredicto da Justiça, o opositor PSOE declarou que hoje é “um dia triste” para a Espanha.
— É incompreensível que o primeiro condenado do caso Gurtel seja o juiz — disse o deputado socialista Antonio Hernando.
O notório juiz espanhol ainda enfrenta outros dois processos na Justiça. Em um dos casos, Garzón é acusado de burlar a Lei de Anistia espanhola ao investigar o desaparecimento de 114 mil pessoas durante o regime do general Francisco Franco (1939-1979). O outro diz respeito a uma denúncia de prevaricação (quando um funcionário público deixa de praticar, retarda atos, ou os pratica contra disposição legal, em benefício próprio) durante sua passagem na Universidade de Nova York.
Figura polêmica, tratado por uns como valente juiz defensor da democracia e da justiça, e por outros como um egocêntrico midiático, Garzón ficou famoso no mundo todo ao expedir um mandado de prisão contra o ex-ditador chileno Augusto Pinochet, quando este viajou a Londres. Sua biografia é tão extensa que não há grandes assuntos que tenham deixado de passar por suas mãos, dos primeiros golpes ao narcotráfico e ao terrorismo puro, passando pelo terrorismo de Estado. Com uma extensa carreira na luta pelos direitos humanos, Garzón chegou a ser cotado ao Nobel da Paz.

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