Desfile da Gaviões ajuda a sacralizar
o mito Lula
Josias de Souza |
O Carnaval, como se sabe, é embalado pelos atributos do Tinhoso: mutações de personalidade, dissimulações, desvario … É nessa época do ano que as pessoas entregam-se a um vale-tudo consentido.
Homem vira mulher, mendigo vira imperador, paulista vira baiana, branco vira índio. Lula já tinha virado mito. No desfile da Gaviões da Fiel, a figura mitológica foi como que canonizada. Lula ganhou halo de santo.
“Verás que um filho teu não foge à luta – Lula, o retrato de uma nação”, eis o mote do enredo da escola. A trajetória do sertanejo retirante que chegou à Presidência foi equiparada à de milhares de brasileiros que vencem na vida pelo esforço pessoal.
A homenagem chega num instante em que Lula, submetido ao martírio do tratamento contra o câncer, já estava envolto em atmosfera de comoção. A doença potencializou a proximidade com os brasileiros que o veneram.
Reforçaram-se os elos de afeto que ligam o ex-presidente poderoso, agora fragilizado pela doença, ao homem comum, representado na avenida pelos 3.600 integrantes da Gaviões.
Lula deveria ter degustado o espetáculo em que foi cultuado do alto de um carro alegórico. Os médicos proibiram. Representou-o a mulher, Marisa. Ela testemunhou in loco as cenas que ele teve de assistir em casa, pela tevê.
Uma cobra humana, louca de entusiasmo, evoluindo
Luiz Inácio da Silva |
A apresentação da avenida insere-se no show midiático que está sendo a ex-presidência de Lula. Num instante em que decresce o prestígio dos políticos, o de Lula cresce.
Dono de intuição aguçada, Lula escancarou seu câncer. Num país que teve Tancredo Neves, deu exemplo. Mas caprichou. Não seria tolo de malversar a doença, mantendo-a no recesso asséptico do hospital.
Trata-se em público, certificando-se de estar sempre ao alcance das lentes do fotógrafo que carrega a tiracolo. Extrai do infortúnio todas as emoções que ele é capaz de prover. Tudo isso às portas da disputa municipal de São Paulo.
Lula arrematou seu governo com um triunfo: a eleição do poste Dilma Rousseff. Se tudo correr como planejou, vai repetir em 2012 os comícios de 2010. Agora, carrega Fernando Haddad, outro poste.
O desfile da Gaviões da Fiel ajuda a grudar em Lula sua fantasia predileta. Nos momentos cruciais, ele, como Clark Kent quando vira Superman, abre o paletó e exibe a camiseta de ícone sertanejo, o pobre que venceu o preconceito.
Dedicada a qualquer outro político, a sacralização carnavalesca da Gaviões da Fiel seria tachada de demagogia. Oferecida a Lula, funciona como beatificação do mito. Isso dá idéia do inimigo que seus antagonistas têm pela frente.
Em São Paulo, o adversário dos rivais do PT não é Fernando Haddad. Se fosse, seria fácil. Não é nem Lula. Se fosse, a luta seria mais complicada, mas não a pior. Os antagonistas do PT terão de combater o beato, o santo, o dogma, a fé.
O historiador Sérgio Buarque de Holanda definiu o brasileiro como “homem cordial”. Tomado por sua raiz, o vocábulo “cordial” tem origem no coração. Quer dizer: os brasileiros são seres emocionais.
Antes do câncer e do Carnaval, Lula já havia construído uma ponte entre a esfera pública e esse universo privado impregnado de sentimentos difusos. Empurrado pela escola do seu time do coração, aparelhou-se para elevar o número de adeptos do lulismo, a fiel torcida que leva o seu nome.
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