Ministério Público quer retirar Dicionário Houaiss das estantes por definir o cigano como ‘velhaco’
O Ministério Público Federal protocolou, em Uberlância (MG), uma ação
judicial contra a Editora Objetiva e o Instituto Antônio Houaiss. Na
peça, o procurador da República Cléber Eustáquio Neves pede que seja
retirado de circulação o famoso Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.
Por quê? Segundo o procurador, o dicionário atribui ao vocábulo “cigano”
significados que, por pejorativos, difundem o preconceito e
potencializam o racismo contra cidadãos de origem cigana. Uma comunidade
que, segundo o procurador, soma 600 mil pessoas no Brasil.
No Houaiss, o verbete cigano inclui acepções como: “Aquele que
trapaceia; velhaco, burlador”. Ou ainda: “aquele que faz barganha, que é
apegado ao dinheiro, agiota, sovina”. Zelosa, a publicação anota que
esses significados são usados em sentido “pejorativo”. Para o
procurador, não resolve.
Segundo Cléber Neves, o autor da ação
: “Ao se ler em um
dicionário, por sinal extremamente bem conceituado, que a nomenclatura
cigano significa aquele que trapaceia, velhaco, entre outras coisas do
gênero, ainda que se deixe expresso que é uma linguagem pejorativa, […]
fica claro o caráter discriminatório assumido pela publicação.”
Para o procurador, o dicionário afronta a Constituição ao “semear […] a
prática da intolerância, especificamente da intolerância étnica”. Viola
também a lei que tipifica o crime de racismo ao “albergar posturas
preconceituosas e discriminatórias.”
Por isso, além de retirar o Houaiss das estantes, Cléber Neves deseja
impor à editora e ao instituto responsáveis pelo dicionário o pagamento
de indenização de R$ 200 mil por “dano moral coletivo” à comunidade dos
ciganos.
A origem da ação judicial
A ação judicial tem origem numa investigação aberta há três anos. O
escritório da Procuradoria em Uberlândia recebeu, em 2009, representação
de um brasileiro de origem cigana. Queixava-se da discriminação e do
preconceito difundido contra sua etnia pelos dicionários de língua
portuguesa.
O procurador Cléber Neves expediu ofícios a diversas editoras. Munido
das respostas, deu razão ao cigano queixoso. E recomendou às editoras
que fossem varridas dos dicionários as expressões tidas por
preconceituosas. Duas delas – a Editora Globo e a Melhoramentos —
atenderam ao pedido.
A Editora Objetiva recusou-se a fazer o mesmo. Alegou que é mera
detentora dos direitos de publicação do dicionário. O conteúdo é de
responsabilidade do Instituto Houaiss. Em novos ofícios, o procurador
insistiu. Editora e instituto deram de ombros.
“Não tivemos outra saída a não ser ingressar em juízo para garantir o
respeito às leis e à própria Constituição, que proíbem não só a prática,
mas o próprio ato de induzir à discriminação ou ao preconceito étnico”,
diz Cléber Neves.