Um hominídeo muito louco
Nova espécie do gênero humano é descoberta na África do Sul, dizem pesquisadores
Uma antiga espécie do gênero humano desconhecida até agora foi
descoberta em uma caverna da África do Sul, onde foram exumados os ossos
de 15 hominídeos, anunciou uma equipe internacional de cientistas.
Os fósseis foram encontrados em uma caverna profunda de difícil acesso,
perto de Johannesburgo, na área arqueológica conhecida como "Berço da
Humanidade", que é considerada patrimônio mundial pela Unesco.
"Estou feliz de apresentar uma nova espécie do ancestral humano",
declarou Lee Berger, pesquisador da Universidade Witwatersrand de
Johannesburgo, durante uma entrevista coletiva em Moropeng, onde fica o
"Berço da Humanidade".
Em 2013 e 2014, os cientistas encontraram mais de 1.550 ossos que
pertenceram a, pelo menos, 15 indivíduos, incluindo bebês, adultos
jovens e pessoas mais velhas. Todos apresentavam uma morfologia
homogênea e pertenciam a uma "nova espécie do gênero humano que era
desconhecida até então".
A nova espécie foi batizada de 'Homo Naledi' e classificada dentro do gênero Homo, ao qual pertence o homem moderno.
O Museu de História Natural de Londres classificou a descoberta de "extraordinária".
"Alguns aspectos do Homo Naledi, como suas mãos, seus punhos e seus pés,
estão muito próximos aos do homem moderno. Ao mesmo tempo, seu pequeno
cérebro e a forma da parte superior de seu corpo são mais próximos aos
de um grupo pré-humano chamado australopithecus", explicou o professor
Chris Stringer, do Museu de História Natural de Londres, autor de um
artigo sobre o tema publicado na revista científica eLife.
A descoberta pode permitir uma compreensão melhor sobre a transição, há
dois milhões de anos, entre o australopithecus primitivo e o primata do
gênero homo, nossa ancestral direto.
Simulação do rosto do "Homo Naledi" — reconstrução mostra como seria o rosto do hominídeo com base na análise dos ossos de 15 hominídeos. |
CÉREBRO PEQUENO E CORPO “DE GENTE”— As principais descobertas
sobre evolução humana e os estudos publicados sobre o 'Homo Naledi', que
talvez seja uma nova espécie do gênero biológico ao qual todos nós
pertencemos, o Homo, bateram vários recordes de esquisitice.
Embora tenha sido classificado como membro do gênero Homo por Lee Berger
e seus colegas da Universidade do Witwatersrand, na África do Sul, o
novo hominídeo tinha um cérebro equivalente ao de um gorila dos dias de
hoje. Ao mesmo tempo, suas mãos, pernas e pés parecem as dos neandertais
e humanos modernos — se não fosse pelos dedos curvados, em geral vistos
como adaptação para agarrar galhos de árvores, como ocorre com os
chimpanzés.
Em resumo, a anatomia do bicho parece um mosaico, ou seja, mistura
características ditas “primitivas” com outras “modernas”. Essa situação
não é incomum na linhagem do homem, e parece mesmo que o cérebro foi
mesmo um dos últimos órgãos a ganhar uma versão 2.0, mas a combinação
exata de características do bicho sul-africano tem cara de ser inédita —
daí a decisão de lhe dar um novo nome de espécie.
Crânio de um hominídeo |
Mandíbula de um hominídeo |
Esqueleto da mão de um hominídeo |
MAS É HOMO — Essa é uma das tretas mais cabulosas da pesquisa sobre evolução humana nos últimos tempos.
Há pesquisadores influentes defendendo que o gênero Homo virou um saco
de gatos, abrigando diversas espécies que, no fundo, têm pouca coisa em
comum entre si e com os humanos modernos, que demos nosso nome ao grupo.
Vários desses bichos seriam primitivos demais para merecer a designação.
Deveriam ser rebatizados, portanto, e talvez incluídos no grupo dos
australopitecos, homens-macacos que foram comuns na África até uns 2
milhões de anos atrás. Aliás, falando em idade …
Fósseis que possibilitaram a descoberta do "Homo Naledi" em uma caverna na África do Sul. |
QUE IDADE TEM ESSE SUJEITO — A resposta honesta no momento é “vai
saber”, infelizmente. Berger e companhia não conseguiram datar os
fósseis, embora eles representem mais de 15 indivíduos.
A datação está longe de ser só perfumaria aqui. Uma idade igual ou
superior a 2 milhões de anos, digamos, daria mais peso à ideia de que a
criatura pode ser um ancestral dos demais membros do gênero humano.
Por outro lado, nada impede que seja uma criatura bem mais recente, com
algumas centenas de milhares de anos de idade, digamos. Nesse caso,
estaríamos falando de um experimento evolutivo paralelo — fascinante,
sem dúvida, mas com menos impacto direto na compreensão das origens da
nossa espécie.
QUE REVISTA É ESSA — A última perplexidade talvez seja tão
relevante quanto as anteriores. A descoberta de uma nova espécie de
hominídeo normalmente é uma notícia espetaculosa — com razão, porque os
bichos são mais raros do que cabeça de bacalhau no registro fóssil. É
quase certo que achar uma dessas criaturas catapulte os autores da
pesquisa para as páginas das revistas científicas mais famosas e
prestigiosas do mundo, a “Nature” e a “Science”. Só que Berger e
companhia publicaram seu trabalho na relativamente obscura “eLife”,
revista científica online de acesso livre.
Não surpreenderia se o artigo original tivesse sido rejeitado por essas
grandes revistas primeiro — não por picaretagem, mas simplesmente pelas
grandes lacunas a respeito da identidade do nosso amigo 'Homo Naledi'.
COMPLEXIDADE — O resumo da ópera é que ainda vamos precisar de um
bocado de tempo para digerir o que exatamente a descoberta significa
para a história do gênero humano. De qualquer maneira, ela reforça os
indícios de que nunca houve uma progressão evolutiva linear rumo a nós,
Homo Sapiens, mas sim uma luxuriante proliferação de galhos da árvore
genealógica do homem que conviveram, competiram e, muitas vezes,
sumiram.
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