quinta-feira, 10 de setembro de 2015


Um hominídeo muito louco
Nova espécie do gênero humano é descoberta na África do Sul, dizem pesquisadores

Uma antiga espécie do gênero humano desconhecida até agora foi descoberta em uma caverna da África do Sul, onde foram exumados os ossos de 15 hominídeos, anunciou uma equipe internacional de cientistas.
Os fósseis foram encontrados em uma caverna profunda de difícil acesso, perto de Johannesburgo, na área arqueológica conhecida como "Berço da Humanidade", que é considerada patrimônio mundial pela Unesco.
"Estou feliz de apresentar uma nova espécie do ancestral humano", declarou Lee Berger, pesquisador da Universidade Witwatersrand de Johannesburgo, durante uma entrevista coletiva em Moropeng, onde fica o "Berço da Humanidade".
Em 2013 e 2014, os cientistas encontraram mais de 1.550 ossos que pertenceram a, pelo menos, 15 indivíduos, incluindo bebês, adultos jovens e pessoas mais velhas. Todos apresentavam uma morfologia homogênea e pertenciam a uma "nova espécie do gênero humano que era desconhecida até então".
A nova espécie foi batizada de 'Homo Naledi' e classificada dentro do gênero Homo, ao qual pertence o homem moderno.
O Museu de História Natural de Londres classificou a descoberta de "extraordinária".
"Alguns aspectos do Homo Naledi, como suas mãos, seus punhos e seus pés, estão muito próximos aos do homem moderno. Ao mesmo tempo, seu pequeno cérebro e a forma da parte superior de seu corpo são mais próximos aos de um grupo pré-humano chamado australopithecus", explicou o professor Chris Stringer, do Museu de História Natural de Londres, autor de um artigo sobre o tema publicado na revista científica eLife.
A descoberta pode permitir uma compreensão melhor sobre a transição, há dois milhões de anos, entre o australopithecus primitivo e o primata do gênero homo, nossa ancestral direto.

Simulação do rosto do "Homo Naledi" — reconstrução mostra 
como seria o rosto do hominídeo com base na análise 
dos ossos de 15 hominídeos.

CÉREBRO PEQUENO E CORPO “DE GENTE”— As principais descobertas sobre evolução humana e os estudos publicados sobre o 'Homo Naledi', que talvez seja uma nova espécie do gênero biológico ao qual todos nós pertencemos, o Homo, bateram vários recordes de esquisitice.
Embora tenha sido classificado como membro do gênero Homo por Lee Berger e seus colegas da Universidade do Witwatersrand, na África do Sul, o novo hominídeo tinha um cérebro equivalente ao de um gorila dos dias de hoje. Ao mesmo tempo, suas mãos, pernas e pés parecem as dos neandertais e humanos modernos — se não fosse pelos dedos curvados, em geral vistos como adaptação para agarrar galhos de árvores, como ocorre com os chimpanzés.
Em resumo, a anatomia do bicho parece um mosaico, ou seja, mistura características ditas “primitivas” com outras “modernas”. Essa situação não é incomum na linhagem do homem, e parece mesmo que o cérebro foi mesmo um dos últimos órgãos a ganhar uma versão 2.0, mas a combinação exata de características do bicho sul-africano tem cara de ser inédita — daí a decisão de lhe dar um novo nome de espécie.

Crânio de um hominídeo

Mandíbula de um hominídeo

Esqueleto da mão de um hominídeo

MAS É HOMO — Essa é uma das tretas mais cabulosas da pesquisa sobre evolução humana nos últimos tempos.
Há pesquisadores influentes defendendo que o gênero Homo virou um saco de gatos, abrigando diversas espécies que, no fundo, têm pouca coisa em comum entre si e com os humanos modernos, que demos nosso nome ao grupo.
Vários desses bichos seriam primitivos demais para merecer a designação. Deveriam ser rebatizados, portanto, e talvez incluídos no grupo dos australopitecos, homens-macacos que foram comuns na África até uns 2 milhões de anos atrás. Aliás, falando em idade …

Fósseis que possibilitaram a descoberta do "Homo Naledi" em uma caverna na África do Sul.






QUE IDADE TEM ESSE SUJEITO — A resposta honesta no momento é “vai saber”, infelizmente. Berger e companhia não conseguiram datar os fósseis, embora eles representem mais de 15 indivíduos.
A datação está longe de ser só perfumaria aqui. Uma idade igual ou superior a 2 milhões de anos, digamos, daria mais peso à ideia de que a criatura pode ser um ancestral dos demais membros do gênero humano.
Por outro lado, nada impede que seja uma criatura bem mais recente, com algumas centenas de milhares de anos de idade, digamos. Nesse caso, estaríamos falando de um experimento evolutivo paralelo — fascinante, sem dúvida, mas com menos impacto direto na compreensão das origens da nossa espécie.

QUE REVISTA É ESSA — A última perplexidade talvez seja tão relevante quanto as anteriores. A descoberta de uma nova espécie de hominídeo normalmente é uma notícia espetaculosa — com razão, porque os bichos são mais raros do que cabeça de bacalhau no registro fóssil. É quase certo que achar uma dessas criaturas catapulte os autores da pesquisa para as páginas das revistas científicas mais famosas e prestigiosas do mundo, a “Nature” e a “Science”. Só que Berger e companhia publicaram seu trabalho na relativamente obscura “eLife”, revista científica online de acesso livre.
Não surpreenderia se o artigo original tivesse sido rejeitado por essas grandes revistas primeiro — não por picaretagem, mas simplesmente pelas grandes lacunas a respeito da identidade do nosso amigo 'Homo Naledi'.

COMPLEXIDADE — O resumo da ópera é que ainda vamos precisar de um bocado de tempo para digerir o que exatamente a descoberta significa para a história do gênero humano. De qualquer maneira, ela reforça os indícios de que nunca houve uma progressão evolutiva linear rumo a nós, Homo Sapiens, mas sim uma luxuriante proliferação de galhos da árvore genealógica do homem que conviveram, competiram e, muitas vezes, sumiram.


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