O ex-diretor da Petrobras — Nestor
Cerveró — revela, em proposta de delação premiada, como negociou pedágio
de R$ 4 milhões com a Odebrecht para a campanha de Lula em 2006 — em razão das suspeitas, Polícia Federal pediu ao STF autorização para tomar depoimento do ex-presidente
À mesa de um restaurante decorado com lustres de cristal, obras de arte
contemporânea e castiçais dourados, na Praia do Flamengo, no Rio de
Janeiro, três diretores da Petrobras e dois executivos do grupo
Odebrecht almoçavam reservadamente às vésperas das eleições de 2006. Era
um encontro de homens de negócios. Do lado da petroleira, estavam lá os
diretores Nestor Cerveró, Paulo Roberto Costa e Renato Duque; do lado
da maior construtora do país, Márcio Faria e Rogério Araújo. Os cinco
não falavam apenas de negócios. Falavam também de política. Nos tempos
de petrolão, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, falar de negócios
na Petrobras exigia falar de política: contratos com a estatal, conforme
demonstram as provas da Lava Jato, eram frequentemente fechados somente
mediante pagamento de propina a políticos do PT, do PMDB e do PP, a
depender da diretoria. Hoje, a maioria dos cinco comensais está presa em
Curitiba, acusada de participação destacada no petrolão.
Nos idos de 2006, quando transcorreu o almoço, os cinco, seja por
dentro, seja por fora, mandavam muito na Petrobras. Renato Duque,
diretor de Serviços, era homem do PT. Paulo Roberto Costa, diretor de
Abastecimento, do PP. E Nestor Cerveró, diretor internacional, do PT e
do PMDB. Naquele almoço, Cerveró era o homem de negócios mais
importante. Discutiam-se as obras para modernizar a refinaria de
Pasadena, no Texas, Estados Unidos, cuja metade das ações fora comprada
pela Petrobras meses antes. No jargão do mundo do petróleo, essas obras
são conhecidas como “revamp”.
E que revamp. No almoço, estimou-se que ele custaria até R$ 4 bilhões. A
refinaria de Pasadena, cuja operação de compra era conhecida dentro da
Petrobras pelo codinome projeto Mangueira, não tinha o apelido de
“ruivinha” fortuitamente. Era um novelo de dutos enferrujados, de
aparência avermelhada provocada pela oxidação dos metais. Se a Petrobras
fizera um péssimo negócio ao comprar Pasadena, como veio a se confirmar
nos anos seguintes, a Odebrecht estava prestes a faturar mais um
formidável contrato. Decidia-se ali, no restaurante na Praia do
Flamengo, que a construtora ganharia o contrato de R$ 4 bilhões. Em
troca, os executivos da Odebrecht se comprometiam a pagar propina
adiantada de R$ 4 milhões à campanha à reeleição de Lula — o mesmo Lula
que passou a ser considerado pela Polícia Federal oficialmente suspeito
no petrolão. O mensalão nem esfriara, e o PT, liderando o consórcio de
partidos, já encontrava no petrolão um substituto mais lucrativo para os
negócios da alta política brasileira.
A reunião no Rio e o acerto dos R$ 4 milhões foram revelados
oficialmente à força-tarefa da Lava Jato pelo protagonista dessa
operação: Nestor Cerveró. As informações estão registradas na mais
recente proposta de delação premiada de Cerveró, em posse dos
procuradores da Lava Jato e obtida pela reportagem. Trata-se de relatos
pormenorizados de Cerveró sobre os negócios corruptos que tocaram
primeiro na Diretoria Internacional da Petrobras, sob ordens do PT e do
PMDB, e, a partir de 2008, na Diretoria Financeira da BR Distribuidora,
sob ordens do PT e do senador Fernando Collor, do PTB. Neles, Cerveró
afirma que a compra de Pasadena rendeu US$ 15 milhões em propina. E
envolve no esquema a área internacional, além de outros funcionários da
Petrobras, senadores como Delcídio Amaral, do PT, líder do governo no
Senado, o presidente da Casa, Renan Calheiros, e Jader Barbalho, ambos
do PMDB.
Para enviar os relatos aos procuradores, Cerveró trabalhou durante
quatro dias. Reuniu histórias, resgatou datas de reuniões e valores das
operações registradas em documentos e anotações que guarda em sua cela.
Para corroborar as acusações, a família de Cerveró pretende recorrer a
uma pilha de agendas de suas viagens e reuniões realizadas entre 2003 e
2008, período em que ocupou o cargo de diretor internacional da
petroleira. Esses documentos estão guardados num cofre, à espera de uma
resposta positiva dos procuradores da Lava Jato. “Do jeito que Cerveró
está desesperado, ele entrega até a própria mulher”, diz um agente da
Polícia Federal em Curitiba que tem contato com Cerveró.
Condenado a 17 anos de prisão pelos crimes de corrupção passiva e
lavagem de dinheiro, preso há dez meses, Cerveró tenta a delação desde
julho. É uma negociação difícil e lenta. Envolve os procuradores da
força-tarefa em Curitiba e da equipe do procurador-geral da República,
Rodrigo Janot. Como Cerveró pode entregar políticos com foro no Supremo
Tribunal Federal, caso de Delcídio, Renan e Jader, as duas frentes de
investigação — Curitiba e Brasília — precisam se convencer da
conveniência da delação do ex-diretor. Há hesitação em ambas. Apesar dos
relatos, os procuradores esperam — exigem — mais de Cerveró. “Ele
(Cerveró) continua oferecendo muito pouco perto da gravidade dos crimes
que cometeu”, diz um dos investigadores de Curitiba. “A delação de
Cerveró, para valer a pena, precisa de tempo. Ele ainda promete menos do
que sabe”, afirma um procurador da equipe de Janot.
A situação de Cerveró ficou ainda mais difícil depois de a PGR fechar,
na semana passada, o esperado acordo de delação com o lobista Fernando
Soares, conhecido como Fernando Baiano, operador das bancadas do PMDB no
Senado e, em menor grau, na Câmara. O operador do PMDB, condenado a 15
anos de prisão, deve entregar as contas que foram irrigadas com
pixulecos de Pasadena e das sondas contratadas pela área internacional
da Petrobras, sob a responsabilidade de Cerveró. Eles atuavam juntos.
Segundo Cerveró relatou aos procuradores, Baiano representou a bancada
do PMDB no Senado no reparte da propina na Diretoria Internacional da
Petrobras — e o dinheiro, ao menos US$ 2 milhões, foi parar nas mãos de
Renan e de Jader Barbalho em 2006. Baiano já admitiu aos procuradores
que intermediou propina para os senadores do PMDB em contratos na área
internacional — a área do parceiro Cerveró. A delação de Baiano, que
prometeu entregar comprovantes bancários das propinas, exigirá ainda
mais de Cerveró. Ele fechará a delação somente se falar muito.
Nos relatos aos procuradores, porém, Cerveró já indicou o caminho da
propina ao PMDB. Segundo ele, o dinheiro foi repassado a Baiano, que,
por sua vez, intermediou pagamentos a outro lobista ligado ao PMDB. Esse
lobista, de acordo com Cerveró, Baiano e um operador do PMDB, repassou a
propina a Renan e a Jader. Surpresa: esse lobista, cujo nome ainda não
pode ser revelado por razões de segurança, também passou a negociar uma
delação com os procuradores. A questão na Lava Jato parece ser: quem
sobrará para fazer delação?
Outro lado
O senador Jader Barbalho nega que tenha recebido propinas de contratos
para a Petrobras. “Nunca nem ouvi falar (sobre os navios-sondas)”, diz
ele. O líder do governo no Senado, Delcídio Amaral, afirma que jamais
fez reunião com diretores da Petrobras junto com o empresário Ricardo
Pessôa, da UTC, e nega que recebeu propinas da Petrobras.
A Odebrecht diz que “de fato foi consultada, formalmente e não em nenhum
tipo de evento social, sobre a possibilidade de formar consórcio com
outras construtoras brasileiras para disputar contrato para eventual
modernização da refinaria de Pasadena”. A companhia diz que tais obras,
porém, nunca foram realizadas. “Tal convite, por parte da Petrobras,
não tem qualquer relação com doações eleitorais que a empresa faz”, diz a
nota. A companhia ainda esclarece que o contrato assinado em 2010
sofreu alteração no valor “em função única e exclusivamente da
alienação, por parte da Petrobras”. A empresa diz que todos os
questionamentos feitos sobre esse acordo foram esclarecidos. Também
procurado pela reportagem, Lula não retornou as ligações.
Lula é suspeito de ter se beneficiado do petrolão
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é suspeito de ter se
beneficiado do petrolão para obter vantagens pessoais, para o PT e para o
governo. A suspeita consta em documento da Polícia Federal. Nele,
pede-se ao Supremo Tribunal Federal autorização para ouvir Lula no
inquérito que investiga políticos na operação Lava Jato.
Lula no encontro dos petroleiros |
O documento, enviado ao STF, na quarta-feira (09.set.2015), é assinado
pelo delegado Josélio Sousa, do grupo da PF em Brasília que atua no
caso. Assim escreveu o delegado: “Atenta ao aspecto político dos
acontecimentos, a presente investigação não pode se furtar de trazer à
luz da apuração dos fatos a pessoa do então presidente da República,
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA que, na condição de mandatário máximo do país,
pode ter sido beneficiado pela esquema em cursa na PETROBRAS, obtendo
vantagens para si, para seu partido, o PT, ou mesmo para seu governo,
com a manutenção de uma base de apoio partidário sustentada à custa de
negócios ilícitos na referida estatal”.
Para a PF, “os fatos evidenciam que o esquema que ora se apura é, antes
de tudo, um esquema de poder político alimentado com vultosos recursos
da maior empresa do Brasil”.
Documento mostra pedido da Polícia Federal para ouvir o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva no inquérito que investiga políticos na operação Lava Jato |
Diante de tais suspeitas, a PF elencou a lista de pessoas do “primeiro
escalão” que deveriam ser ouvidas. Lula está lá, embora não tenha mais
foro privilegiado. A PF não explica por que pediu ao Supremo a tomada do
depoimento — e não à primeira instância. “Neste cenário fático, faz-se
necessário trazer aos autos as declarações do então mandatário maior da
nação, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, a fim de que apresente a sua versão
para os fatos investigados, que atingem o núcleo político-partidário de
seu governo”.
Em Buenos Aires, na sexta-feira (11.set.2015), o ex-presidente Lula, questionado sobre o pedido da PF, disse: "Não me comunicaram nada".
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