Conjunto de mensagens mostra influência de Marcelo Odebrecht junto ao Planalto em gestões petistas
E-mails apreendidos pela Polícia Federal (PF) nas buscas realizadas na
sede da Odebrecht em junho deste ano, em São Paulo, mostram uma relação
de influência e intimidade da empresa junto ao Palácio do Planalto,
durante os governos Dilma e Lula. Nas mensagens, o presidente da
empresa, Marcelo Odebrecht, tenta influenciar diretamente o que o será
dito pelos presidentes a chefes de estados de outros países em agendas
oficiais, sugerindo a postura presidencial nos encontros. A pressão
surte efeito. Em mensagem para executivos da construtora, o então
ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Miguel Jorge,
escreveu que Lula fez lobby pela empresa em um dos encontros com líderes
estrangeiros, em 2009.
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E-mails mostram ligação da Odebrecht com governo |
Nos e-mails, a Odebrecht atua para evitar a escolha de um
secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia que ele
considerava prejudicial à Odebrecht. Os documentos mostram, pela
primeira vez, que o chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, era um
dos elos entre a empreiteira e o presidente, de acordo com a
interpretação da PF. Carvalho nega. Para os investigadores, o ex-chefe
de gabinete, que tem uma ligação forte com a igreja católica, é o
"seminarista", a quem Marcelo se refere em mensagens. Carvalho é
ex-seminarista e possui forte ligação com os movimentos sociais ligados a
Igreja. No governo Dilma o papel do “seminarista” passou a ser cumprido
por Giles Azevedo, chefe de gabinete da presidente, e Anderson
Dorneles, assistente pessoal de Dilma. Os dois recebiam mensagens
enviadas diretamente por Marcelo Odebrecht, em nome dos interesses da
empresa.
Em 5 de junho de 2012, quatro dias antes do encontro de Dilma com o
presidente da República Dominicana, Danilo Medina, Marcelo encaminhou
para Giles e Anderson uma nota com sugestões para a pauta da reunião. No
documento, ele diz "ser importante" Dilma "reforçar" dois pontos na
conversa: "a confiança que tem na Organização Odebrecht em cumprir os
compromissos assumidos" e "a disposição de, através do BNDES, continuar
apoiando as exportações de bens e serviços do Brasil, dando continuidade
aos projetos de infraestrutura prioritários para o país".
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A presidente Dilma recebe o presidente da República Dominicana no Palácio do Planalto - 09/07/2012 |
O encontro com Medina consta da agenda oficial da presidente. Em
entrevista para jornalistas depois do encontro, o presidente da
República Dominicana disse ter recebido aceno do governo brasileiro para
obter financiamento para construção de duas usinas no país. O projeto
seria contemplado dois anos depois, ao custo de US$ 656 milhões. De US$
2,5 bilhões emprestados pelo BNDES a empresas brasileiras entre 2003 e
2015 para contratos na República Dominicana, US$ 2 bilhões foram
desembolsados em favor da Odebrecht.
As mensagens de Marcelo para Lula eram enviadas por meio de Alexandrino
Alencar, diretor da empresa mais próximo ao petista, preso na operação
Lava-Jato. As recomendações eram dadas por meio de documentos que tinham
o mesmo título, "ajuda memória". Na véspera de uma visita do presidente
de Angola, José Eduardo dos Santos, ao Brasil, em 2 de maio de 2005,
Marcelo Odebrecht pediu a Lula que reconhecesse o papel de Santos como
"pacificador e líder regional", e fizesse menção às ações realizadas por
empresas brasileiras em Angola, com destaque para a Odebrecht.
"Dr. Alex, aqui está o documento. Dr. Marcelo pede-lhe a gentileza de
encaminhar ao seminarista", escreveu Darci Luz, secretária de Marcelo, a
Alexandrino Alencar. No dia seguinte, Lula receberia Santos com
discurso mencionado a forma como ele "soube liderar Angola na conquista
da paz" , e saudando-o por sua "perseverança e visão de futuro". No
discurso, o então presidente citou o projeto da hidrelétrica de Capanda,
mencionado no mesmo e-mail de Marcelo Odebrecht como um exemplo da
cooperação entre os dois países:
"Reforçamos, assim, um mecanismo financeiro que tem sido o grande motor
da expansão dos investimentos brasileiros em Angola. A hidrelétrica de
Capanda, símbolo maior da presença econômica brasileira em Angola, não
teria sido possível sem a linha de crédito (do BNDES)", discursou Lula.
Ao ser convidado pelo presidente petista para almoço com o presidente da
Namíbia, em Brasília, em fevereiro de 2009, Marcelo respondeu com cópia
para seus diretores: "Pode ser uma boa oportunidade em função de nossa
hidrelétrica (Capanda). Seria importante enviar uma nota memória antes
via Alexandrino com eventualmente algum pedido que Lula deve fazer por
nós".
Horas antes do almoço, o executivo da Odebrecht Marcos Wilson escreveu
ao então ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Miguel
Jorge, pedindo que manifestasse ao presidente Lula "sua confiança na
capacidade da Odebrecht" assumir o projeto de uma hidrelétrica
binacional (Namíbia e Angola) na África. Miguel Jorge respondeu:
"Estive e o PR (presidente) fez o lobby. Aliás, o PR (presidente) da
Namíbia é quem começou - disse que será licitação, mas que torce muito
para que os brasileiros ganhem, o que é meio caminho andado". Apesar do
pedido de Lula, o projeto ainda não saiu do papel.
Ministro interino de Minas e Energia, Nelson Hubner foi alvo de ação da
Odebrecht, por causa da atuação do ministro no leilão da Usina de Santo
Antônio, do Rio Madeira, projeto de interesse da Odebrecht.
"Alex", escreveu Marcelo Odebrecht, em referência a Alexandrino Alencar,
"o Hubner está querendo jogar o PR (presidente Lula) contra nós.
Importante você fazer essa mensagem chegar no seminarista ainda hoje",
escreveu o presidente da construtora.
Em 11 de janeiro de 2008, após a saída de Hubner do ministério, o
executivo Paulo Lacerda de Melo escreveu ao presidente da empresa sobre a
possibilidade de do ex-presidente da Eletronorte José Antônio Muniz
Lopes ser nomeado secretário-executivo da pasta. "Faz sentido político
devido à origem com o Maranhão e a proximidade com JS (José Sarney, para
a PF)". O diretor menciona a proximidade de Muniz Lopes com a Camargo
Corrêa, o que trazia preocupação para Marcelo Odebrecht.
"Existe condições pelo histórico de trazê-lo para o nosso lado, ou pelo
menos deixá-lo neutro? Caso não haja condições, é melhor queimá-lo
logo", orienta Marcelo. "Neste caso talvez a melhor forma seja uma
mensagem do Alexandrino (Alencar) ao seminarista (Gilberto Carvalho)
dizendo que se este cara pegar o cargo pode colocar o Madeira (projeto
do Rio Madeira) em risco, pois a agenda dele será destrutiva em relação à
gente, visto que trabalhou para a CCCC (Camargo Corrêa) nos últimos
anos".
O diretor Irineu Berardi Meireles argumenta ser melhor aguardar.
"Qualquer precipitação de nossa parte poderia ser prematura, até porque
minha percepção é de que o seminarista não poderia influenciar (por
incrível que pareça) nessa escolha, que seria delegada ao PMDB", disse,
referindo-se ao novo partido de Lobão, que na época deixou o DEM para se
juntar à base governista.
"OK, mas vamos monitorar com cuidado para não termos um cara da CCCC lá dentro", responde Marcelo.
Em e-mail para o então presidente da Vale, Roger Agnelli, em outubro de
2007, Marcelo sugeriu ajuda em reforma do Palácio da Alvorada. "Vamos
evoluir na reforma do pátio do Alvorada? Se precisar de ajuda para
definir qual pedra é a mais adequada, me avise", escreveu.
PETROBRAS
As mensagens mostram Marcelo Odebrecht participando ativamente dos
pormenores de discussões sobre contratos da Petrobras e relacionamento
da empresa com diretores que hoje são investigados. Mensagem de maio de
2008 mostra que o presidente da empresa discutiu com Pedro Barusco,
gerente de engenharia da estatal, o programa de construção de sondas no
país.
"Barusco, a pedido do Duque, já ligou para o MO (Marcelo Odebrecht)
acerca da sua conversa com Gabrielli", escreveu Rogério Araújo em
mensagem de maio de 2008 que tratava da contratação de sondas pela
Petrobras. "A resposta já está alinhada com Miguel (Gradim, diretor da
Odebrecht)", completou Araújo.
O OUTRO LADO
A assessoria do Instituto Lula classificou de atuação "lícita, ética e
patriótica" do Lula quando defende os interesses de empresas brasileiras
no exterior. Diz a nota da assessoria do ex-presidente:
"Em seus dois mandatos, Lula chefiou 84 delegações de empresários
brasileiros em viagens por todos os continentes. A diplomacia
presidencial contribuiu para aumentar as exportações brasileiras de
produtos e serviços, que passaram de US$ 50 bilhões para quase US$ 200
bilhões, e isso representou a criação de milhões de novos empregos no
Brasil. Só uma imprensa cega de preconceito e partidarismo, poderia
tentar criminalizar um ex-presidente por ter trabalhado por seu país e
seu povo”, escreveu o instituto.
No texto, a assessoria do ex-presidente afirma haver uma “repetitiva,
sistemática e reprovável tentativa de alguns órgãos de imprensa e grupos
políticos de tentar criminalizar a atuação lícita, ética e patriótica
do ex-Presidente Lula na defesa dos interesses nacionais, atuação que
resultou em um governo de grandes avanços sociais e econômicos, com
índices recorde de aprovação”.
Continua a nota: “temos a absoluta certeza da legalidade e lisura da
conduta do ex-presidente Lula, antes, durante e depois do exercício da
presidência do país, e da sua atuação pautada pelo interesse nacional".
O ex-ministro Miguel Jorge admitiu a troca de mensagens com os
executivos da Odebrecht. Ele afirmou que presenciou pelo menos “meia
dúzia de vezes” o ex-presidente Lula vendendo empresas brasileiras a
outros presidentes.
— Essa palavra lobby, depois deste escândalo, passou a ser muito
pejorativa. O que esses caras fizeram não foi lobby, foi corrupção.
Agora, quando você fala que o presidente de um país que tem interesse em
um consórcio de empresas brasileiras, das quais duas eram estatais,
tenham uma situação importante numa obra de não sei quantos bilhões de
dólares, é absolutamente natural. Isso foi feito de maneira
absolutamente transparente sem nenhuma sacanagem no meio — explicou o
ex-ministro.
O ex-chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, disse em nota “negar
categoricamente que recebeu diretamente de Marcelo Odebrecht ou
Alexandrino Alencar qualquer sugestão para discursos em agendas
internacionais ou assuntos relativos à Odebrecht”.
Segundo Carvalho, “o presidente Lula sempre expressou que queria se
transformar em um caixeiro viajante do Brasil”, por isso, em viagens,
“sempre fez questão de convidar muitos empresários, realizando reuniões
nos países visitados na perspectiva de abrir novas negociações para
empresas brasileiras; a Odebrecht foi uma dentre muitas”, afirmou.
Por meio de nota, a Odebrecht informou que "os trechos de mensagens
eletrônicas divulgados apenas registram uma atuação institucional
legítima e natural da empresa e sua participação nos debates de projetos
estratégicos para o País - nos quais atua, em especial como
investidora". A empresa disse "lamentar" a divulgação das mensagens nos
processos contra a Odebrecht, por considerar que as mensagens não teriam
"qualquer relação com o processo em curso".