Acidente que matou Campos foi sucessão de falhas humanas, conclui Aeronáutica
Investigação aponta erros e falta de
treinamento do piloto do jato Cessna que caiu em Santos durante a
campanha presidencial do ano passado, matando o candidato do PSB e os
outros ocupantes
O jato Cessna Citation 560 XLS, usado por Eduardo Campos |
As investigações da Aeronáutica, que começam a ser divulgadas no início
de fevereiro, concluíram que o acidente que matou o presidenciável do
PSB e ex-governador de Pernambuco, Eduardo Campos, no meio da campanha
eleitoral do ano passado, foi causado por uma sequência de falhas do
piloto Marcos Martins - desde a falta de treinamento para aquela
aeronave até o uso de “atalho” para acelerar o procedimento de descida.
Como resultado decisivo, Martins foi obrigado a abortar o pouso e
arremeter bruscamente, operando os aparelhos em desacordo com as
recomendações do fabricante do avião e acabando por sofrer o que é
tecnicamente descrito como “desorientação espacial”. É quando o piloto
perde a referência do avião em relação ao solo, não sabe se está voando
para cima, para baixo, em posição normal, de lado ou de ponta cabeça.
Essa conclusão sobre a “desorientação espacial” baseou-se em informações
sobre os últimos segundos do voo, no momento em que o avião embicou num
ângulo de 70 graus e em potência máxima, como se o piloto acelerasse
pensando que estava em movimento de subida, quando na verdade estava
voando para baixo, rumo ao solo.
O acidente ocorreu na manhã de 13 de agosto de 2014, quando o Cessna 560
XL saiu do aeroporto Santos Dumont, no Rio, rumo à Base Aérea de
Santos, no Guarujá, em São Paulo. Por volta de 10h, a aeronave caiu em
Santos, no bairro Boqueirão. Além de Eduardo Campos, que estava em
terceiro lugar na corrida presidencial, morreram quatro assessores dele,
o piloto e o copiloto Geraldo Magela Barbosa.
Treinamento
Nesses cinco meses de investigações, o Centro de Investigação e
Prevenção de Acidentes Aeronáuticos, órgão da Aeronáutica (Cenipa)
levantou ainda todo o perfil psicológico, pessoal e profissional dos
dois pilotos e listou uma sequência de falhas de Marcos Martins, antes e
durante o voo.
Não foi encontrado nenhum indício de falha técnica ou de operação do
sistema aeronáutico. As duas turbinas foram detalhadamente analisadas e
estavam em perfeita condição de uso, mas a caixa preta de voz não foi
útil para as conclusões. Ela simplesmente não estava ligada, não gravou
as conversas durante o voo.
Conforme apurado pelos investigadores, Martins não estava treinado para o
Cessna 560 XL, uma aeronave sofisticada e nova, concluída em 2010. Ele,
por exemplo, nunca tinha passado pelo simulador.
Está registrado, também, que a relação entre os dois pilotos não era boa.
Eles já tinham um histórico de atritos e o copiloto teria, inclusive,
pedido para não mais voar com Martins, que, em redes sociais, se disse
“cansadaço” dias antes do acidente. Aquele seria, possivelmente, o
último voo conjunto da dupla.
Chuva e pista
Essas falhas prévias de preparo técnico e psicológico na cabine de
comando foram agravadas por duas circunstâncias objetivas - ou “fatores
contribuintes”, no jargão dos investigadores. O tempo estava fechado,
com muita chuva, e a pista da Base de Santos, curta e entre picos, é
considerada difícil mesmo para pilotos experientes e em boas condições
de tempo.
Apesar de todos esses agravantes, e talvez por excesso de autoconfiança,
Martins cometeu, segundo os investigadores da Aeronáutica, o erro que
deflagrou todo o desfecho trágico: ele desdenhou a rota determinada
pelos manuais para o pouso na Base de Santos, não fez a manobra exigida
para aquela pista e tentou pousar direto, de primeira.
Mal comparando com um carro, é como se o piloto não tivesse feito o
retorno previsto, tentando um “atalho” para entrar direto num
estacionamento.
Depois da imprevidência e de embicar para o pouso, ele concluiu que não
conseguiria e foi obrigado a arremeter bruscamente. A manobra é
considerada a prova da desorientação do piloto.
Clique na imagem para os detalhes do acidente |
Recomendação de manual de jato teria sido ignorada
Suspeita é de que piloto teria ignorado orientação explícita do fabricante.
A literatura de acidentes aeronáuticos aponta dois momentos críticos e
desencadeadores de tragédias: as decolagens e as aterrissagens.
Nos procedimentos de pouso e arremetida, quase sempre considerados
tensos por qualquer piloto, Marcos Martins – que comandava o jatinho que
caiu em Santos, em agosto passado, provocando a morte do ex-governador
Eduardo Campos – provavelmente desconsiderou uma recomendação explícita
do manual do fabricante da aeronave: no Cessna Citation, como era o
caso, os flaps (que são uma espécie de extensão das asas e são usados
para frear o avião) não podem ser recolhidos numa velocidade acima de
370 km/h. O risco é o avião emborcar, como se freado muito rápida e
fortemente.
Conforme relatado por um alto oficial que tem acesso direto aos
investigadores e às investigações, o piloto pode ter entrado em estado
de “desorientação espacial” justamente aí, nesse momento.
Desnorteado, voando às cegas, com a sensação de estar “solto” no ar, ele
deve ter acelerado para tentar subir, supostamente para ganhar altitude
e se recuperar, sem perceber que, na verdade, estava inclinado para
baixo, não para cima. Uma forte possibilidade é que o avião tenha caído
de dorso, ou seja, de ponta cabeça. As únicas imagens dos últimos
segundos do voo foram feitas de um prédio próximo ao local do acidente,
em condições bastante precárias.
Relatório
O primeiro relatório do Cenipa terá recomendações de segurança para que
os mesmos erros não se repitam e causem novos acidentes. Deverá ser
anunciado no início de fevereiro, já depois da troca do comando da
Aeronáutica, do brigadeiro Juniti Saito para seu sucessor, o também
brigadeiro Nivaldo Luiz Rossato.
Mais adiante, será também divulgado um relatório detalhado com todos os
dados do voo e todas as conclusões sobre as causas da queda. O objetivo
das investigações aeronáuticas não é punir ou processar pessoas, órgãos
ou empresas, mas sim detectar erros e evitar que se repitam.
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