O Brasil cresce pouco?
Samuel de Abreu Pessôa |
As últimas revisões que fizemos no Ibre/FGV sugerem que o crescimento do
Brasil em 2014 será de só 0,6%. Forte piora no cenário. Consolida-se um
crescimento abaixo de 2% ao ano no quadriênio da presidente Dilma. Se o
0,6% se confirmar, o crescimento médio no primeiro mandato de Dilma
será de 1,7% ao ano.
Quatro anos não é pouco tempo. É difícil argumentar que somente fatores ligados ao ciclo econômico explicam esse desempenho.
O debate público brasileiro tem alinhavado duas explicações para os
motivos do baixo crescimento. Em geral, uma delas é preferida pelos
analistas que apoiam o atual regime de política econômica, enquanto a
outra é da predileção dos críticos.
A coluna no "Valor" de quarta-feira passada do professor titular da UFRJ
José Luís Fiori, bem como a entrevista dada no início de julho ao
jornal "Brasil Econômico" pelo professor do Departamento de Economia da
Unicamp Fernando Nogueira da Costa, são dois exemplos do primeiro ponto
de vista.
O segundo ponto de vista é bem expresso pelo conteúdo que tenho defendido neste espaço. É útil tentarmos entender as diferenças.
O ponto de partida é lembrarmos que no período FHC crescíamos abaixo da
economia mundial, mas acompanhávamos a América Latina. No período Lula,
passamos a crescer aproximadamente no mesmo ritmo da economia mundial e
da América Latina. No quadriênio de Dilma, cresceremos abaixo de ambos.
O debate é se a América Latina é um bom grupo de referência para
avaliarmos as possibilidades e o desempenho da economia brasileira.
A argumentação de Fiori e de Nogueira da Costa é que as economias da
América Latina não constituem um grupo de referência adequado para
avaliarmos a nossa economia. O motivo é que a estrutura produtiva e a
escala da economia brasileira são distintas da maior parte das economias
latino-americanas.
Além de sermos muito grandes, somos uma economia que completou a
urbanização, a transição demográfica e a industrialização. Essas
dinâmicas, que não são independentes, ocorreram ao longo das cinco
décadas de 1930 a 1980. A transição demográfica se completa na segunda
década deste século, com o fim do bônus demográfico.
Ou seja, não faz sentido, segundo Fiori e Nogueira da Costa, compararmos
o crescimento brasileiro aos de Chile, Peru e Colômbia, por exemplo,
pequenas economias exportadoras de commodities.
Para eles, o grupo de referência correto para avaliar as possibilidades
de nossa economia são os países industrializados e grandes em termos
absolutos. Esses países apresentam estrutura produtiva -isto é,
participação na produção dos diversos setores (agropecuária, indústria e
serviços)- semelhante à do Brasil.
Ou seja, dado que os países maiores -incluindo EUA, Alemanha, França e
Japão- crescem a 2% ao ano, o crescimento de 2% ao ano é o novo padrão
normal de economias grandes em termos absolutos e, portanto, trata-se do
nosso atual padrão normal. Dessa forma, não podemos considerar o 1,7%
de crescimento na atual conjuntura como sendo pouco.
Diferentemente dos dois autores, minha visão é que o fator mais
importante para diferenciar as economias, do ponto de vista de bem-estar
e do ponto de vista das possibilidades de crescimento, é a
produtividade do trabalho.
A hora trabalhada nos países latino-americanos produz de 1/6 a 1/4 da hora trabalhada nos EUA.
Como argumentei ao longo de diversas colunas, penso que dois são os
principais fatores que explicam a baixa produtividade do trabalhador
brasileiro. Primeiro, a péssima qualidade do sistema público de educação
básica, e, segundo, a pior qualidade do marco institucional e legal.
Como, em relação à América Latina, temos não só níveis semelhantes de
produtividade do trabalho como grande paralelismo nas trajetórias de
desenvolvimento histórico e institucional, além de dificuldades
semelhantes em construir sistemas públicos de educação com qualidade,
penso que os países da região formam um bom grupo de referência para
olharmos nossa trajetória e nossas possibilidades.
Por outro lado, considerar que 2% de crescimento ao ano seja nosso novo
normal por ser o crescimento das economias do G10 representa aceitar
normal que nunca reduzamos nossa distância de bem-estar com relação às
economias desenvolvidas.
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