quarta-feira, 27 de agosto de 2014


Polícia Federal suspeita que empresas fantasmas pagaram dívida de jato usado por Campos
Seis fontes pagadoras, sem lastro financeiro e endereço, custearam débito de R$ 1,7 milhão para a compra do Cessna

O jato Cessna Citation 560 XLS, usado por Eduardo Campos

Empresas com endereços fantasmas e sem lastro financeiro custearam o pagamento de uma dívida de R$ 1,7 milhão para a compra do Cessna Citation usado pelo ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos. No dia 13 de agosto, a aeronave caiu em Santos, no litoral paulista, matando, além de Campos, candidato à Presidência da República pelo PSB, outras seis pessoas.
São seis fontes pagadoras que fizeram transferências bancárias para a AF Andrade - dona da aeronave nos registros da Agência Nacional de Aviação Civil. Elas teriam assinado contratos de empréstimo para o empresário João Carlos Lyra Pessoa de Mello Filho, que afirmou ser o comprador do jato.
Os empréstimos para pagamento, segundo ele, foram feitos em troca do uso do jato, antes da compra ser efetivada e aprovada. “Os valores recebidos foram para pagar parcelas vencidas do leasing do avião (...) para permitir que a Cessna, financiadora da aeronave, agilizasse a operação de venda”, afirmou o empresário.
As suspeitas da Polícia Federal são de que João Carlos Lyra, junto com os empresários Apolo Santana Vieira - dono de outro jato usado por Campos antes da campanha - e Eduardo Freire Bezerra Leite foram usados para ocultar a compra da aeronave, no valor de US$ 8, 5 milhões, com dinheiro de caixa 2 da campanha. Caso o ilícito se confirme, novas investigações serão abertas à partir do “inquérito mãe”, sobre a queda.
A PF já tem em mãos a lista dos depósitos e sabe que algumas das fontes pagadoras são firmas que não existem no endereço declarado. Uma delas é a Geovane Pescados, na periferia de Recife. Outra é a Vasconcelos & Câmara, que depositou R$ 159 mil.
Outra empresa envolvida que não funciona no endereço de registro em Pernambuco é a RM Construções.
João Carlos Lyra é enteado do ex-senador e ex-deputado federal por Pernambuco Luiz Piauhylino Monteiro (PSB), aliado de Eduardo Campos. Ele mesmo fez um depósito de R$ 195 mil.
Além do enteado, o filho do ex-parlamentar aparece entre os financiadores do jato. Luiz Piauhylino Monteiro Filho divulgou nota informando ter emprestado a João Carlos Lyra R$ 325 mil. Pelo contrato assinado entre eles, o dinheiro foi transferido no dia 14 de maio para a AF Andrade.
A outra empresa financiadora foi a Ele Leite Negócios Imobiliários Ltda. - cujo nome ainda não havia sido citado na compra do jato. Ela declarou ter emprestado R$ 727,7 mil a João Carlos. O dinheiro foi transferido diretamente no dia 15 de maio para a A.F. Andrade.
A Leite Imobiliária é uma micro empresa que pertence a Eduardo Bezerra. Em foto divulgada, ele aparece com outros dois empresários de Pernambuco buscando o jato em Ribeirão Preto (SP).

DOCUMENTO ENTREGUE A PF
Documento entregue à Polícia Federal pela operadora do avião Cessna que caiu em Santos, no último dia 13, matando o candidato do PSB à Presidência, Eduardo Campos, e mais seis pessoas, levantou a suspeita de envolvimento de empresas fantasmas na compra da aeronave. Reportagem visitou endereços que seriam de empresas que contribuíram para a compra e nelas encontrou uma residência em uma favela do Recife e salas comerciais e casas vazias.
A AF Empreendimentos e Participações era a operadora da aeronave e tinha contrato de leasing assinado com o braço financeiro da fabricante de jatos, a Cessna Finance Export Corporation. O extrato da AF informa uma lista de empresas que fizeram depósitos em sua conta para quitar as parcelas do contrato de compra do avião. A operadora disse que já tinha acertado a venda da aeronave para o empresário João Carlos Lyra Pessoa de Mello Filho. Esses depósitos seriam parte do pagamento. No extrato, a informação é que a AF já recebeu R$ 1,7 milhão para quitar parcelas do leasing.
Na lista revelada aparecem repasses feitos por seis fontes diferentes. Entre elas está uma empresa descrita como Geovane Pescados, que depositou R$ 12 mil. No endereço, há apenas uma casa em uma favela do Recife e o morador, chamado Geovane, nega ter um empresa e qualquer envolvimento no negócio.
— Acha que se eu tivesse uma empresa de pescado eu vivia numa situação dessa? — perguntou Geovane.
Outra empresa citada é a RM Construções, que teria contribuído com R$ 290 mil. O endereço é de uma casa no bairro de Imbiribeira, na capital pernambucana. O dono da RM soltou uma gargalhada ao ser indagado se auxiliou na compra do avião. O extrato também aponta o repasse de R$ 160 mil da Câmara & Vasconcellos, que tem registrado em seu nome dois endereços na cidade de Nazaré da Mata (PE). A sala comercial e a casa indicada no cadastro estavam vazias.

TROCA DE ARRENDATÁRIO
Em nota à imprensa, a assessoria de João Carlos Lyra Pessoa de Mello Filho cita apenas repasses feitos por uma empresa e um advogado. A Ele Leite Ltda, que pertence a Eduardo Freire Bezerra Leite, depositou R$ 727.797,03 por meio de TED para a AF Andrade no dia 15 de maio de 2014. Outros R$ 325 mil teriam sido pagos à AF Andrade pelo advogado pernambucano Luiz Piauhylino Monteiro Filho (filho do ex-deputado Luiz Piauhylino). Tanto a Ele Leite quanto Luiz Piauhylino Filho informam que os valores eram fruto de “empréstimos pessoais” firmados com João Lyra.
Segundo relatos de assessores, João Lyra era muito amigo de Eduardo Campos e teria procurado empresários alegando que precisava “arrumar um avião para a campanha”. Em nota, João Lyra disse ter feito vários empréstimos. “Os valores recebidos foram para pagar parcelas vencidas do leasing do avião Cessna Citation 560 XL, para permitir que a Cessna, financiadora da aeronave, agilizasse a operação de venda”.
Os valores teriam sido transferidos à AF porque só ela poderia pagar a Cessna, uma vez que era a operadora, por contrato. O próprio João Lyra teria tentado assumir o contrato, através da sua empresa BR Par Participações, mas a Cessna negou a operação, alegando que a BR não tinha fluxo de caixa compatível com o negócio. A alternativa foi indicar a Bandeirante Companhia de Pneus, que pertence ao empresário Apolo Santana Vieira. O contrato de intenção de troca do arrendatário teria sido assinado em maio e estava dependendo do aval da Cessna, quando o acidente ocorreu.

PARTIDO SE MANIFESTA
Pela primeira vez, o PSB se pronunciou oficialmente sobre a suspeita de caixa dois, pelo fato de não ter declarado o uso da aeronave na prestação de contas parcial ao TSE. Em nota, o partido afirma que os empresários João Carlos Lyra Pessoa de Mello Filho e Apolo Santana Vieira, amigos pessoais do ex-governador, autorizaram Campos a usar a aeronave durante toda a campanha. Para o PSB, a declaração do avião deveria ser feita só ao fim da disputa:
“Nos termos facultados pela legislação eleitoral, e considerando o pressuposto óbvio de que seu uso teria continuidade até o final da campanha, pretendia-se proceder à contabilização ao término da campanha eleitoral, quando, conhecida a soma das horas voadas, seria emitido o recibo eleitoral, total e final”, diz a nota assinada pelo presidente do PSB, Roberto Amaral.
O texto afirma que a tragédia que matou Campos e mais seis pessoas provocou mudanças na direção partidária e na estrutura de comando da campanha que dificultaram o levantamento de informações.
O PSB não informou como declararia o jato, pois aeronaves podem ser emprestadas apenas por empresas que tenham a aviação como atividade fim. Oficialmente, o jato pertence à AF Andrade, empresa de Ribeirão Preto que está em recuperação judicial. Pela lei, o avião Cessna Citation 560 XL, prefixo PR-AFA, não poderia ser vendido sem autorização judicial. A venda foi comunicada à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) somente após o acidente que matou Campos.
Nota Oficial do Partido Socialista Brasileiro:
"A aeronave de prefixo PR-AFA, em cujo acidente faleceu seu presidente, Eduardo Henrique Aciolly Campos, nosso candidato à presidência da República, teve seu uso — de conhecimento público -- autorizado pelos empresários João Carlos Lyra Pessoa de Mello Filho e Apolo Santana Vieira.
Nos termos facultados pela legislação eleitoral, e considerando o pressuposto óbvio de que seu uso teria continuidade até o final da campanha, pretendia-se proceder à contabilização ao término da campanha eleitoral, quando, conhecida a soma das horas voadas, seria emitido o recibo eleitoral, total e final.
A tragédia, com o falecimento, inclusive, de assessores, impôs conhecidas alterações tanto na direção partidária quanto na estrutura e comando da campanha, donde as dificuldades enfrentadas no levantamento de todas as informações que são devidas aos nossos militantes e à sociedade brasileira.

Brasília, 26 de agosto de 2014

Roberto Amaral, presidente Nacional do Partido Socialista Brasileiro"

TSE EXIGE DECLARAÇÃO PARCIAL
No entanto, a resolução 23.406/2014, do Tribunal Superior Eleitoral, que rege as eleições deste ano, diz que “os candidatos e os diretórios nacional e estaduais dos partidos políticos são obrigados a entregar à Justiça Eleitoral (...) as prestações de contas parciais, com a discriminação dos recursos em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para financiamento da campanha eleitoral e dos gastos que realizaram, detalhando doadores e fornecedores”. A existência de gastos ou doações não registrados nas parciais é “infração grave”.
Questionada sobre essa questão, a assessoria do PSB respondeu que a interpretação jurídica que vem sendo feita sobre a resolução está “equivocada”.
— A parcial que deve ser apresentada é de dinheiro vivo, o que entrou e o que saiu do caixa da campanha no período. As horas de voo são um serviço continuado e apareceria só na prestação de contas final da campanha.

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