‘Era regra do jogo’ pagar propina e consolidar cartel
Em depoimento à Justiça, Julio Camargo
afirmou que valor era barganhado com ex-diretor da Petrobras;
já
Mendonça Neto contou que Duque consolidou cartel
Executivo fala sobre propina negociada por Renato Duque |
O primeiro dia de depoimentos de delatores da Operação Lava-Jato à
Justiça de Curitiba foi marcado por acusações ao ex-diretor de Serviços e
Engenharia da Petrobras, Renato Duque, que está solto desde dezembro do
ano passado. Julio Camargo, consultor ligado à Toyo Setal e à Camargo
Corrêa, e Augusto Ribeiro Mendonça Neto, proprietário da Setal,
confirmaram à Justiça — em depoimentos colhidos na segunda-feira
(02.fev.2015) mas divulgados na terça-feira (03.jan.2015) — que Duque
não apenas exigiu propina para assinar contratos entre as empreiteiras e
a Petrobras, como a prática era “regra do jogo”. Duque negociava o
valor das propinas e usava empresas de fachada para receber os
pagamentos. Os depoimentos também mostraram que o cartel de empreiteiras
para desviar recursos da Petrobras só se tornou efetivo quando o grupo,
inicialmente formado por nove empresas, obteve acordo com Duque e Paulo
Roberto Costa, da diretoria de Abastecimento.
Na semana passada, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot,
emitiu parecer favorável à prisão preventiva de Duque, ao analisar o
mérito do habeas corpus concedido a ele no Supremo Tribunal Federal, em
dezembro. Duque foi preso em novembro de 2014 por determinação da 13.ª
Vara Federal de Curitiba, base da Operação Lava Jato, a pedido do
Ministério Público Federal do Paraná e solto depois por decisão do
ministro do Supremo Teori Zavascki. O Ministério Público Federal avalia
que já dispõe de elementos suficientes para afirmar que a Diretoria de
Serviços da Petrobrás, na gestão de Duque, captou cerca de R$ 650
milhões em propinas sobre contratos fechados de 2004 a 2012 com as
empreiteiras do cartel.
Julio Camargo |
‘Era regra do jogo’
Julio Camargo participou, pela Camargo Correa, de um consórcio que
realizou obras na Refinaria Presidente Getulio Vargas (Repar), no
Paraná. Ele contou à Justiça que Renato Duque solicitou “vantagem
indevida” nos contratos da empreiteira com a Petrobras. O valor dos
contratos era de R$ 2,4 bilhões. Indagado se “houve alguma solicitação
de vantagem indevida por parte de algum diretor da Petrobras para
obtenção do contrato deste consórcio?”, Julio Camargo responde que “sim”
e cita especificamente Renato Duque e Pedro Barusco, braço-direito de
Duque. Camargo contou que o pagamento de propinas de empresas à
Petrobras era “regra do jogo”.
“Havia uma regra do jogo que se o senhor não pagasse propina à
engenharia e ao abastecimento o senhor não teria sucesso ou o senhor não
obteria contrato na Petrobras”, declarou Camargo.
A informação do pagamento de propina por obras na Repar a Duque e
Barusco foi confirmada por Augusto Ribeiro de Mendonça Neto. A licitação
foi vencida pela Setal em consórcio com a empresa Mendes Junior e com a
MPE Montagens Industriais. Segundo ele, a propina foi paga por meio de
empresas de fachada: Power To Tem Engenharia, Legend Engenheiros
Associados, Rock Star Marketing, SM Terraplanagem e Soterra
Terraplanagem. Essas cinco empresas, explicou, assinaram falsos
contratos de prestação de serviços para o consórcio e eram encarregadas
de fazer os depósitos no exterior e em outras contas indicadas por
Duque.
Mendonça Neto disse que não havia um operador para manejar a propina
destinada à diretoria de Duque. Ou seja, não tinha um “Alberto Youssef”.
“Pagávamos um grupo de empresas e estas empresas é que depositavam nas
contas indicadas por eles. Eram prestadores de serviços, que alugavam
equipamentos, assinamos contratos pela obra por uma prestação de serviço
que não ocorreu. Elas cobravam uma parte, a título de comissão, e
disponibilizavam o saldo”, disse o executivo.
O empresário afirmou que uma parte da propina paga a Duque também foi
feita por meio de empresas do consultor Júlio Camargo. Ele reafirmou que
o pagamento de propina foi combinado diretamente com Duque e com Pedro
Barusco, que era gerente da área. Barusco assinou acordo de delação
premiada como Ministério Público Federal, assim como Mendonça Neto e
Júlio Camargo.
Julio Camargo contou ainda, em seu depoimento, que barganhou o pagamento
de propina a Duque. Em vez de pagar R$ 24 milhões, o empresário admitiu
que pagou R$ 12 milhões, ou seja, 0,5% do valor da obra.
“Tinha como regra 1%, mas isso aí era muito flexível e sempre negociado.
No meu caso eu sempre negociei para menor e nunca para maior”,
declarou.
Camargo revelou ainda que não atuou juntamente à área de abastecimento,
porque ele e a empreiteira, numa avaliação conjunta, entenderam que a
empresa “tinha mais condição de ter uma solução na área de
abastecimento”. Segundo ele, a Camargo Corrêa pediu que o consultor se
concentrasse na área de engenharia “para obter sucesso na operação”.
Julio Camargo confirmou que quem cuidava de negócios com a área de
abastecimento da Petrobras era Eduardo Leite (vice-presidente da Camargo
Corrêa).
Augusto Ribeiro Mendonça Neto |
Consolidar cartel
Já o empresário Augusto Ribeiro Mendonça Neto, dono da PEM Engenharia e
da Setal, que deu origem ao Grupo Toyo Setal, afirmou que o cartel de
empreiteiras para desviar recursos da Petrobras só se tornou efetivo
quando o grupo, inicialmente formado por nove empresas, obteve acordo
com Duque e Paulo Roberto Costa. Segundo Mendonça Neto, antes dos dois
entrarem no esquema, as empresas haviam combinado apenas não concorrer
entre si nas licitações da Petrobras, como forma de driblar as regras da
petrolífera, que eram muito rígidas e tinham causado problemas
financeiros aos fornecedores durante a década de 90.
Mendonça Neto afirmou que o pagamento da propina para a área de
Abastecimento foi inicialmente discutido com o deputado José Janene
(PP-PR), morto em 2010, e estabelecido em 1% sobre o valor do contrato. A
propina para a Diretoria de Engenharia e Serviços, informou, foi
discutida diretamente com Renato Duque, e foi pedido 2% sobre o valor do
contrato. O empresário disse que um diretor da Petrobras tem grande
poder de atrapalhar um fornecedor e o andamento da obra.
No depoimento de Mendonça Neto, chamou a atenção quanto a diretoria da Petrobras tinha peso sobre as operações da companhia.
“A diretoria da Petrobras tem um peso muito importante na operação da
companhia. De modo que a posição de um diretor é absolutamente crucial
para o andamento de uma companhia dentro das obras da Petrobras. Eles
usavam este tipo de argumentação tanto para discutir as comissões quanto
também o pagamento. Ele pode prejudicar deste não convidar, ou retirar
do processo licitatório com algum argumento, pode atrapalhar em muito o
andamento dos contratos. Ajudar é difícil. Muitas vezes pedimos ajuda e
eles não tinham poder de ajudar, mas de atrapalhar sempre tinham um
poder importante. Era muito mais no sentido de atrapalhar do que de
ajudar. Eu diria que seria inimaginável não contribuir”, disse o
empresário.
Segundo ele, a cobrança exercida sobre o pagamento da propina era muito grande.
“Numa determinada época chegamos a atrasar e a cobrança era efetiva”, comentou.
Mendonça Neto afirmou que, até a negociação com Costa e Duque, ocorrida
entre os anos de 2003 e 2004, as empresa apenas não concorriam entre si.
Depois do acerto com as duas diretorias, os convites da Petrobras para
participar das concorrências eram mais dirigidos a essas companhias.
O empresário afirmou que a Setal, uma de suas empresas, era representada
nas reuniões do cartel por seu diretor comercial, Marcos Berti, que lhe
relatava as decisões do grupo. Segundo o empresário, a maioria dos
encontros do cartel ocorreu na sede da construtora UTC, no Rio, ou no
escritório de São Paulo, e o coordenador dos encontros era Ricardo
pessoa, presidente da empresa.
O empresário reafirmou que, durante os anos de atuação do cartel, a
Camargo Corrêa teve três representantes. O primeiro deles foi João
Auler, hoje membro do conselho de administração da construtora, Dalton
Avancini e Eduardo Leite, presidente e vice-presidente, pela ordem.
Augusto Ribeiro Mendonça Neto contou que Duque e Paulo Roberto Costa
cobravam propina para o PT e o PP e usavam a burocracia da estatal para
forçar empresários a pagar “comissões” e garantiam ao cartel das
empresas, por meio de cartas-convites.
“A empresa acompanhava (o plano de obras da Petrobras) e quando virasse
carta-convite as outras cumpririam com a obrigação de oferecer preços
maiores” afirmou Mendonça Neto.
O empresário deu um exemplo de como os diretores da Petrobras forçavam o
pagamento de comissões. Segundo ele, num período em que o deputado José
Janene (PP-PR) discutia com as empreiteiras sobre a "necessidade" de
pagar propina, explicando a elas que o diretor de Abastecimento estava
no cargo indicado pelo PP e para colaborar com o próprio Janene, Paulo
Roberto Costa vetou um pagamento à empresa Setal que havia demorado oito
meses para ser negociado.
Mendonça Neto diz que a Petrobras exigiu que a parte interna de um
reator, a ser usado numa planta da Refinaria Duque de Caxias, que não
existia no mercado nacional e internacional. Nenhuma siderúrgica no
mundo possuia o material exigido. A Setal, em parceria com a MPE,
conseguiu um fornecedor na Alemanha disposto a produzir a quantidade
limitada e entregar para o fabricante do reator na Índia. Quando tudo
ficou pronto, a obra já tinha sido entregue e o consórcio teve de voltar
ao local apenas para instalar o reator. O ressarcimento de custos foi
negociado com pelo menos cinco camadas hierárquicas da Petrobras durante
oito meses. Depois disso, acabou vetado por Costa e o consórcio teve de
amargar o prejuízo.
Para Mendonça Neto, impor o prejuízo ao consórcio foi uma espécie de recado de Costa.
“Foi uma demonstração de poder inadequada”, disse o empresário,
acrescentando que o poder de um diretor da Petrobras é muito grande para
atrapalhar uma empresa fornecedora da companhia.
Com a palavra: a Odebrecht
“A Odebrecht nega veementemente ter feito qualquer tipo de pagamento
para executivos ou ex-executivos para obter contratos com a Petrobras.
Todas os contratos conquistados, há décadas, pela Odebrecht, junto a
Petrobras são produto de processos de seleção e concorrência previstos
em lei. A empresa ainda repudia afirmações caluniosas, confessadamente
baseadas em suposições, feitas por réu confesso no processo que corre na
Justiça Federal do Paraná.”
Com a palavra: a UTC
“A UTC repudia veementemente boatos e tentativas de relacioná-la ao
pagamento de propina. O próprio delator, conforme reportagens publicadas
em novembro de 2014 sobre o mesmo depoimento, afirma não ter certeza do
pagamento da propina, mas que ‘tudo leva a crer’ que os pagamentos
teriam sido efetivados.”
VEJA TRECHOS DO DEPOIMENTO DO DELATOR JULIO CAMARGO À JUSTIÇA FEDERAL
VEJA TRECHOS DO DEPOIMENTO DO DELATOR AUGUSTO RIBEIRO MENDONÇA NETO À JUSTIÇA FEDERAL
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