terça-feira, 3 de fevereiro de 2015


‘Era regra do jogo’ pagar propina e consolidar cartel
Em depoimento à Justiça, Julio Camargo afirmou que valor era barganhado com ex-diretor da Petrobras; 
já Mendonça Neto contou que Duque consolidou cartel

Executivo fala sobre propina negociada por Renato Duque

O primeiro dia de depoimentos de delatores da Operação Lava-Jato à Justiça de Curitiba foi marcado por acusações ao ex-diretor de Serviços e Engenharia da Petrobras, Renato Duque, que está solto desde dezembro do ano passado. Julio Camargo, consultor ligado à Toyo Setal e à Camargo Corrêa, e Augusto Ribeiro Mendonça Neto, proprietário da Setal, confirmaram à Justiça — em depoimentos colhidos na segunda-feira (02.fev.2015) mas divulgados na terça-feira (03.jan.2015) — que Duque não apenas exigiu propina para assinar contratos entre as empreiteiras e a Petrobras, como a prática era “regra do jogo”. Duque negociava o valor das propinas e usava empresas de fachada para receber os pagamentos. Os depoimentos também mostraram que o cartel de empreiteiras para desviar recursos da Petrobras só se tornou efetivo quando o grupo, inicialmente formado por nove empresas, obteve acordo com Duque e Paulo Roberto Costa, da diretoria de Abastecimento.
Na semana passada, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, emitiu parecer favorável à prisão preventiva de Duque, ao analisar o mérito do habeas corpus concedido a ele no Supremo Tribunal Federal, em dezembro. Duque foi preso em novembro de 2014 por determinação da 13.ª Vara Federal de Curitiba, base da Operação Lava Jato, a pedido do Ministério Público Federal do Paraná e solto depois por decisão do ministro do Supremo Teori Zavascki. O Ministério Público Federal avalia que já dispõe de elementos suficientes para afirmar que a Diretoria de Serviços da Petrobrás, na gestão de Duque, captou cerca de R$ 650 milhões em propinas sobre contratos fechados de 2004 a 2012 com as empreiteiras do cartel.

Julio  Camargo

‘Era regra do jogo’
Julio Camargo participou, pela Camargo Correa, de um consórcio que realizou obras na Refinaria Presidente Getulio Vargas (Repar), no Paraná. Ele contou à Justiça que Renato Duque solicitou “vantagem indevida” nos contratos da empreiteira com a Petrobras. O valor dos contratos era de R$ 2,4 bilhões. Indagado se “houve alguma solicitação de vantagem indevida por parte de algum diretor da Petrobras para obtenção do contrato deste consórcio?”, Julio Camargo responde que “sim” e cita especificamente Renato Duque e Pedro Barusco, braço-direito de Duque. Camargo contou que o pagamento de propinas de empresas à Petrobras era “regra do jogo”.
“Havia uma regra do jogo que se o senhor não pagasse propina à engenharia e ao abastecimento o senhor não teria sucesso ou o senhor não obteria contrato na Petrobras”, declarou Camargo.
A informação do pagamento de propina por obras na Repar a Duque e Barusco foi confirmada por Augusto Ribeiro de Mendonça Neto. A licitação foi vencida pela Setal em consórcio com a empresa Mendes Junior e com a MPE Montagens Industriais. Segundo ele, a propina foi paga por meio de empresas de fachada: Power To Tem Engenharia, Legend Engenheiros Associados, Rock Star Marketing, SM Terraplanagem e Soterra Terraplanagem. Essas cinco empresas, explicou, assinaram falsos contratos de prestação de serviços para o consórcio e eram encarregadas de fazer os depósitos no exterior e em outras contas indicadas por Duque.
Mendonça Neto disse que não havia um operador para manejar a propina destinada à diretoria de Duque. Ou seja, não tinha um “Alberto Youssef”.
“Pagávamos um grupo de empresas e estas empresas é que depositavam nas contas indicadas por eles. Eram prestadores de serviços, que alugavam equipamentos, assinamos contratos pela obra por uma prestação de serviço que não ocorreu. Elas cobravam uma parte, a título de comissão, e disponibilizavam o saldo”, disse o executivo.
O empresário afirmou que uma parte da propina paga a Duque também foi feita por meio de empresas do consultor Júlio Camargo. Ele reafirmou que o pagamento de propina foi combinado diretamente com Duque e com Pedro Barusco, que era gerente da área. Barusco assinou acordo de delação premiada como Ministério Público Federal, assim como Mendonça Neto e Júlio Camargo.
Julio Camargo contou ainda, em seu depoimento, que barganhou o pagamento de propina a Duque. Em vez de pagar R$ 24 milhões, o empresário admitiu que pagou R$ 12 milhões, ou seja, 0,5% do valor da obra.
“Tinha como regra 1%, mas isso aí era muito flexível e sempre negociado. No meu caso eu sempre negociei para menor e nunca para maior”, declarou.
Camargo revelou ainda que não atuou juntamente à área de abastecimento, porque ele e a empreiteira, numa avaliação conjunta, entenderam que a empresa “tinha mais condição de ter uma solução na área de abastecimento”. Segundo ele, a Camargo Corrêa pediu que o consultor se concentrasse na área de engenharia “para obter sucesso na operação”.
Julio Camargo confirmou que quem cuidava de negócios com a área de abastecimento da Petrobras era Eduardo Leite (vice-presidente da Camargo Corrêa).

Augusto  Ribeiro  Mendonça  Neto

Consolidar cartel
Já o empresário Augusto Ribeiro Mendonça Neto, dono da PEM Engenharia e da Setal, que deu origem ao Grupo Toyo Setal, afirmou que o cartel de empreiteiras para desviar recursos da Petrobras só se tornou efetivo quando o grupo, inicialmente formado por nove empresas, obteve acordo com Duque e Paulo Roberto Costa. Segundo Mendonça Neto, antes dos dois entrarem no esquema, as empresas haviam combinado apenas não concorrer entre si nas licitações da Petrobras, como forma de driblar as regras da petrolífera, que eram muito rígidas e tinham causado problemas financeiros aos fornecedores durante a década de 90.
Mendonça Neto afirmou que o pagamento da propina para a área de Abastecimento foi inicialmente discutido com o deputado José Janene (PP-PR), morto em 2010, e estabelecido em 1% sobre o valor do contrato. A propina para a Diretoria de Engenharia e Serviços, informou, foi discutida diretamente com Renato Duque, e foi pedido 2% sobre o valor do contrato. O empresário disse que um diretor da Petrobras tem grande poder de atrapalhar um fornecedor e o andamento da obra.
No depoimento de Mendonça Neto, chamou a atenção quanto a diretoria da Petrobras tinha peso sobre as operações da companhia.
​“A diretoria da Petrobras tem um peso muito importante na operação da companhia. De modo que a posição de um diretor é absolutamente crucial para o andamento de uma companhia dentro das obras da Petrobras. Eles usavam este tipo de argumentação tanto para discutir as comissões quanto também o pagamento. Ele pode prejudicar deste não convidar, ou retirar do processo licitatório com algum argumento, pode atrapalhar em muito o andamento dos contratos. Ajudar é difícil. Muitas vezes pedimos ajuda e eles não tinham poder de ajudar, mas de atrapalhar sempre tinham um poder importante. Era muito mais no sentido de atrapalhar do que de ajudar. Eu diria que seria inimaginável não contribuir”, disse o empresário.
Segundo ele, a cobrança exercida sobre o pagamento da propina era muito grande.
“Numa determinada época chegamos a atrasar e a cobrança era efetiva”, comentou.
Mendonça Neto afirmou que, até a negociação com Costa e Duque, ocorrida entre os anos de 2003 e 2004, as empresa apenas não concorriam entre si. Depois do acerto com as duas diretorias, os convites da Petrobras para participar das concorrências eram mais dirigidos a essas companhias.
O empresário afirmou que a Setal, uma de suas empresas, era representada nas reuniões do cartel por seu diretor comercial, Marcos Berti, que lhe relatava as decisões do grupo. Segundo o empresário, a maioria dos encontros do cartel ocorreu na sede da construtora UTC, no Rio, ou no escritório de São Paulo, e o coordenador dos encontros era Ricardo pessoa, presidente da empresa.
O empresário reafirmou que, durante os anos de atuação do cartel, a Camargo Corrêa teve três representantes. O primeiro deles foi João Auler, hoje membro do conselho de administração da construtora, Dalton Avancini e Eduardo Leite, presidente e vice-presidente, pela ordem.
Augusto Ribeiro Mendonça Neto contou que Duque e Paulo Roberto Costa cobravam propina para o PT e o PP e usavam a burocracia da estatal para forçar empresários a pagar “comissões” e garantiam ao cartel das empresas, por meio de cartas-convites.
“A empresa acompanhava (o plano de obras da Petrobras) e quando virasse carta-convite as outras cumpririam com a obrigação de oferecer preços maiores” afirmou Mendonça Neto.
O empresário deu um exemplo de como os diretores da Petrobras forçavam o pagamento de comissões. Segundo ele, num período em que o deputado José Janene (PP-PR) discutia com as empreiteiras sobre a "necessidade" de pagar propina, explicando a elas que o diretor de Abastecimento estava no cargo indicado pelo PP e para colaborar com o próprio Janene, Paulo Roberto Costa vetou um pagamento à empresa Setal que havia demorado oito meses para ser negociado.
Mendonça Neto diz que a Petrobras exigiu que a parte interna de um reator, a ser usado numa planta da Refinaria Duque de Caxias, que não existia no mercado nacional e internacional. Nenhuma siderúrgica no mundo possuia o material exigido. A Setal, em parceria com a MPE, conseguiu um fornecedor na Alemanha disposto a produzir a quantidade limitada e entregar para o fabricante do reator na Índia. Quando tudo ficou pronto, a obra já tinha sido entregue e o consórcio teve de voltar ao local apenas para instalar o reator. O ressarcimento de custos foi negociado com pelo menos cinco camadas hierárquicas da Petrobras durante oito meses. Depois disso, acabou vetado por Costa e o consórcio teve de amargar o prejuízo.
Para Mendonça Neto, impor o prejuízo ao consórcio foi uma espécie de recado de Costa.
“Foi uma demonstração de poder inadequada”, disse o empresário, acrescentando que o poder de um diretor da Petrobras é muito grande para atrapalhar uma empresa fornecedora da companhia.

Com a palavra: a Odebrecht
“A Odebrecht nega veementemente ter feito qualquer tipo de pagamento para executivos ou ex-executivos para obter contratos com a Petrobras. Todas os contratos conquistados, há décadas, pela Odebrecht, junto a Petrobras são produto de processos de seleção e concorrência previstos em lei. A empresa ainda repudia afirmações caluniosas, confessadamente baseadas em suposições, feitas por réu confesso no processo que corre na Justiça Federal do Paraná.”

Com a palavra: a UTC
“A UTC repudia veementemente  boatos e tentativas de relacioná-la ao pagamento de propina. O próprio delator, conforme reportagens publicadas em novembro de 2014 sobre o mesmo depoimento, afirma não ter certeza do pagamento da propina, mas que ‘tudo leva a crer’ que os pagamentos teriam sido efetivados.”

VEJA TRECHOS DO DEPOIMENTO DO DELATOR JULIO CAMARGO À JUSTIÇA FEDERAL






VEJA TRECHOS DO DEPOIMENTO DO DELATOR AUGUSTO RIBEIRO MENDONÇA NETO À JUSTIÇA FEDERAL






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