sábado, 21 de fevereiro de 2015


Ministério Público quer impedir acordos 

entre CGU e empreiteiras



O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União pediu à presidência da corte que determine à CGU (Controladoria Geral da União) que se abstenha de celebrar acordos de leniência com empresas investigadas na Operação Lava Jato.
O pedido será analisado pelo presidente do TCU, Aroldo Cedraz, que não tem prazo para a decisão. Um acordo de leniência, segundo os termos em estudo na CGU, permitiria a redução das multas impostas às empresas e liberaria órgãos públicos a fecharem novos contratos com as companhias hoje sob investigação. Em troca, elas precisariam fazer o "reconhecimento dos fatos" e a "reparação dos danos causados".
A CGU ainda não fechou acordo do gênero, mas reconheceu, em novembro, que duas empreiteiras, cujos nomes não revelou, já haviam procurado o órgão para discutir o assunto. A CGU abriu processos "de responsabilização" contra oito empresas investigadas na Lava Jato.
Mas o procurador Júlio Marcelo de Oliveira defendeu, em representação [de ação cautelar contra a celebração de acordos de leniência entre o governo federal e as empreiteiras acusadas de corrupção no âmbito da Operação Lava Jato] protocolada na sexta-feira (20.fev.2015), que a CGU não tem "a independência e a autonomia necessárias para conduzir questões de amplitude e gravidade como essa com que depara o país na Operação Lava Jato, provavelmente o maior escândalo de corrupção do mundo em todos os tempos".
Criada em 2003, a CGU é um "órgão de consulta" da Presidência da República, que também escolhe e nomeia seu dirigente. Pela chamada "lei anticorrupção", de 2013, compete à CGU, no âmbito do governo federal, celebrar acordos de leniência.
O procurador reconheceu que tanto a CGU quanto o Ministério Público Federal tem o poder legal de celebrar acordos do gênero, mas considerou que os procuradores da República, no atual estágio das investigações, devem ser priorizados, sob pena de criação de uma "insegurança jurídica" tanto para as empresas quanto a respeito do alcance dos acordos.
O procurador ponderou que um acordo celebrado na CGU não ficaria vinculado aos atos celebrados pelo Ministério Público, criando uma confusão jurídica.
"Não tem cabimento que, no curso de uma investigação conduzida pelo MPF, possa outro órgão qualquer, sem a mesma independência e autonomia, sem o mesmo largo espectro de atuação, atravessar a investigação com a celebração evidentemente inoportuna de um acordo de leniência que possa, ainda que mesmo apenas potencialmente, causar embaraços, controvérsias jurídicas, quiçá judiciais, enfim todo tipo de entraves ao avanço das investigações em curso", escreveu o procurador.
Oliveira informou que tomou a providência após ser procurado por três entidades que manifestaram o mesmo temor sobre a isenção da CGU: a ONG Contas Abertas, a ANTC (Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil) e a Aud-TCU (Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União).
Em nota pública no final de janeiro, a CGU afirmou que o acordo de leniência é um instrumento legal "em consonância com as melhores práticas internacionais de combate à corrupção."

O contexto desse caso é simples
Interessa ao governo federal livrar as grandes empreiteiras do país de punições que possam inviabilizar a operação dessas empresas, vitais em centenas de obras de infraestrutura no país. Por essa razão, o Palácio do Planalto tem buscado formas para socorrer as principais construtoras brasileiras – que são, também, relevantes doadoras de dinheiro para campanhas políticas.
O que chamou a atenção do Ministério Público e das entidades que estão contra o acordo de leniência entre CGU e empreiteiras foi uma operação muito rápida do governo para tentar esse caminho.
O Tribunal de Contas da União aprovou uma instrução normativa (a 74/2015) na semana passada a respeito do tema. A decisão do TCU se ampara na Lei Anticorrupção (12.846/2013), que ainda não foi regulamentada. Pela norma adotada, o TCU passa a ter o poder de ser avalista dos acordos de leniência entre a CGU e as empreiteiras citadas na Operação Lava Jato.
A instrução do TCU foi aprovada em uma rápida sessão no último dia 11.fev.2015, a quarta-feira antes dos feriados de carnaval. O governo federal fez pressão sobre vários ministros do TCU para que a medida fosse adotada o mais brevemente possível.
Para derrubar a instrução do TCU será necessário que o Congresso (Câmara e Senado) aprovem um projeto de decreto legislativo já protocolado pelo PPS, um dos poucos partidos na oposição ao governo federal.
A Lei Anticorrupção é confusa e ainda não foi regulamentada. A lei 12.846 de fato estabelece a possibilidade de a Controladoria Geral da União ser “o órgão competente para celebrar os acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo federal”, como está escrito no parágrafo 10 do artigo 16.
Ocorre que no caso da Operação Lava Jato o agente corruptor (empreiteiras) estará então celebrando um acerto diretamente com o agente corrompido (o governo federal, uma vez que a Petrobras é controlada pela União).
Há ainda um outro componente que sugere um choque entre os Poderes da República. Se a CGU fizer um acordo de leniência neste momento com empreiteiras da Lava Jato, as investigações conduzidas pela Justiça Federal, ainda em curso, resultarão nulas para efeito judicial condenatório mais adiante.
Ou seja, o Poder Executivo federal, por meio da CGU, estaria manietando a ação de um juiz mais na frente, que não poderia mais condenar as empreiteiras sobre as quais possa haver provas robustas sobre corrupção.


[GLOSSÁRIO: Ação cautelar é uma medida que busca a assegurar um direito de maneira preventiva quando há risco de que algum ato possa prejudicar o processo principal. Acordo de leniência é um acerto entre uma empresa e órgãos reguladores: a firma aceita a culpa, paga uma multa, promete ajustar sua conduta e sai livre de outras punições].


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