sábado, 21 de fevereiro de 2015


Ministério Público Federal apura doação da ditadura da Guiné Equatorial à Beija-Flor
Vice-presidente do país africano também é alvo de investigação. Ele é suspeito de crime de lavagem de dinheiro

Teodorín (de azul) junto de seu pai, o ditador Obiang (de terno preto),
 num camarote do Sambódromo durante o desfile da Beija-Flor

A doação de R$ 10 milhões para a Beija-Flor - escola de samba campeã do carnaval 2015 do Rio de Janeiro -, que teria sido feita pelo ditador Teodoro Obiang, presidente da Guiné Equatorial, está sendo investigada pelo Ministério Público Federal (MPF). As novas versões dão conta de que o dinheiro teria vindo de empreiteiras brasileiras ou de empresas do país africano. O vice-presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Nguema Obiang Mangue, conhecido como Teodorín, de 45 anos, filho do presidente, também é alvo de investigação do Procurador da República Orlando Monteiro da Cunha desde 2013. Em procedimento criminal instaurado pelo MPF para apurar crime de lavagem de dinheiro por parte de Teodorín, foi possível identificar que o filho do ditador tem pelo menos oito veículos de luxo no Brasil, entre eles um Lamborghini Aventador, um Maserati e um Porsche Cayenne, totalizando cerca de R$ 30 milhões, além de imóveis de luxo no país.
— A suposta doação destinada à Beija-Flor será analisada dentro do contexto deste procedimento criminal iniciado em 2013, em colaboração com as Justiças dos Estados Unidos e da França. Descobrimos que Teodorín adquiriu bens imóveis e móveis de altíssimo valor em território nacional, o que sugere uma situação típica de lavagem de dinheiro no Brasil, ou seja, ocultação de bens provenientes de recursos ilícitos. A investigação encontra-se sob sigilo, pois estamos aguardando documentos oriundos de países que já confiscaram os bens dele, para poder pedir medidas judiciais mais severas — disse o procurador.

Apartamento de luxo em São Paulo
Na realidade, o filho do ditador leva no Brasil o mesmo estilo de ostentação que tem na França e nos Estados Unidos. O MPF descobriu que ele tem imóveis de luxo, como uma cobertura de 1.500 metros quadrados no edifício L’Essence, no bairro dos Jardins, em São Paulo, cujo valor estaria em torno de R$ 56 milhões, além de um apartamento de luxo no Rio.
A partir dos documentos de confisco de bens de Teodorín na França e nos Estados Unidos, o procurador da República pode pedir o sequestro e arresto dos carros e apartamentos do filho do ditador e até a prisão dele. Na quinta-feira (19.fev.2015), Orlando Cunha mandou ofícios à Polícia Federal e à Justiça francesa para saber se havia alguma ordem de captura contra Teodorín, mas soube que não havia qualquer pedido desta natureza:
— A Polícia Federal informou que Teodorín não está inserido no Sistema Nacional de Procurados e Impedidos. Já a Justiça francesa explicou que desistiu, por ora, da ordem de captura por extradição — explicou Orlando Cunha.
Foi a partir do pedido de cooperação da França e dos Estados Unidos, solicitando o confisco de uma aeronave Gulfstream G-V de Teodorín — comprada, em 2006, por R$ 38 milhões, supostamente adquirida pela prática de corrupção na Guiné Equatorial —, que a investigação começou no Brasil. Havia a informação de que o vice-presidente viria para o Rio, no período de 18 a 21 de fevereiro de 2012, durante o carnaval, o que acabou ocorrendo. Segundo o procurador da República, o avião foi apreendido por decisão da 10ª Vara Criminal Federal e, no ano seguinte, instaurado o procedimento criminal para apurar o crime de lavagem de dinheiro. Nos Estados Unidos, segundo Orlando Cunha, Teodorín acaba de perder para a Justiça americana uma mansão em Malibu avaliada em US$ 30 milhões. Em 2013, o filho do ditador ganhava 3.300 euros mensais, como Ministro das Florestas e Agricultura da Guiné Equatorial, salário insuficiente para o patrimônio que possui.
O procedimento investigatório no Brasil lista os 11 carros de luxo que a Justiça francesa confiscou, como um Rolls-Royce Phantom conversível, um Aston Martin Le Mans, entre outros, além de um relógio Piaget Polo decorado com 498 diamantes, avaliado em 598 mil euros, e um prédio de 5 mil metros quadrados em Paris. Nos Estados Unidos, segundo as investigações, ele e a família acumularam US$ 700 milhões em apenas uma das nove instituições financeiras americanas (Riggs Bank), entre 1998 e 2004.
Durante sua estada no Rio, entre sábado (14.fev.2015) e quarta-feira (18.fev.2015), Teodorín só deixou o Copacabana Palace por algumas horas, para ir ao Sambódromo nas noites de domingo (15.fev.2015) e segunda-feira (16.fev.2015), e para o jantar no restaurante Mariu's, na terça-feira (17.fev.2015). O filho do ditador passou a maior parte do tempo em sua suíte da cobertura do hotel.
Na quinta-feira (19.fev.2015), na quadra da Beija-Flor, imperou o silêncio. O presidente da escola, Farid Abraão David, não quis comentar a polêmica do patrocínio. Já a rainha de bateria, Raíssa Oliveira, que sugeriu o enredo sobre a Guiné Equatorial, disse desconhecer Teodorín, acrescentando que seu contato foi com integrantes da comitiva que costumam contratar shows da Beija-Flor.
A Polícia Federal disse, na quinta-feira (19.fev.2015), que houve uma incorreção na informação de que o presidente da Guiné Equatorial tinha chegado ao Brasil por Salvador. Na verdade, havia apenas o registro de desembarque do filho do presidente, Teodorín.

Edifício nos Jardins, em São Paulo, onde filho de ditador tem uma cobertura

Governo da Guiné Equatorial entra em contradição sobre origem dos R$ 10 milhões
Nota oficial diz que empresas brasileiras deram recursos. Embaixador afirma que foram companhias africanas
A origem dos R$ 10 milhões dados à Beija-Flor para o enredo que exalta a Guiné Equatorial se transformou numa guerra de versões, em que até mesmo os dirigentes do país entraram em contradição. Em nota divulgada pelo Escritório de Imprensa e Informação, o governo negou que recursos públicos tenham sido usados para patrocinar a escola, acrescentando que a iniciativa partiu de empresas brasileiras com negócios na nação africana. O embaixador da Guiné Equatorial no Brasil, Benigno-Pedro Matute Tang, deu outra versão. Segundo ele, o dinheiro teria vindo de empresários do seu país, que teriam arrecadado um valor inferior a R$ 5 milhões. De acordo com o jornal “O Estado de S.Paulo”, Benigno-Pedro informou que o total seria de 30 doadores:
— Uma conta foi aberta na Guiné para depositar esses recursos. O dinheiro é movimentado por cidadãos da Guiné, que o repassam à escola. Tudo dentro da legalidade e comunicado inclusive ao Itamaraty.
Benigno-Pedro não quis revelar em qual banco foi aberta a conta e quem seriam seus titulares. O embaixador negou até que o patrocínio prometido fosse de R$ 10 milhões. Ele contou ainda que esteve ontem na quadra da Beija-Flor e que ninguém da diretoria confirmou ter dito que esse seria o valor repassado à escola.
Fran-Sérgio, integrante da comissão de carnaval da Beija-Flor, citou três empreiteiras brasileiras com negócios na Guiné que teriam repassado dinheiro à escola. Entre elas está a Odebrecht (citada na Operação Lava-Jato), que negou ter dado qualquer ajuda e até mesmo ter feito obras no país, embora tenha mantido um escritório na Guiné até o ano passado. A Queiroz Galvão, que faz obras de saneamento na nação africana, e a ARG, que constrói duas grandes rodovias, não quiseram comentar o assunto.

Odebrecht nega que tenha patrocinado a Beija-Flor
Carnavalesco da escola de Nilópolis disse que patrocínio veio de empresas envolvidas na Operação Lava-Jato
Após o governo da Guiné Equatorial dizer que não patrocinou a Beija-Flor, que venceu o carnaval com um enredo em homenagem ao país, e afirmar que a iniciativa partiu de “empresas brasileiras”, a Odebrecht - uma das companhias citadas - negou que tenha patrocinado o enredo da Beija-Flor. A empreiteira afirmou ainda que sequer realizou obras na Guiné.
“A Odebrecht não patrocinou o desfile do Grêmio Recreativo Escola de Samba Beija-Flor, do Rio de Janeiro. A Odebrecht esclarece ainda que nunca realizou obras na Guiné Equatorial. A empresa chegou a manter um pequeno escritório de representação no país africano, mas ele foi desativado em 2014”, diz a nota.
Em 2011, segundo a “Folha de S. Paulo”, o diretor de relações institucionais da Odebrecht, Alexandrino Alencar, integrou a comitiva de uma viagem do governo brasileiro à Guiné. Na ocasião, o representante oficial da delegação brasileira, designado pela presidente Dilma Rousseff, foi o ex-presidente Lula.
O carnavalesco Fran-Sérgio da Beija-Flor citou ainda a Queiroz Galvão — que, assim como a Odebrecht, está envolvida nas denúncias da Operação Lava-Jato — e o grupo ARG como financiadores do carnaval.


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