Ricardo Lewandowski: sob fogo cruzado dos colegas
Ricardo Lewandowski |
Antes de servir refresco, Lewandowski condenara Marcos Valério e os sócios dele. Mandara ao rol dos culpados também Delúbio Soares. Quanto a Genoino, aceitou todas as alegações da defesa: cuidava apenas da articulação política. As finanças partidárias não lhe diziam respeito. O caixa era coisa de Delúbio.
O revisor deu crédito irrestrito a todos os depoimentos de testemunhas favoráveis a Genoino, inclusive os de Valério e Delúbio. Curiosamente, desqualificou tudo o que saiu da boca de Roberto Jefferson. Chegou mesmo a dizer que, ao depor em juízo, o delator do mensalão desdissera tudo o que declarara na fase extrajudicial.
Luiz Fux estranhou: “Vossa Excelência está afirmando que ele não ratificou em juízo as declarações prestadas na CPI?” Lewandowski bateu o pé: “[...] Ministro Fux, se Vossa Excelência tiver outra leitura, eu respeito. Mas essa é a leitura que estou fazendo.” Para ele, as acusações de Jefferson “são imprestáveis.”
O presidente Ayres Britto também levou o pé atrás: “Diante da ênfase que Vossa Excelência coloca na leitura do depoimento de Roberto Jefferson confesso que vou ter que reler. Mas fiz anotações. Quando foi perguntado em juízo se confirmava tudo o que alegara extrajudicialmente, ele disse: ‘sim, confirmo’.”
E Lewandowski: “Ele confirmou, mas quando o juiz apertou e começou a pedir detalhes ele foi absolutamente contraditório.” O revisor leu trecho de um depoimento que Jefferson concedera no Rio. O juiz indagara se ele confirmava as acusações que fizera.
Jefferson respondeu: “[...] Reitero, confirmo, ratifico todas as declarações que dei no passado.” Em seguida, declarou que sua situação àquela altura era outra. Tornara-se réu. “Como acusado, falarei quanto aos fatos a mim imputados, não a terceiros.” Valendo-se desse material, Lewandowski concluiu que Jefferson “confirma e desconfirma” suas declarações.
Entre as evidências de que Genoino é “inocente”, Lewandowski mandou distribuir um documento levado aos autos pelo PT neste ano de 2012. Trata-se de um “comprovante de quitação” do pseudo-empréstimo que o PT contraíra no Banco Rural. Coisa de R$ 3 milhões. Com juros e correção, foi a R$ 6,1 milhões.
Na versão da defesa, endossada pelo revisor, Genoino assinara a promissória por força do estatuto partidário. Era, afinal, o presidente da legenda. No mais, não é ilegal obter empréstimo, disse Lewandowski. Para completar, o papagaio fora resgatado.
Ao manusear a peça distribuída pelo colega, Ayres Britto como que sentiu a picada da pulga atrás da orelha: “[...] Estou observando aqui que, parece, o empréstimo só foi pago em 2012.” Lewandowski deu de ombros: “Isso não é, a meu ver, relevante”.
O presidente do Supremo insistiu: “O empréstimo foi tomado em 14 de maio de 2003. E parece que só foi liquidado em 2012, embora houvesse também informação de que teria sido liquidado em 2011. É apenas uma observação que faço.”
Joaquim Barbosa meteu sua colher no debate. Insinuou que Lewandowski dava importância a documento que não merece crédito. “A tradição desse Banco Rural me faz não levar a sério nada que venha desse banco”, disse. Lembrou que, noutra operação, a casa bancária dera quitação de uma dívida de R$ 13 milhões aceitando receber R$ 2 milhões.
Lewandowski não se vexou: “Há diferença crucial: esse é um documento judicial.” Barbosa retrucou: “Mas pagar sete anos depois…” O revisor manteve-se impassível: “Mas pagou. E, ao que consta, foi apresentado à Justiça Eleitoral.”
Voltando-se para o colega Marco Aurélio Mello, um notório desafeto de Barbosa, Lewandowski seguiu adiante. “[...] Digo o seguinte, ministro Marco Aurélio, é preciso convir que nada há de estranho em que um dos maiores partidos, como o PT, contraísse dívida de R$ 3 milhões…” Marco Aurélio atalhou-o: “Ele não está sendo julgado por ter logrado um empréstimo, mas por corrupção ativa.”
Noutra passagem, Lewandowski reconheceu: sim, Genoino participou de reuniões partidárias em que o dinheiro fez parte do debate. Porém, disse o ministro, nada que fizesse os encontros escorregarem do campo da política para o Código Penal.
Ayres Britto voltou à carga: “Não há mal em fazer reunião entre partidos, o problema é saber qual o conteúdo e os objetivos das reuniões.” Lewandowski abriu um parêntese. Fugindo dos autos, evocou uma célebre fábula indiana.
Um príncipe chamou quatro cegos para examinar um elefante, contou o revisor. Um dos cegos segurou o rabo do bicho. Outro, a tromba. O terceiro apalpou a orelha. E o último alisou a perna. Que animal é esse?, indagou o príncipe.
Como que decidido a demonstrar que Genoino é vítima de acusação mal fundamentada por uma Procuradoria que não consegue distinguir o rabo da tromba, Lewandowski encerrou a fábula: “O cego que pegou no rabo disse que o elefante parecia uma vassoura. O da orelha, um enorme abano. O da tromba disse que era uma mangueira. O da perna disse que achava que era um poste.”
Marco Aurelio não se conteve: “Estou quase me convencendo de que o PT não fez repasse nenhum a parlamentares.” Ayres Britto soou como se enxergasse o elefante por inteiro: “Interessa saber se o empréstimo feito ao PT, nas condições em que o empréstimo se deu, se isso constitui gestão fraudulenta ou não e o que se fez com esse dinheiro.”
Lewandowski não deu o braço a torcer. “É preciso demonstrar que Genoino sabia que esse dinheiro tinha origem fraudulenta e sabia do destino. É possível até que soubesse. Mas estou partindo do que está provado. Se Vossas Excelências encontrarem uma prova, posso até, ao final do julgamento, me curvar.”
O revisor animou-se a adornar sua peroração com “um último dado subjetivo”. Realçou “a condição econômica modesta que Genoino ostenta.” “Tem uma casa de R$ 120 mil, em bairro de classe média. Vive dos rendimentos do trabalho, sustenta os pais que moram no Ceará, tem três filhos.”
Marco Aurélio achou curiosa a menção. Tão curiosa que viu-se compelido a recordar a Lewandowski que Genoino é acusado de pagar, não de receber propinas: “Ele não está sendo julgado por corrupção passiva.”
Como se vê, o revisor deixou embatucados até seus próprios pares.
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