terça-feira, 9 de outubro de 2018

Cursos exclusivos preparam herdeiros para administrar milhões



Cursos exclusivos no Brasil e no exterior ensinam jovens a administrar os negócios da família — ou a criar os seus próprios.
O convite chega por e-mail. Chama o filho mais velho do clã a participar de um curso para herdeiros. Uma imersão de dias no mundo dos negócios, especialmente moldado para dar lustro aos filhos de famílias com contas bancárias bem fornidas — de repente, o herdeiro se vê no meio de reuniões em que tem de apresentar os negócios da família a investidores.
O imperador Dom Pedro II aos 12 anos,
em quadro de Félix Taunay de 1837.
O príncipe herdeiro foi preparado dos 5 aos
15 anos para assumir o trono do Brasil.

Cursos assim costumam acontecer em cidades como Londres, Nova York e Zurique. Em geral, são organizados por grandes instituições financeiras, que selecionam alunos em meio à prole de seus investidores mais robustos. Desde o fim dos anos 2000, quando ganharam maior notoriedade, os cursos para herdeiros cumprem a função de ajudar famílias empreendedoras a fazer uma transição saudável de comando. Ou simplesmente manter os membros mais jovens da família interessados pelos negócios que seus pais e avós criaram.

O assunto importa porque a saúde dessas companhias familiares tem impacto na economia. De acordo com um levantamento da consultoria KPMG, as empresas familiares representam 70% do PIB global. Garantir que se mantenham sustentáveis exige disciplina — num ambiente em que, em muitos casos, a harmonia entre razão e emoção nem sempre prevalece. “Dividir o que é negócio e o que é família é um dos pontos essenciais”, disse Ricardo Belo, coordenador dos cursos para herdeiros da consultoria EY. “É preciso criar um acionista que tenha o mínimo de conhecimento sobre sua empresa para que ele entenda o que é o negócio.”

Alguns cursos incluem palestras com gurus do mercado e grandes empresários. Falam sobre ações, startups ou transições familiares bem-sucedidas. Outros dão ênfase ao networking — nesse universo, bons amigos podem se tornar também boas conexões para negócios. O cenário é diverso, da assepsia de escritórios corporativos ao aconchego de hotéis de luxo ou resorts.

Em inglês, os cursos para herdeiros ganharam um apelido charmoso: “nextgen programs”, ou programas para a próxima geração. São uma adição recente aos serviços que, décadas atrás, eram prestados por advogados, conselheiros financeiros e psicólogos, responsáveis por acompanhar os percalços de famílias com patrimônio. “A formação do conselheiro, e o tipo de auxílio oferecido, mudou conforme mudavam as necessidades dessas famílias”, explicou o americano Jamie McLaughlin. Um senhor de lábios finos e vasta calva, McLaughlin dá aulas na escola de negócios da Universidade Columbia. Há mais de 30 anos, trabalha como conselheiro de famílias endinheiradas. Segundo ele, a maior procura hoje é por atividades que preparem herdeiros para ocupar um lugar de importância em suas empresas ou que os tornem bons acionistas.

Durante fins de semana intensos de curso, bancos e consultorias têm a chance de fidelizar os filhos de velhos clientes ou de vender novos produtos a empresas. Os cursos são caros ou exigem que as famílias tenham determinado volume de investimentos. Mesmo assim, os brasileiros aderiram à ideia com entusiasmo. O país está entre os cinco que mais enviam participantes para um dos cursos da EY — uma atividade com duração de uma semana, sempre em parceria com alguma universidade de renome, e cujos alunos são escolhidos a dedo. Além do Brasil, outros participantes assíduos são Arábia Saudita, México, Canadá e Holanda. Custa, em média, € 6 mil.

Um pouco mais acessível, o programa para herdeiros da Fundação Dom Cabral cobra em torno de R$ 19 mil por duas semanas de curso. A partir deste ano, vai receber até 25 jovens convidados pela instituição para conduzi-los a uma jornada no mundo dos negócios por meio de palestras, dinâmicas, debates, visitas a empresas e depoimentos. O banco Credit Suisse Hedging-Griffo também tem dois cursos procurados pelos brasileiros e destinados aos filhos de seus investidores mais graúdos, chamados de “ultra high”. Um dos módulos, batizado de Family Ties (laços de família), leva 30 famílias latino-americanas para Zurique com o objetivo de ampliar os vínculos e o engajamento dos herdeiros nos negócios do clã. “Na última edição havia um patriarca de 80 anos e seu neto de 18. Conseguimos promover uma aproximação geracional enorme, que reflete em resultados diretos no negócio”, disse Kelly Fuoco, vice-presidente da área de wealth planning do Credit Suisse Hedging-Griffo. Para participar, as família devem ter aplicações de, no mínimo, R$ 80 milhões.

Além de participar de atividades pontuais, é possível pedir às consultorias a criação de um plano de desenvolvimento completo. A criação de um plano de desenvolvimento sob medida.

Conforme as gerações se sucedem num grupo familiar, duas coisas tendem a acontecer: a família aumenta, e os interesses se diversificam.

Carlos Gamboa é uma espécie de tutor.
Em alguns casos, ensina herdeiros a empreender.
Em outros, ajuda as famílias a usar os interesses
dos jovens para inovar suas empresas.
Como despertar o interesse de um grupo de herdeiros jovens e inquietos por uma empresa tradicional? É onde entra Carlos Gamboa, um homem esguio e simpático, desses de rosto bem escanhoado e cabelo penteado para o lado. Depois de trabalhar por anos no mercado financeiro e de viver “os prazeres e dores” de empreender, transformou-se em um criador de startups. Com um grupo de sócios, fundou a Fischer, uma venture builder. “Invertemos a lógica do investimento”, contou, durante uma conversa em um café em São Paulo. “Em lugar de sair em busca de bons negócios nos quais investir, decidimos criar os nossos próprios negócios inovadores e buscar investidores.”
O trabalho o aproximou de grupos familiares bem estabelecidos e interessados em aprender a apostar no mercado de startups. Hoje, ele ensina às famílias que é possível aliar os interesses de herdeiros afoitos aos de um grupo familiar que precisa inovar. “Se a empresa está próxima de um ambiente inovador, consegue diversificar sua atuação e se preparar para essas grandes modificações do mercado”, diz Gamboa.
Carlos Gamboa atua como uma espécie de tutor para herdeiros e empresas que estudam ampliar o portfólio. “Alguns herdeiros podem virar empreendedores. Outros podem estudar para se tornar bons investidores”, acrescenta.

Segundo os melhores cursos para herdeiros, engajamento é algo que pode ser aprendido.




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