terça-feira, 2 de outubro de 2018

Argentina: um país em crise


Sem reformas estruturais, governo Macri perde controle da economia, vê inflação disparar e enfrenta a desconfiança da população
e dos investidores internacionais




GREVE GERAL — Sindicatos peronistas controlados por Kirchner confrontam polícia
para deter austeridade reformista


A incapacidade dos sucessivos governos argentinos em executar as reformas necessárias para colocar sua economia nos eixos produz, de tempos em tempos, crises avassaladoras. A que está em curso no momento coloca no chão a política de ajustes liberalizantes tentada pelo presidente Mauricio Macri, que teve que subir os juros em 33% no final de agosto — alcançando os 60% ao ano — e vê a inflação aumentar 10 pontos percentuais em 2018. Houve fuga em massa de investidores e o governo precisou recorrer a empréstimos que já atingem US$ 57 bilhões junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para fechar suas contas. Com seu mandato se aproximando do último ano, Macri enfrentou uma greve geral no dia 25.set.2018 que afetou 15 milhões de pessoas e praticamente parou o país. A população está revoltada e saques a lojas e supermercados têm sido registrados em várias cidades.



CARESTIA — Alta dos preços e escassez de produtos já provocaram saques
em mercados em bairros periféricos
 


Para completar o quadro, o presidente do Banco Central da Argentina (BCRA) Luis Andrés Caputo pediu demissão após três meses no cargo por alegadas “razões pessoais”. “Essa renúncia se deve a motivos pessoais, com a convicção de que o acordo com o FMI restabelecerá a confiança fiscal, cambial, financeira e monetária” disse, Luis Caputo, o ex-presidente do BC argentino. Com trânsito em Wall Street, Caputo discordava da equipe econômica e saiu no dia da greve geral, justo quando Macri estava na 73ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, tentando demonstrar ao mundo que a Argentina não estava numa pior. O problema é que esse clima de inferno astral político-econômico parece não ter data para acabar, já que o peso é a moeda que mais perdeu valor frente ao dólar neste ano e um acordo com o FMI sempre precede ajustes de dolorosa austeridade, como ocorreu na crise argentina de 2001.
Enquanto Macri afirma na ONU que o país faz “esforços corretos”, a questão central é determinar o que deu errado desde sua campanha presidencial, em 2015, que de início tanto agradou aos bancos e investidores internacionais. Com uma política econômica voltada ao mercado, ele pretendia atrair recursos para conter a debilidade da economia em um momento que as commodities agrícolas (em especial o trigo) andam em baixa, afetando a balança comercial, e colocar as contas públicas em ordem mediante corte nos gastos do governo e aumento nas tarifas de serviços públicos. Um remédio amargo que só atraiu antipatia popular e deu combustível à oposição peronista da ex-presidente Cristina Kirchner, uma populista que anda às voltas com a Justiça, mas ainda controla sindicatos e tem força política para ser eleita.



REVOLTA — Greve praticamente parou o país: temor de confisco de depósitos bancários


As fragilidades internas argentinas são evidentes, porém o cenário internacional pode pesar ainda mais. A guerra comercial entre Estados Unidos e China, com a criação de barreiras alfandegárias, é um problema para os argentinos, que aumentaram até 2020 a taxação das exportações de produtos primários. Outro aumento perigoso é o das taxas de juros promovidas pelo Banco Central norte-americano (Fed), o que retira o interesse dos investidores das economias emergentes em prol da compra de títulos públicos dos Estados Unidos, que já eram os mais seguros do mundo e agora também estão entre os mais lucrativos. No aspecto interno, há medo de um novo “corralito”, o confisco de depósitos bancários e investimentos pessoais ocorrido em 2001. Nem o currículo liberal de Macri evitou que ele tivesse que explicar em Nova York que não fará isso de forma alguma.
Para analistas brasileiros, a crise argentina nasceu da demora em adotar as reformas estruturais que o país tanto necessita. Um lembrete para o que pode acontecer no Brasil no futuro próximo. “Ele contou com o beneplácito dos investidores, só que o vencimento das contas externas de curto prazo é muito grande em relação às reservas de moeda”, diz Clemens Nunes, professor de economia da FGV. O desequilíbrio as contas e o baixo crescimento (2% em 2017) consumiram o tempo do governo. “Ele foi eleito para arrumar a casa e não o fez. Agora não tem reservas, crédito e nem com fazer caixa com exportações. É o pior cenário”, diz o professor de economia do Insper Alexandre Chaia. Para ambos os economistas, o país não conseguiu sair do círculo vicioso da exportação de commodities, que quando em retração, afetam a vida das economias despreparadas. Algo que afetou o Brasil, mas atinge com mais força os vizinhos Equador, Bolívia e, em grau muito maior, a Argentina e a combalida Venezuela.









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