sábado, 4 de outubro de 2014


Agricultores denunciam fraude envolvendo crédito do Pronaf no Rio Grande do Sul

Elvino Bohn Gass (PT)
A Polícia Federal deve deflagrar nas próximas semanas uma operação referente a um inquérito que apura supostas fraudes na concessão de financiamentos via Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf) em um esquema arquitetado a partir de Santa Cruz do Sul. Ao todo, 6 mil agricultores na região teriam sido lesados nos últimos anos. A investigação teve início em 2012, a partir de uma denúncia levada à Delegacia da Polícia Federal de Santa Cruz. No início desta semana, cerca de 60 agentes da PF chegaram a ser deslocados para Santa Cruz para cumprir mandados de busca e apreensão, mas a operação foi desativada por conta de uma determinação do Supremo Tribunal Federal. O STF, por sua vez, agiu a partir de um pedido da Procuradoria-Geral da República, que alegou que a PF já havia sido alertada de que só deveria cumprir os mandados após o dia 6 de outubro - ou seja, após a eleição.
Embora capitaneadas de Santa Cruz, as fraudes possuíam ramificações em vários municípios da região, incluindo Sinimbu, Vera Cruz, Venâncio Aires e Passo do Sobrado. Os financiamentos eram intermediados pelo Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). O vereador e coordenador do MPA em Santa Cruz, Wilson Rabuske (PT) e o deputado federal Elvino Bohn Gass (PT) estão entre os investigados. Os recursos desviados do Pronaf teriam sido utilizados para custear campanhas eleitorais nos anos de 2008, 2010 e 2012.
A Polícia Federal alega que a investigação corre sob sigilo e, por isso, não comenta o caso.

Segundo agricultores, empréstimos eram transferidos para associação.
Associação tem mais de 5 mil agricultores associados no Vale do Rio Pardo.

O agricultor Claudio Muller e esposa - clique aqui e veja a reportagem

Agricultores do Vale do Rio Pardo, no Rio Grande do Sul, dizem que foram lesados pela entidade que representa a categoria na região. Eles fizeram empréstimos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), mas em muitos casos o dinheiro foi parar na conta da Associação Santa-Cruzense dos Agricultores Camponeses (Aspac), integrante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA).
Segundo os produtores rurais prejudicados, os empréstimos solicitados eram liberados pelo Banco do Brasil, mas a associação dizia para o agricultor que o crédito não havia sido aprovado e transferia o dinheiro para a própria conta. O MPA então convencia o produtor a encaminhar um novo pedido. Quando o segundo financiamento era liberado, a vítima era avisada que o dinheiro estava na conta. As transferências bancárias eram feitas pelo MPA com o uso de uma procuração, assinada pelos agricultores junto com os contratos do Pronaf.
A família de Claudio Muller só ficou sabendo do prejuízo de R$ 70 mil quando o banco começou a cobrar a dívida, dois anos após o período de carência. O agricultor, a mulher e a mãe dele estão com o nome sujo.
"Eu confiei no MPA, assinei em branco. Eles diziam que era um dinheiro que tinha que pegar, que se não pegasse o governo retornava e não mandaria mais para os 'colonos'", lembra o agricultor.
Os empréstimos eram feitos no nome de mais de um integrante da família, com o mesmo objetivo de investimento, o que proibido. “Nós estamos vivendo às custas do salário dos meus pais”, lamenta Muller.
Entretanto, em alguns casos os dois empréstimos foram desviados. Foi o que aconteceu com o produtor rural Alfonso Vogt, que está pagando por um dinheiro que nunca usou.
"O crédito de R$ 4 mil não veio. Aí dobraram para R$ 9 mil, e o valor também não veio, ficou em outras contas. Não tenho a quem recorrer", diz o produtor, que segue pagando o financiamento mesmo sem o dinheiro ter ido para a sua conta.
A Aspac tem mais de 5 mil agricultores associados na Região do Vale do Rio Pardo. O caso chegou a ser  investigado pela Polícia Civil, mas como envolve o desvio de recursos da União, foi encaminhado à Polícia Federal, que ainda não se manifestou sobre o assunto.
O Banco do Brasil suspendeu o convênio com o MPA. Segundo a ata de reunião com os diretores do movimento, em 2012 e 2013 a inadimplência chegou a 50% nas duas agências. A direção do MPA informou ao banco que sabia das irregularidades há um ano.
“Eu não fui agente de crédito rural, eu nunca tive essa função. A minha função, desde que eu entrei no MPA, foi organizar os agricultores para que eles possam melhorar de qualidade de vida. O crédito quem faz é o banco, inclusive por outras instituições de fora do município”, declara o coordenador do MPA de Santa Cruz do Sul, Wilson Rabuske, que também é vereador no município pelo PT.
Em nota, o Banco do Brasil informou que iniciou apurações internas para verificar reclamações relacionadas a operações do Pronaf em Santa Cruz do Sul e Sinimbu. O presidente da Associação Santa-Cruzense de Agricultores Camponeses, André Luís Sehnem, disse que não vai se pronunciar sobre as denúncias e está há três meses no cargo.
Já o coordenador estadual do Movimento dos Pequenos Agricultores no Rio Grande do Sul, Leandro Noronha, informou que está acompanhando o caso, e que o coordenador de Santa Cruz do Sul nunca foi autorizado a intermediar os créditos do Pronaf com o uso das contas do movimento. A orientação é que o dinheiro seja creditado direto na conta dos agricultores, como acontecem no restante do estado. A exceção, segundo ele, ocorreu apenas nas agências de Santa Cruz do Sul e Sinimbu.

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