terça-feira, 14 de outubro de 2014


Reservatórios têm nível próximo ao do racionamento de 2001
ONS prevê que, no fim de outubro, patamar do subsistema Sudeste chegue a 19,9%; em 2001, 'recorde' foi de 21,3%

Volume morto do Sistema Cantareira, que tem abastecido 6,5 milhões de pessoas
na Grande São Paulo, chegou neste domingo, 12.out.2014, a 4,8% da capacidade

A mais recente projeção do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) para o volume de chuvas neste mês sugere que o nível dos reservatórios no subsistema Sudeste/Centro-Oeste, o mais importante do País, estará ainda mais baixo do que aquele registrado em 2001, ano do racionamento.
Em outubro daquele ano, já em meio à restrição da oferta de energia, os reservatórios chegaram ao fim do mês com 21,3% da capacidade, de acordo com levantamento elaborado pela Comerc Energia. Agora, o ONS revelou que os reservatórios da região podem atingir 19,9% da capacidade no dia 31 de outubro.
O número é divulgado semanalmente pelo ONS, portanto, pode passar por revisões até o fim do mês. De acordo com o levantamento da Comerc, desde 2000 o porcentual não ultrapassava a "barreira psicológica" dos 20%. Nesse período, o pior número já registrado foi o de setembro de 2001, quando o armazenamento dos reservatórios chegou a 20,61% da capacidade.
"Precisamos de um período de chuvas melhor neste ano, caso contrário o nível dos reservatórios tende a cair mais rápido nos próximos meses", alerta o presidente da Comerc, Cristopher Vlavianos. O volume de chuvas tende a aumentar em novembro e alcançar o patamar mais significativo do ano entre os meses de dezembro e março.
A preocupação é que, com a proximidade do verão, o consumo de energia aumenta. Além disso, o chamado período chuvoso coincide com o momento de menor geração por parte dos projetos de biomassa e de usinas eólicas. "Temos uma perda de aproximadamente 5 mil MW médios de geração (eólica e por biomassa) e o acréscimo de 5 mil MW médios de consumo", dimensiona o especialista.
Essa diferença é compensada historicamente por um maior volume de energia gerada em projetos hidrelétricos. O problema é que, para recuperar o nível dos reservatórios, o ONS precisaria limitar a atividade das hidrelétricas no momento de maior demanda.
Os reservatórios da região Sudeste/Centro-Oeste correspondem a 70% da capacidade de armazenamento do País. A segunda região mais importante é a Nordeste, com aproximadamente 12% da capacidade. Para esse mercado, o ONS projeta armazenamento de 15,1% ao fim de outubro, quase o dobro do nível de 8,4% visto em outubro de 2001.

Previsões
O Plano de Operação Energética 2014/1018, documento obtido pelo reportagem, sinaliza que o nível dos reservatórios na região Sudeste/Centro-Oeste pode chegar a 30% no fim de novembro caso a energia natural afluente (ENA) fique em 95% da média de longo termo (MLT) entre setembro e novembro. Na eventualidade de a taxa ficar em 84% da MLT, os reservatórios alcançariam 20,4%, enquanto que uma taxa de 113% da MLT elevaria o nível dos reservatórios para 43% da capacidade.
As estimativas do ONS indicam que somente um volume mais relevante de chuvas no período úmido entre o fim deste ano e o início de 2015 pode livrar o Brasil de adotar algum tipo de limitação no fornecimento de energia. "Se o governo não tiver como atender pela ponta da oferta, precisará ser feito algum ajuste pela demanda", analisa Vlavianos.
Na visão do especialista, o governo deveria ter adotado medidas de incentivo à redução do consumo desde o início do ano, quando o volume das chuvas já se mostrava abaixo da média histórica. "Não podemos contar que a chuva virá, por isso precisamos ter outros mecanismos. Antes de criar uma situação obrigatória (de redução de consumo), poderia ter sido criada uma situação voluntária", diz Vlavianos. "Antes de o governo decidir despachar térmicas com custo de R$ 1.000/MWh, era possível dar um prêmio para quem reduzisse o consumo."

Desorganização do setor de saneamento aumenta a crise da água
De norte a sul do País há confusão generalizada sobre quem deve operar e fiscalizar serviços de saneamento; briga chegou ao STF
A estiagem histórica que castiga o abastecimento de água em diversas cidades do Sudeste expôs as raízes mais profundas de um problema que contamina o setor de saneamento básico do País e que está na base da crise atual: a desorganização institucional que impera entre prestadores de serviços de saneamento, Estados e municípios.
De norte a sul do País, a confusão é geral. Envolve empresas que operam de maneira informal e sem contrato, a ausência de fiscalização, alegações de cobranças extorsivas de tarifas e serviços de péssima qualidade. Essa combinação tem produzido índices recordes de desperdício de água e pilhas de processos judiciais, com casos que já chegaram até o Supremo Tribunal Federal (STF).
Desde 2007, uma lei federal garantiu a titularidade da gestão e fiscalização dos serviços de água e esgoto aos municípios. Na prática, porém, a lei não é respeitada. No centro das polêmicas, está a criação de agências reguladoras para fiscalizar o setor. De um lado, estão os municípios, que detêm a titularidade legal dos serviços de saneamento e querem mais fiscalização sobre a qualidade do que é oferecido à população por companhias públicas e privadas. De outro, estão os Estados, donos de parte das empresas de saneamento questionando a existência de órgãos municipais para fiscalizá-los.
No interior de São Paulo, por exemplo, 47 municípios reunidos em um consórcio público montaram, em 2011, uma agência reguladora dos serviços de saneamento das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (Ares-PCJ). Nessas bacias estão as nascentes das represas do Sistema Cantareira, em crise há dois anos. "O objetivo da agência é fiscalizar os serviços prestados aos municípios da região, a maior parte deles por empresas municipais, mas temos oito cidades que são atendidas pela Sabesp. Nessas cidades, a Sabesp não aceita a nossa fiscalização", diz Dalto Favero Brochi, diretor-geral da Ares-PCJ.
A alegação da Sabesp é que já existe uma instância do governo de São Paulo para desempenhar essa tarefa, a Agência Reguladora de Saneamento e Energia (Arcesp). "É uma situação difícil. Esses municípios atendidos pela Sabesp aderiram à Ares-PCJ e delegaram para nós a regulação. É um direito deles, garantido por lei, escolher quem fará essa fiscalização, mas a Sabesp não aceita", diz Brochi. O caso foi parar na Justiça. A Sabesp informou que "sempre atua com respaldo da legislação do setor e se submete à fiscalização dos órgãos competentes".

Supremo
Em Salvador, a crise institucional já chegou ao STF. A prefeitura quer fiscalizar os serviços prestados pela Empresa Baiana de Água e Esgoto (Embasa), sob alegação de que a agência reguladora estadual (Agersa) faz vistas grossas para as falhas da distribuidora da água. Por isso, a prefeitura criou em 2013 uma agência de fiscalização, a Arsal. "Queremos um sistema autônomo. O serviço da Embasa é de péssima qualidade. Ela nem sequer consulta a prefeitura sobre os serviços que seriam prioritários", diz Mauro Ricardo, secretário da Fazenda de Salvador.
Para o presidente da Embasa, Abelardo de Oliveira Filho, a prefeitura age por interesses políticos. "Falta bom senso. Nenhuma metrópole vai resolver os problemas de saneamento sem uma integração com o Estado", diz Oliveira Filho, que foi secretário de Saneamento do Ministério das Cidades no governo Lula, entre 2003 e 2007.
O imbróglio baiano envolve, ainda, a criação, pelo Estado, da região metropolitana de Salvador, um consórcio com 13 municípios, incluindo a capital. A prefeitura se nega a fazer parte do consórcio por entender que o grupo dilui decisões que caberiam à capital, como a fiscalização do saneamento.
No mês passado, o ministro do STF Celso de Mello indeferiu uma liminar do Democratas, partido do prefeito de Salvador, ACM Neto, que apresentou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra a lei complementar que criou o consórcio. "Esse tipo de situação se espalha pelo País. O saneamento sofre com a falta de regulação, porque não tem métricas de eficiência, o que leva a grandes prejuízos", diz o advogado Wladimir Antonio Ribeiro. Especialista no assunto, Ribeiro defende o modelo de consórcios de municípios. "Temos cidades de mil habitantes no País, que não têm condições de manter uma estrutura própria de fiscalização. Os consórcios, desde que bem estruturados, são a melhor opção", afirma.


Abastecimento de cidades sem contrato legal
A falta de entendimento entre prestadores de serviços de saneamento e municípios resulta em situações como em Santo André, no ABC paulista. Há sete anos, a cidade abastece a população com água da Sabesp sem ter um contrato, embora esse documento seja exigido pela Lei do Saneamento.
“Não houve acordo. A Sabesp nunca detalhou sua planilha de custos para nós. Os preços são abusivos e não há transparência”, diz Sebastião Ney Vaz Júnior, presidente da empresa municipal de Santo André (Semasa). A prefeitura move ação contra a Sabesp e, segundo Vaz Júnior, o caso deve ir ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A Sabesp cobra R$ 1,65 por metro cúbico (mil litros) de água vendido a Santo André, diz Vaz Júnior. O preço que a prefeitura paga, no entanto, é menor. “A gente paga em juízo, usando como referência a empresa local de abastecimento, que fornece água para uma parte da população a R$ 0,73 o m³. É esse o valor que estamos dispostos a pagar.”
A falta de contrato dificulta a fiscalização. “A Sabesp entrega o volume que pedimos, mas sem considerar nossos horários de pico de consumo”, diz Vaz Júnior. A Sabesp diz que atua com base na lei do setor.
Em Salvador, a situação é a mesma. “Nosso contrato com a Embasa acabou e não foi renovado”, diz Mauro Ricardo, secretário da Fazenda. A Embasa, companhia estadual, acusa a prefeitura de acumular dívida de R$ 450 milhões em contas de água. A prefeitura diz que a Embasa está inadimplente em R$ 400 milhões em Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e Imposto Sobre Serviços (ISS).
“Eles não pagam a gente, nós não pagamos eles”, diz Ricardo.
No meio do caos do setor, há bons resultados, como o Consórcio Intermunicipal de Saneamento Básico da Zona da Mata (Cisab), de Minas. “Somos 27 municípios que se uniram para gerenciar o saneamento, o que proporcionou a redução de custos”, diz Tânia Duarte, superintendente do Cisab.


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