Desmatamento do Cerrado, o novo vilão ambiental do Brasil
O prestígio que a Amazônia tem no Brasil é inegável. O desmatamento da
maior floresta tropical do mundo é monitorado de perto. Políticas para a
região são tema nos debates eleitorais. Há fiscalização e pressão
popular. Infelizmente, outros biomas não gozam do mesmo prestígio. O
Cerrado é um exemplo. Enquanto o desmatamento está em queda na Amazônia,
ele só cresce no Cerrado. Se essa tendência continuar, o desmatamento
do Cerrado pode se tornar o novo grande vilão ambiental do Brasil.
Uma comparação entre os dados do desmatamento dos dois biomas, feita com
base nos dados do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe) e da
Universidade Federal de Goiás (UFG), mostra que, em algum momento entre
2011 e 2012, o desmatamento do Cerrado passou o da Amazônia. Em 2012,
por exemplo, a Amazônia perdeu cerca de 4 mil quilômetros quadrados de
florestas. No mesmo período, o Cerrado perdeu cerca de 7 mil quilômetros
quadrados, como mostra a figura abaixo.
O Cerrado é o segundo maior bioma do Brasil, se espalha por oito Estados
diferentes, e desempenha um papel crucial na questão dos recursos
hídricos. É no Cerrado onde nasce grande parte dos rios que abastecem as
principais cidades do país. É nesse bioma, por exemplo, onde fica a nascente do rio São Francisco que secou neste ano. Isso sem contar que o bioma abriga a maior parte da agricultura e produção de alimentos do país.
O problema é que essa importância não se transformou em cuidado. Hoje, o
Cerrado é um dos biomas menos protegidos, ao lado dos Pampas e da
Caatinga. Quase não há unidade de conservação, e a legislação é muito
mais permissiva do que na Amazônia. Enquanto um proprietário de terras é
obrigado a proteger 80% da floresta se sua fazenda estiver na Amazônia,
no Cerrado essa porcentagem cai para 35%. Em outras palavras, o
desmatamento permitido, legal, é muito mais comum.
Curiosamente, parte do problema do Cerrado se deve exatamente ao
prestígio da Amazônia, segundo o professor Laerte Ferreira, da UFG. "A
pressão que foi tirada da Amazônia, por conta do aumento da
fiscalização, acabou sendo espalhada no Cerrado", diz. Ainda assim, a
principal causa da derrubada da floresta no Cerrado é a pecuária. A
influência do mercado internacional de commodities pode ser vista nos
dados do monitoramento do bioma. Nas épocas em que os preços das
commodities estavam em baixa, o desmatamento caiu. Quando os preços
aumentaram, os produtores voltaram a desmatar.
O aumento do desmate no Cerrado tem outra implicação importante para o
Brasil: o aumento nas emissões de gases de efeito estufa, responsáveis
pelo aquecimento global. O engenheiro florestal Tasso Azevedo,
ex-diretor do Serviço Florestal Brasileiro, fez um cálculo sobre quanto o
desmatamento do Cerrado emite de gases de efeito estufa. Segundo ele, o
desmatamento do Cerrado emitiu, em 2012, 166 milhões de toneladas de
gases de efeito estufa. "Se o Cerrado fosse um país, estaria entre os 50
que mais poluem", diz. As comparações mostram que os números são
expressivos. O desmatamento do Cerrado equivale a praticamente toda a
emissão da indústria brasileira em um ano. Ou seja, se o Brasil quer
mesmo mostrar que está fazendo a sua parte nas negociações do clima, não
adianta cuidar apenas da Amazônia e deixar os outros biomas de lado. "A
tragédia é que muitas pessoas não consideram o Cerrado como um
floresta, com importância para a conservação. É como se ela fosse menos
importante", diz Azevedo.
O professor Laerte Ferreira, no entanto, acha que esse entendimento está
mudando, e é otimista em relação ao futuro. Ele ressalta que há um
projeto do governo federal para monitorar todos os biomas do Brasil,
incluindo o Cerrado, que está previsto para entrar em operação no ano
que vem. "Sempre me impressiono em perceber o quanto a preocupação
ambiental amadureceu no Brasil. O monitoramento da Amazônia é
bem-sucedido, com resultados claros, e é hora de usar essa experiência
em outros biomas."
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