Polícia Federal apreende 16 milhões de dólares de filho do ditador africano Teodoro Obiang Nguema Mbasogo
Conhecido no Brasil por promover festas extravagantes e até por
patrocinar uma escola de samba no carnaval carioca e um bloco de
Salvador, o “vice-presidente” da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang
Mangue, o Teodorín, caiu nas garras da Receita e da Polícia Federal.
O “vice-presidente” da Guiné Equatorial veio ao Brasil em missão não oficial com malas que continham dinheiro e relógios de luxo.
O “vice-presidente” da Guiné Equatorial veio ao Brasil em missão não oficial com malas que continham dinheiro e relógios de luxo.
Vice-presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Nguema Obiang Mangue, em discurso na ONU |
Fiscais da Polícia Federal e da Receita Federal que trabalham no
Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas, fizeram uma das
maiores apreensões da história recente das duas corporações na
sexta-feira (14.set.2018), em uma fiscalização de rotina de um voo
oriundo de Guiné Equatorial. A bordo estava o vice-presidente do país
africano, Teodoro Nguema Obiang Mangue, o Teodorín, acompanhado de uma
comitiva com outras dez pessoas. Eles carregavam malas contendo 1,5
milhão de dólares em dinheiro vivo e duas dezenas de relógios de luxo
cravejados de pedras, avaliados em 15 milhões de dólares (entre eles um
modelo avaliado em 3,5 milhões de dólares). Tanto as notas como os
relógios não haviam sido declarados na entrada da comitiva, que não está
em missão diplomática.
O vice-presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Mangue, e as
demais pessoas foram liberados e estão hospedados em São Paulo.
Mala de dinheiro do vice-presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang
Mangue, que foi apreendida pela Polícia Federal em Viracopos |
O caso está sendo tratado com sigilo pelas autoridades. Segundo o
primeiro-secretário da Embaixada da Guiné Equatorial no Brasil, Lemenio
Akuben, o político africano teria explicado que veio ao Brasil para
fazer um tratamento médico e que, em seguida, iria para uma missão
diplomática em Singapura. Lá o dinheiro seria utilizado pela comitiva.
Já os relógios de luxo apreendidos fariam parte da coleção particular de
Obiang Mangue.
Obiang Mangue é filho do presidente e ditador de Guiné Equatorial,
Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, que é o político há mas tempo no poder em
toda a África — ele comanda o país desde 1979. O país da costa oeste da
África possui uma das maiores reservas de petróleo do continente, mas,
ao mesmo, é uma das economias mais pobres do mundo. Os indicadores
sociais estão igualmente entre os de pior qualidade no planeta.
A família do ditador, por sua vez, é conhecida pela ostentação material,
com dezenas de carros de luxo e mansões adquiridas em países ricos. A
sua fortuna já foi estimada em centenas de milhões de dólares.
Automóveis de luxo de Teodorin Obiang apreendidos em Genebra |
Segundo relato do governo brasileiro, o avião de Teodorín aterrissou em
Campinas por volta de 9h45min de sexta-feira (14.set.2018). Por causa das prerrogativas do cargo, o
vice-presidente não foi submetido a vistoria. No entanto, sua equipe foi
fiscalizada, o que levou à apreensão dos bens.
Pelas normas da Receita, só é permitido entrar com até R$ 10 mil em
espécie no País. E, ainda assim, se a origem do dinheiro não for
justificada, ele pode ser apreendido. No caso dos relógios e joias, a
quantidade levantou suspeitas de que pudessem ser destinados à
comercialização. Nesse caso, não poderiam ingressar como bagagem.
A apreensão foi confirmada pelo primeiro-secretário da Embaixada da
Guiné Equatorial no Brasil, Lemenio Akuben. Ele estava com Teodorín no
momento da apreensão. Segundo relatou, o vice-presidente foi
recepcionado normalmente mas, em um momento posterior, a delegação foi
“praticamente agredida”, com ordem para retornar com as malas para que
elas fossem inspecionadas.
Teodorín foi liberado e ficou aguardando no carro, do lado de fora do
aeroporto. Enquanto isso, a delegação tentou argumentar que, com base na
Convenção de Viena, bagagens pessoais de dignitários estrangeiros não
devem passar por vistoria. Segundo Akuben, o Itamaraty foi acionado e
enviou uma mensagem ao aeroporto alertando para isso. Fontes
diplomáticas desmentem essa versão.
Só no final da tarde, os fiscais liberaram R$ 10 mil. E forneceram
recibos das joias e relógios apreendidos. O vice-presidente seguiu de
helicóptero até a capital paulista. No entanto, Akuben e mais um
integrante da delegação foram retidos no aeroporto e interrogados pela
Polícia Federal até a madrugada.
Houve questionamento sobre a presença de drogas na aeronave. “Mas o
vice-presidente não usa drogas”, disse Akuben. “São informações falsas
que o Ocidente fala.” As fontes brasileiras não mencionaram drogas entre
os itens apreendidos.
Segundo o primeiro-secretário, o vice-presidente trouxe essa quantia de
dinheiro para pagar um tratamento médico em São Paulo e para custear sua
hospedagem em um hotel de luxo, num nível condizente com o cargo. “Dez
mil reais não dá para pagar nem um minuto de hotel”, disse o diplomata.
“Se não tivéssemos uma relação de bons clientes, estaríamos na rua.”
O dinheiro também deveria custear uma viagem a trabalho a Cingapura, que
o vice-presidente havia programado para a próxima semana. Akuben
argumentou que o dinheiro não poderia ser retido pois se trata de uma
verba oficial do governo da Guiné Equatorial.
Já os relógios, cerca de 20, são de uso pessoal do vice-presidente,
segundo informou. “São todos usados e têm as iniciais dele gravadas”,
assegurou.
Teodorín se encontra em São Paulo. A delegação da Guiné Equatorial
pressiona para liberar os bens retidos pela fiscalização e ainda não
sabe como ficará a programação dele de agora em diante.
Proximidade com celebridades e o carnaval — As relações de Teodorín com o
Brasil são antigas e não passam despercebidas. Em junho passado, por
exemplo, a cantora Ludmilla informou nas redes sociais que estava a
caminho da Guiné Equatorial para se apresentar na festa de aniversário
do “príncipe” do país. Também participaram a Lexa e outras celebridades
do mundo pop como Akon, Sean Kingston, Ludacris e Jeezy. Em maio deste
ano, ele apareceu em fotos postadas no Instagram da ex-panicat Arícia
Silva numa viagem a Las Vegas (Estados Unidos).
A Guiné Equatorial patrocinou a escola de samba Beija-Flor em 2015 e foi
homenageada pelo bloco baiano Ilê Aiyê em 2012. Nos últimos anos, a
família tem assistido aos desfiles do carnaval carioca em camarotes de
luxo da Sapucaí.
O ex-presidente Lula cumprimenta o ditador de Guiné Equatorial Teodoro Obiang Nguema durante encontro em 2010 |
O ex-presidente Lula era a ponte entre empreiteiros e o ditador da Guiné
Equatorial para resolver impasses enfrentados envolvendo financiamentos
em troca de favores
Troca de mensagens interceptadas pela Polícia Federal entre executivos
da OAS revelam as relações próximas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva e algumas das maiores empreiteiras do país na obtenção de
contratos de obras públicas em países da África e na América Latina. Um
caso emblemático revelado na 14ª fase da Operação Lava Jato, deflagrada
em 19.jun.2015, é o das negociações com o ditador da Guiné Equatorial,
Teodoro Obiang Nguema, que governa o país a mão de ferro há 39 anos.
Trata-se do mesmo governante que financiou, ao menos em parte, o desfile
da escola de samba Beija Flor, campeã do carnaval 2015 do Rio de
Janeiro com enredo em homenagem ao país africano — o patrocínio, afirmou
na época um representante da Guiné Equatorial, foi iniciativa de
empresas brasileiras que atuam no país.
Segundo os grampos obtidos pela PF, não é difícil imaginar de onde
surgiu tanta generosidade. Uma das conversas se dá entre o ex-presidente
da OAS Léo Pinheiro e o ex-diretor da área internacional da companhia,
César Uzeda. A mensagem, datada de 2012, indica que a empreiteira
financiaria o carnaval do bloco baiano do Ilê Aiyê, cujo tema era a
Guiné Equatorial, em troca de favores. Pelo tom da mensagem, a ditadura
de Obiang não havia entendido que se tratava de um toma-lá-dá-cá. “Acho
que deve haver um mal entendido. Estamos trabalhando para dividir o
custo do carnaval com as empresas brasileiras que atuam na Guiné. Este é
o status do processo. Vamos tentar socializar a conta, gastar pouco e
ficar bem na foto. É bom esclarecer por que estamos viabilizando o
carnaval dele. Para que Teodoro faça o melhor carnaval da história do
Ilê”, relata Uzeda.
Segundo o teor das mensagens, o ex-presidente Lula “entrou em campo”
para solucionar o impasse. Os relatos evidenciam que Lula era tão amigo
do ditador a ponto de ser o único a acolher o filho-enxaqueca de Obiang,
Teodorín, envolvido em diversas denúncias de lavagem de dinheiro mundo
afora. “Falei com o Brahma. Contou-me que quem esteve aqui com ele foi o
presidente da Guiné Equatorial, pedindo-lhe apoio sobre o problema do
filho. Falou também que está indo com a Camargo (Corrêa) para Moçambique
x hidrelétrica x África do Sul”, relata Pinheiro, em uma mensagem
datada de outubro. Brahma era o apelido do ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, segundo a PF. O assunto voltou à tona no mês seguinte em
outra mensagem do então presidente da OAS: “Deixa acabar as eleições
para marcarmos. Ele me falou que o nosso amigo da Guiné veio só para
pedir apoio ao filho. Me disse que foi um apelo de pai e que ninguém o
atende. Somente o nosso Brahma lhe deu acolhida e entrou em campo para
ajudá-lo”. O Carnaval do Ilê Aiyê ocorreu e teve a Guinê como
homenageada. Se a OAS pagou a conta sozinha, ainda é um mistério.
A relação estreita entre Lula e o ditador não é novidade. Em uma visita
oficial em 2010, o ex-presidente assinou cinco acordos de cooperação com
Teodoro. Não à toa. Apesar de o chefe africano ser acusado de
perseguição a opositores e corrupção, o país é o terceiro maior produtor
de petróleo do continente africano. Lula chegou, inclusive, a defender
que o país fosse incorporado a Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa (CPLP) — a terceira língua oficial da Guiné Equatorial é o
português, depois do francês e do espanhol.
O patrocínio à Beija Flor foi estimado em 10 milhões de reais. A
generosa soma remetida à escola de samba originou críticas no Brasil,
sobretudo porque grande parte da população da Guiné Equatorial vive na
extrema miséria e sofre com a fome e a repressão. As construtoras, no
entanto, negaram a informação de que financiaram o desfile da campeã de
2015.
A proximidade entre o governo da Guiné e a OAS evoluiu a tal ponto que o
presidente da empreiteira chegou a salvar o filho do ditador da
extradição. Em fevereiro de 2013, Teodorín aproveitava o carnaval no
Rio, quando o governo francês pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF)
sua extradição, por acusações de corrupção e lavagem de dinheiro. Na
ocasião, 17 carros de luxo de propriedade de Teodorín foram apreendidos
no país europeu. No entanto, ele saiu do Brasil antes que o Supremo
julgasse o pedido feito pela França. Pelas mensagens interceptadas na
Operação Lava Jato, fica claro de quem veio a ‘mãozinha’: “Nós avisamos a
Teodorín na quarta-feira e ele deixou o Brasil. Como a França pediu ao
governo brasileiro a extradição dele, havia o risco de ele ficar
impedido de deixar o Brasil. Isto é mal para os negócios brasileiros lá.
Vamos ver como fica a viagem de Dilma”, diz Pinheiro.
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