domingo, 16 de setembro de 2018

Polícia Federal apreende 16 milhões de dólares de filho do ditador africano Teodoro Obiang Nguema Mbasogo


Conhecido no Brasil por promover festas extravagantes e até por patrocinar uma escola de samba no carnaval carioca e um bloco de Salvador, o “vice-presidente” da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Mangue, o Teodorín, caiu nas garras da Receita e da Polícia Federal.
O “vice-presidente” da Guiné Equatorial veio ao Brasil em missão não oficial com malas que continham dinheiro e relógios de luxo.


Vice-presidente da Guiné Equatorial,
Teodoro Nguema Obiang Mangue, em discurso na ONU


Fiscais da Polícia Federal e da Receita Federal que trabalham no Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas, fizeram uma das maiores apreensões da história recente das duas corporações na sexta-feira (14.set.2018), em uma fiscalização de rotina de um voo oriundo de Guiné Equatorial. A bordo estava o vice-presidente do país africano, Teodoro Nguema Obiang Mangue, o Teodorín, acompanhado de uma comitiva com outras dez pessoas. Eles carregavam malas contendo 1,5 milhão de dólares em dinheiro vivo e duas dezenas de relógios de luxo cravejados de pedras, avaliados em 15 milhões de dólares (entre eles um modelo avaliado em 3,5 milhões de dólares). Tanto as notas como os relógios não haviam sido declarados na entrada da comitiva, que não está em missão diplomática.
O vice-presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Mangue, e as demais pessoas foram liberados e estão hospedados em São Paulo.



Mala de dinheiro do vice-presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Mangue,
que foi apreendida pela Polícia Federal em Viracopos


O caso está sendo tratado com sigilo pelas autoridades. Segundo o primeiro-secretário da Embaixada da Guiné Equatorial no Brasil, Lemenio Akuben, o político africano teria explicado que veio ao Brasil para fazer um tratamento médico e que, em seguida, iria para uma missão diplomática em Singapura. Lá o dinheiro seria utilizado pela comitiva. Já os relógios de luxo apreendidos fariam parte da coleção particular de Obiang Mangue.
Obiang Mangue é filho do presidente e ditador de Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, que é o político há mas tempo no poder em toda a África — ele comanda o país desde 1979. O país da costa oeste da África possui uma das maiores reservas de petróleo do continente, mas, ao mesmo, é uma das economias mais pobres do mundo. Os indicadores sociais estão igualmente entre os de pior qualidade no planeta.
A família do ditador, por sua vez, é conhecida pela ostentação material, com dezenas de carros de luxo e mansões adquiridas em países ricos. A sua fortuna já foi estimada em centenas de milhões de dólares.



Automóveis de luxo de Teodorin Obiang apreendidos em Genebra


Segundo relato do governo brasileiro, o avião de Teodorín aterrissou em Campinas por volta de 9h45min de sexta-feira (14.set.2018). Por causa das prerrogativas do cargo, o vice-presidente não foi submetido a vistoria. No entanto, sua equipe foi fiscalizada, o que levou à apreensão dos bens.
Pelas normas da Receita, só é permitido entrar com até R$ 10 mil em espécie no País. E, ainda assim, se a origem do dinheiro não for justificada, ele pode ser apreendido. No caso dos relógios e joias, a quantidade levantou suspeitas de que pudessem ser destinados à comercialização. Nesse caso, não poderiam ingressar como bagagem.
A apreensão foi confirmada pelo primeiro-secretário da Embaixada da Guiné Equatorial no Brasil, Lemenio Akuben. Ele estava com Teodorín no momento da apreensão. Segundo relatou, o vice-presidente foi recepcionado normalmente mas, em um momento posterior, a delegação foi “praticamente agredida”, com ordem para retornar com as malas para que elas fossem inspecionadas.
Teodorín foi liberado e ficou aguardando no carro, do lado de fora do aeroporto. Enquanto isso, a delegação tentou argumentar que, com base na Convenção de Viena, bagagens pessoais de dignitários estrangeiros não devem passar por vistoria. Segundo Akuben, o Itamaraty foi acionado e enviou uma mensagem ao aeroporto alertando para isso. Fontes diplomáticas desmentem essa versão.
Só no final da tarde, os fiscais liberaram R$ 10 mil. E forneceram recibos das joias e relógios  apreendidos. O vice-presidente seguiu de helicóptero até a capital paulista. No entanto, Akuben e mais um integrante da delegação foram retidos no aeroporto e interrogados pela Polícia Federal até a madrugada.
Houve questionamento sobre a presença de drogas na aeronave. “Mas o vice-presidente não usa drogas”, disse Akuben. “São informações falsas que o Ocidente fala.” As fontes brasileiras não mencionaram drogas entre os itens apreendidos.
Segundo o primeiro-secretário, o vice-presidente trouxe essa quantia de dinheiro para pagar um tratamento médico em São Paulo e para custear sua hospedagem em um hotel de luxo, num nível condizente com o cargo. “Dez mil reais não dá para pagar nem um minuto de hotel”, disse o diplomata. “Se não tivéssemos uma relação de bons clientes, estaríamos na rua.”
O dinheiro também deveria custear uma viagem a trabalho a Cingapura, que o vice-presidente havia programado para a próxima semana. Akuben argumentou que o dinheiro não poderia ser retido pois se trata de uma verba oficial do governo da Guiné Equatorial.
Já os relógios, cerca de 20, são de uso pessoal do vice-presidente, segundo informou. “São todos usados e têm as iniciais dele gravadas”, assegurou.
Teodorín se encontra em São Paulo. A delegação da Guiné Equatorial pressiona para liberar os bens retidos pela fiscalização e ainda não sabe como ficará a programação dele de agora em diante.

Proximidade com celebridades e o carnaval — As relações de Teodorín com o Brasil são antigas e não passam despercebidas. Em junho passado, por exemplo, a cantora Ludmilla informou nas redes sociais que estava a caminho da Guiné Equatorial para se apresentar na festa de aniversário do “príncipe” do país. Também participaram a Lexa e outras celebridades do mundo pop como Akon, Sean Kingston, Ludacris e Jeezy. Em maio deste ano, ele apareceu em fotos postadas no Instagram da ex-panicat Arícia Silva numa viagem a Las Vegas (Estados Unidos).
A Guiné Equatorial patrocinou a escola de samba Beija-Flor em 2015 e foi homenageada pelo bloco baiano Ilê Aiyê em 2012. Nos últimos anos, a família tem assistido aos desfiles do carnaval carioca em camarotes de luxo da Sapucaí.



O ex-presidente Lula cumprimenta o ditador de Guiné Equatorial
Teodoro Obiang Nguema durante encontro em 2010

O ex-presidente Lula era a ponte entre empreiteiros e o ditador da Guiné Equatorial para resolver impasses enfrentados envolvendo financiamentos em troca de favores


Troca de mensagens interceptadas pela Polícia Federal entre executivos da OAS revelam as relações próximas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e algumas das maiores empreiteiras do país na obtenção de contratos de obras públicas em países da África e na América Latina. Um caso emblemático revelado na 14ª fase da Operação Lava Jato, deflagrada em 19.jun.2015, é o das negociações com o ditador da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema, que governa o país a mão de ferro há 39 anos. Trata-se do mesmo governante que financiou, ao menos em parte, o desfile da escola de samba Beija Flor, campeã do carnaval 2015 do Rio de Janeiro com enredo em homenagem ao país africano — o patrocínio, afirmou na época um representante da Guiné Equatorial, foi iniciativa de empresas brasileiras que atuam no país.
Segundo os grampos obtidos pela PF, não é difícil imaginar de onde surgiu tanta generosidade. Uma das conversas se dá entre o ex-presidente da OAS Léo Pinheiro e o ex-diretor da área internacional da companhia, César Uzeda. A mensagem, datada de 2012, indica que a empreiteira financiaria o carnaval do bloco baiano do Ilê Aiyê, cujo tema era a Guiné Equatorial, em troca de favores. Pelo tom da mensagem, a ditadura de Obiang não havia entendido que se tratava de um toma-lá-dá-cá. “Acho que deve haver um mal entendido. Estamos trabalhando para dividir o custo do carnaval com as empresas brasileiras que atuam na Guiné. Este é o status do processo. Vamos tentar socializar a conta, gastar pouco e ficar bem na foto. É bom esclarecer por que estamos viabilizando o carnaval dele. Para que Teodoro faça o melhor carnaval da história do Ilê”, relata Uzeda.
Segundo o teor das mensagens, o ex-presidente Lula “entrou em campo” para solucionar o impasse. Os relatos evidenciam que Lula era tão amigo do ditador a ponto de ser o único a acolher o filho-enxaqueca de Obiang, Teodorín, envolvido em diversas denúncias de lavagem de dinheiro mundo afora. “Falei com o Brahma. Contou-me que quem esteve aqui com ele foi o presidente da Guiné Equatorial, pedindo-lhe apoio sobre o problema do filho. Falou também que está indo com a Camargo (Corrêa) para Moçambique x hidrelétrica x África do Sul”, relata Pinheiro, em uma mensagem datada de outubro. Brahma era o apelido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, segundo a PF. O assunto voltou à tona no mês seguinte em outra mensagem do então presidente da OAS: “Deixa acabar as eleições para marcarmos. Ele me falou que o nosso amigo da Guiné veio só para pedir apoio ao filho. Me disse que foi um apelo de pai e que ninguém o atende. Somente o nosso Brahma lhe deu acolhida e entrou em campo para ajudá-lo”. O Carnaval do Ilê Aiyê ocorreu e teve a Guinê como homenageada. Se a OAS pagou a conta sozinha, ainda é um mistério.
A relação estreita entre Lula e o ditador não é novidade. Em uma visita oficial em 2010, o ex-presidente assinou cinco acordos de cooperação com Teodoro. Não à toa. Apesar de o chefe africano ser acusado de perseguição a opositores e corrupção, o país é o terceiro maior produtor de petróleo do continente africano. Lula chegou, inclusive, a defender que o país fosse incorporado a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) — a terceira língua oficial da Guiné Equatorial é o português, depois do francês e do espanhol.
O patrocínio à Beija Flor foi estimado em 10 milhões de reais. A generosa soma remetida à escola de samba originou críticas no Brasil, sobretudo porque grande parte da população da Guiné Equatorial vive na extrema miséria e sofre com a fome e a repressão. As construtoras, no entanto, negaram a informação de que financiaram o desfile da campeã de 2015.
A proximidade entre o governo da Guiné e a OAS evoluiu a tal ponto que o presidente da empreiteira chegou a salvar o filho do ditador da extradição. Em fevereiro de 2013, Teodorín aproveitava o carnaval no Rio, quando o governo francês pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) sua extradição, por acusações de corrupção e lavagem de dinheiro. Na ocasião, 17 carros de luxo de propriedade de Teodorín foram apreendidos no país europeu. No entanto, ele saiu do Brasil antes que o Supremo julgasse o pedido feito pela França. Pelas mensagens interceptadas na Operação Lava Jato, fica claro de quem veio a ‘mãozinha’: “Nós avisamos a Teodorín na quarta-feira e ele deixou o Brasil. Como a França pediu ao governo brasileiro a extradição dele, havia o risco de ele ficar impedido de deixar o Brasil. Isto é mal para os negócios brasileiros lá. Vamos ver como fica a viagem de Dilma”, diz Pinheiro.




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