O brasileiro parece estar moralmente sedado
Na sexta-feira (07.set.2018), Dia da Independência, o brasileiro estará a
um mês de mais um encontro com as urnas. E ninguém tem ideia do que
pode acontecer na corrida presidencial mais imprevisível da era
democrática. Noutros tempos, a essa altura do calendário, as pesquisas
forneciam pistas mais sólidas. Hoje, elas demoram a ajustar a bússola.
As pesquisas são feitas com rigor científico. Mas o eleitor brasileiro
nunca votou tão leigo quanto agora. Um pedaço grande do eleitorado,
irritado, cogita votar em ninguém. Há quem imagine que, a partir de
certo patamar, os votos anulados provocam nova eleição. Ilusão. Numa
democracia, grande nulidades são eleitas principalmente pelos eleitores
que não votam.
Nos próximos dias, novas pesquisas desovarão novos números na praça. Sem
Lula, o jogo ficou mais claro apenas até certo ponto. O ponto de
interrogação. É preciso encontrar não uma, mas pelo menos três
respostas:
1) O eleitor de Bolsonaro é sólido ou gasoso?2) O latifúndio eletrônico fará Alckmin levantar voo?3) O eleitor de Lula ficará no cercadinho do PT ou se dissolverá entre Haddad, Marina, Ciro e ninguém?Essas são as perguntas de R$ 1 milhão.
Jair Bolsonaro continua com um pé no segundo turno. Mas vai ganhando a
aparência de candidato favorito a fazer do seu adversário no segundo
turno o próximo presidente do Brasil. Bolsonaro lidera o ranking da
rejeição: 44% dos eleitores afirmam que não votariam nele de jeito
nenhum. Esse índice faz do capitão o adversário dos sonhos de todos os
seus rivais, uma espécie de sparring. Para desassossego de Bolsonaro,
todos os seus adversários têm índices de rejeição bem menores que os
dele. E o candidato do PSL exibe na campanha um discurso que favorece a
divisão, não a soma. É útil para solidificar o apreço dos convertidos.
Revela-se ineficiente, porém, na atração de novos adeptos.
Mantendo-se essa tendência, a campanha será marcada nas próximas semanas
por uma disputa pela única vaga à disposição no momento —a vaga de
anti-Bolsonaro.
Em tempos de crise, uma mensagem capaz de se comunicar com o bolso pode
render dividendos. Ciro Gomes, o candidato que promete tirar 63 milhões
de eleitores do SPC foi o único a ultrapassar os limites da margem de
erro de uma recente pesquisa, que é de dois pontos, subiu três.
O vínculo com Lula, outra fonte de votos na disputa de 2018, ainda não
impulsionou o desempenho de Haddad. Ele continua frequentando o
noticiário e o horário político no rádio e na TV como estepe do líder
preso. O PT planeja formalizar a troca de Lula por Haddad apenas na
próxima terça-feira (11.set.2018). Com isso, o novo poste terá escassos
26 dias para reivindicar os votos do padrinho, hoje dispersos. O egoísmo
deixa Lula em posição confortável. Se Haddad chegar ao segundo turno,
deverá o feito à divindade presidiária. Eventual infortúnio será
debitado à falta de carisma do candidato-laranja.
Geraldo Alckmin encontrou uma fórmula inusitada para resolver seu
problema de falta de votos. Como não consegue seduzir eleitores no
volume que gostaria, quer proibir a divulgação da próxima pesquisa do
Datafolha. Os advogados da coligação tucana formalizaram o pedido de
censura em petição protocolada no Tribunal Superior Eleitoral.
Há na praça dois tipos de pesquisa de opinião: as que são feitas por
encomenda dos políticos e as que são bancadas por veículos de
comunicação. Uma serve para orientar os candidatos. E Alckmin gostaria
que a outra servisse para desorientar a plateia. O pretexto para o
pedido de censura foi o fato de o Datafolha ter substituído Lula por
Haddad nos seus questionários sobre intenção de votos.
Nas palavras dos doutores a serviço de Alckmin, ''tem-se que ainda não
existe pedido de registro de candidatura à Presidência da República pela
Coligação Brasil Feliz, sendo certo, ainda, que Fernando Haddad não é
candidato ao cargo titular, visto que está registrado como candidato a
vice-presidente''.
Nas pesquisas telefônicas encomendadas pelo comitê de Alckmin, a
candidatura de Haddad não só existe como passou a ser monitorada
diariamente. Ao tentar evitar que o Datafolha leve suas informações à
vitrine, o candidato expõe seu medo.
Num intervalo de 24 horas, o passado mal-assombrado de tucanos e
petistas invadiu as campanhas de Geraldo Alckmin e de Fernando Haddad.
Contra o presidenciável do PSDB, o Ministério Público de São Paulo
ajuizou na quarta-feira (05.set.2018) uma ação de improbidade escorada
em delações da Odebrecht. Contra o estepe de Lula, os promotores
protocolaram na véspera uma denúncia criminal amparada em deduragem de
Ricardo Pessoa, dono da UTC.
Alckmin e Haddad representam interesses políticos diferentes. Mas
tornam-se seres indistinguíveis quando analisados apenas a partir das
reações às encrencas judiciais. Jogados dentro do tanque de lama, os
dois deslocam suas massas na mistura viscosa e esperneiam da mesma
maneira que outros encrencados. Atribuem o mau jeito à perseguição
política ou a tentativas espúrias de interferir na disputa eleitoral.
Alckmin é acusado de receber R$ 9,9 milhões do departamento de propinas
da Odebrecht para sua campanha de 2014. Haddad é acusado de morder R$
2,6 milhões da UTC em 2013, para tapar um buraco de sua campanha para
prefeito. Não há nenhuma sentença. Mas, em condições normais, os dados
seriam levados em conta no julgamento dos eleitores. O problema é que a
sujeira generalizou-se de tal maneira que o brasileiro parece estar
moralmente sedado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário