No caminho do retrocesso — frete rodoviário impõe
custos bilionários ao setor produtivo
custos bilionários ao setor produtivo
Nos últimos dias, os brasileiros foram surpreendidos com mensagens no
celular que alertavam para uma suposta nova greve dos caminhoneiros,
motivada pelo reajuste de 13% no preço do diesel no fim de agosto.
Lideranças e associações de caminhoneiros desmentiram a paralisação, mas
o estrago já estava feito. Motoristas correram aos postos de
combustíveis para abastecer seus carros e evitar a repetição do caos de
maio. A reação intempestiva, porém, não se restringiu à população
carente de informações. O governo enfraquecido de Michel Temer agiu com
rara agilidade e pôs em prática a indexação do frete rodoviário à
variação do preço do diesel: o reajuste médio do transporte ficou em 3%,
mas, em alguns casos, a alta chegou a 6,2%.
Desespero — filas de carros em posto no Recife: medo de nova greve |
O aumento ratifica a capitulação do governo às pressões dos
caminhoneiros que bloquearam as rodovias. O tabelamento do frete, que
contraria as regras mais elementares de oferta e demanda para a
definição de preços, foi uma das reivindicações da categoria para
encerrar a greve de maio. Passados três meses desde que a medida entrou
em vigor, os efeitos negativos sobre o setor produtivo se mostram mais
profundos que o esperado. A tabela fixa preços irrealistas, com valores
que chegam a superar o dobro do que era praticado antes da greve.
Um dos setores mais impactados é o agronegócio. O custo do transporte
rodoviário de grãos de Sorriso, em Mato Grosso, até o Porto de Santos
ficou 57% mais caro com a adoção da tabela e o reajuste, segundo
cálculos da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). E
isso quando o caminhão volta carregado do porto, uma vez que a lei fixa
valores a ser pagos ao motorista ou à transportadora na viagem de
retorno mesmo quando o veículo está sem carga. Nessa última situação, a
alta do frete chega a 204%. O tabelamento está atrasando o plantio de
soja da safra 2018/2019, que já deveria ter começado.
Tradicionalmente, produtores acertam a venda antecipada da colheita às
tradings, que são empresas especializadas na comercialização e no
processamento dos grãos. O preço segue contratos futuros negociados em
mercados internacionais. Mas a indefinição sobre os gastos com frete,
que representam cerca de 30% do preço de comercialização da soja e até
60% no caso do milho, fez com que as tradings suspendessem o transporte
pendente da safra passada e adiassem as compras antecipadas. A
negociação antecipada dos grãos permite aos produtores comprar os
insumos necessários para o plantio, tais como fertilizantes e
defensivos. Sem esses recursos, a lavoura fica comprometida. “O produtor
não tem condições de bancar por conta própria a compra dos insumos. O
atraso deixa a soja exposta a pragas e vai derrubar a produtividade da
safra”, afirma Bartolomeu Braz, presidente da Associação Brasileira dos
Produtores de Soja (Aprosoja).
Efeito adverso — movimento na Via Dutra: com o tabelamento, empresas estão criando as próprias frotas |
A fixação do preço do frete também prejudica as perspectivas de
recuperação da economia. A expansão do PIB desacelerou-se: foi de 1,2%
para 1,1%, na passagem do primeiro para o segundo trimestre. A indústria
sentiu o baque da greve dos caminhoneiros, que impediu o transporte de
insumos e mercadorias, e encolheu 0,6% no período, interrompendo uma
sequência de crescimento de três trimestres. A previsão para o aumento
do PIB neste ano recuou de 2,7%, antes da greve, para 1,4%, agora. “A
greve e a reação do governo, que revelou o tamanho de sua fragilidade ao
ceder às pressões, alteraram profundamente o ânimo de empresários e
consumidores”, afirma Claudio Frischtak, da consultoria InterB. Segundo
ele, o governo atual mostrou que não tem mais condições de reverter a
perda de confiança na economia, algo indispensável para a retomada dos
investimentos. O retrocesso representado pelo tabelamento tem levado
empresas a assumir, de forma parcial, o transporte de seus produtos. É o
caso da JBS, que acaba de comprar 360 caminhões para ampliar sua frota.
Trata-se de um efeito colateral que acaba prejudicando os próprios
caminhoneiros e as transportadoras que haviam exigido a medida do
governo. “É um tiro no pé da categoria, porque vai reduzir o tamanho do
mercado de transporte rodoviário à medida que as empresas deixem de
terceirizar o serviço”, diz Frischtak.
O quadro de insegurança jurídica que prejudica o planejamento do
agronegócio e da indústria poderia ser solucionado pelo Supremo Tribunal
Federal. Existem ao menos três ações para que a corte julgue se o
tabelamento fere a Constituição, mas não há data para avaliar o tema. O
setor privado questiona também a forma como a agência reguladora do
governo define os preços e os reajustes. “Há muitas ilegalidades, e isso
cria um cenário de incertezas”, diz André Nassar, presidente da
Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais. É o pior cenário
possível para quem deseja produzir.
Nenhum comentário:
Postar um comentário