domingo, 9 de setembro de 2018

No caminho do retrocesso — frete rodoviário impõe
custos bilionários ao setor produtivo



Nos últimos dias, os brasileiros foram surpreendidos com mensagens no celular que alertavam para uma suposta nova greve dos caminhoneiros, motivada pelo reajuste de 13% no preço do diesel no fim de agosto. Lideranças e associações de caminhoneiros desmentiram a paralisação, mas o estrago já estava feito. Motoristas correram aos postos de combustíveis para abastecer seus carros e evitar a repetição do caos de maio. A reação intempestiva, porém, não se restringiu à população carente de informações. O governo enfraquecido de Michel Temer agiu com rara agilidade e pôs em prática a indexação do frete rodoviário à variação do preço do diesel: o reajuste médio do transporte ficou em 3%, mas, em alguns casos, a alta chegou a 6,2%.



Desespero — filas de carros em posto no Recife: medo de nova greve


O aumento ratifica a capitulação do governo às pressões dos caminhoneiros que bloquearam as rodovias. O tabelamento do frete, que contraria as regras mais elementares de oferta e demanda para a definição de preços, foi uma das reivindicações da categoria para encerrar a greve de maio. Passados três meses desde que a medida entrou em vigor, os efeitos negativos sobre o setor produtivo se mostram mais profundos que o esperado. A tabela fixa preços irrealistas, com valores que chegam a superar o dobro do que era praticado antes da greve.
Um dos setores mais impactados é o agronegócio. O custo do transporte rodoviário de grãos de Sorriso, em Mato Grosso, até o Porto de Santos ficou 57% mais caro com a adoção da tabela e o reajuste, segundo cálculos da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). E isso quando o caminhão volta carregado do porto, uma vez que a lei fixa valores a ser pagos ao motorista ou à transportadora na viagem de retorno mesmo quando o veículo está sem carga. Nessa última situação, a alta do frete chega a 204%. O tabelamento está atrasando o plantio de soja da safra 2018/2019, que já deveria ter começado.
Tradicionalmente, produtores acertam a venda antecipada da colheita às tradings, que são empresas especializadas na comercialização e no processamento dos grãos. O preço segue contratos futuros negociados em mercados internacionais. Mas a indefinição sobre os gastos com frete, que representam cerca de 30% do preço de comercialização da soja e até 60% no caso do milho, fez com que as tradings suspendessem o transporte pendente da safra passada e adiassem as compras antecipadas. A negociação antecipada dos grãos permite aos produtores comprar os insumos necessários para o plantio, tais como fertilizantes e defensivos. Sem esses recursos, a lavoura fica comprometida. “O produtor não tem condições de bancar por conta própria a compra dos insumos. O atraso deixa a soja exposta a pragas e vai derrubar a produtividade da safra”, afirma Bartolomeu Braz, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja).



Efeito adverso — movimento na Via Dutra: com o tabelamento,
empresas estão criando as próprias frotas


A fixação do preço do frete também prejudica as perspectivas de recuperação da economia. A expansão do PIB desacelerou-se: foi de 1,2% para 1,1%, na passagem do primeiro para o segundo trimestre. A indústria sentiu o baque da greve dos caminhoneiros, que impediu o transporte de insumos e mercadorias, e encolheu 0,6% no período, interrompendo uma sequência de crescimento de três trimestres. A previsão para o aumento do PIB neste ano recuou de 2,7%, antes da greve, para 1,4%, agora. “A greve e a reação do governo, que revelou o tamanho de sua fragilidade ao ceder às pressões, alteraram profundamente o ânimo de empresários e consumidores”, afirma Claudio Frischtak, da consultoria InterB. Segundo ele, o governo atual mostrou que não tem mais condições de reverter a perda de confiança na economia, algo indispensável para a retomada dos investimentos. O retrocesso representado pelo tabelamento tem levado empresas a assumir, de forma parcial, o transporte de seus produtos. É o caso da JBS, que acaba de comprar 360 caminhões para ampliar sua frota. Trata-se de um efeito colateral que acaba prejudicando os próprios caminhoneiros e as transportadoras que haviam exigido a medida do governo. “É um tiro no pé da categoria, porque vai reduzir o tamanho do mercado de transporte rodoviário à medida que as empresas deixem de terceirizar o serviço”, diz Frischtak.






O quadro de insegurança jurídica que prejudica o planejamento do agronegócio e da indústria poderia ser solucionado pelo Supremo Tribunal Federal. Existem ao menos três ações para que a corte julgue se o tabelamento fere a Constituição, mas não há data para avaliar o tema. O setor privado questiona também a forma como a agência reguladora do governo define os preços e os reajustes. “Há muitas ilegalidades, e isso cria um cenário de incertezas”, diz André Nassar, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais. É o pior cenário possível para quem deseja produzir.




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