domingo, 4 de fevereiro de 2018



Súmula 691 — editada em 2003 — estabelece que
a Suprema Corte não pode analisar recurso
ainda pendente de julgamento em outro tribunal superior






Em nova tentativa de evitar a prisão do seu cliente, os advogados de Lula protocolaram um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (STF). Nele, pedem que o ex-presidente petista possa recorrer em liberdade contra a condenação a 12 anos e 1 mês de cadeia por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O mesmo pedido já havia sido feito ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que negou a concessão de liminar, sem julgar o mérito. Uma súmula editada em 2003 estabelece que a Suprema Corte não pode analisar recursos como o de Lula, ainda pendentes de julgamento em outro tribunal superior. Em casos assim, diz a súmula, o pedido deve ser indeferido.
Chama-se de súmula o documento que anota uma determinada interpretação — unânime ou majoritária — que acaba se tornando pacífica no Supremo a partir do julgamento de sucessivos casos análogos. Uma súmula tem dois objetivos. O primeiro é o de tornar pública uma nova jurisprudência. O segundo é o de harmonizar a atuação da Suprema Corte, dando uniformidade às decisões dos seus 11 ministros.
A súmula que se aplica ao caso de Lula leva o número 691. Foi aprovada pelo plenário do Supremo em 24 de setembro de 2003. Está disponível no site da Corte (veja aqui). Anota o seguinte: “Não compete ao STF conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar.”
Um ministro do Supremo traduziu a súmula para o português das ruas: “Nos casos em que há apenas pronunciamento liminar [provisório] de outro tribunal superior, sem decisão definitiva, o Supremo não pode admitir a concessão de habeas corpus. Em verdade, o Supremo não deve nem analisar o mérito do pedido, a menos que se trate de uma situação que nós chamamos de teratológica, bem absurda.”
A teratologia é uma especialidade médica. Cuida das chamadas monstruosidades e malformações orgânicas do corpo humano. Na metáfora dos advogados, uma decisão é chamada de teratológica quando, sob a ótica do Direito, ela é tão monstruosa que a necessidade de revisão revela-se incontroversa. “Isso é raro”, disse o ministro, acrescentando que: “Não parece ser o caso do processo que envolve o ex-presidente Lula.”
Lula foi condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, sediado em Porto Alegre. Por um placar de 3 a 0, os desembargadores da 8ª Turma do TRF-4 confirmaram sentença de Sergio Moro, juiz da Lava Jato, no caso do tríplex do Guarujá. Elevaram a pena de 9 anos e 6 meses para 12 anos e 1 mês de cadeia. Lula ainda tem direito a um recurso neste tribunal. No jargão técnico, chama-se “embargo de declaração.” Serve para requerer esclarecimentos sobre pontos eventualmente obscuros da sentença. Mas não altera o veredicto.
Os três desembargadores que julgaram Lula deixaram claro que a execução da sentença se dará depois que for encerrada a fase de análise do recurso do condenado no próprio TRF-4. Ou seja, sem prejuízo dos pedidos que sua defesa encaminhará aos tribunais superiores de Brasília, Lula pode ser preso no complexo-médico penal de Pinhais, o presídio paranaense que abriga os condenados da Lava Jato. Daí o corre-corre dos advogados.
O Supremo se divide em dois colegiados, cada um com cinco ministros. Na Primeira Turma, respeita-se a súmula 691, que veda a concessão de habeas corpus nos casos ainda não julgados definitivamente pelo STJ. Ali, excetuando-se o ministro Marco Aurélio Mello, os outros quatro — Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Rosa Weber e até Alexandre de Moraes — costumam mandar para o arquivo recursos como o que foi protocolado pelos advogados de Lula, ainda sem decisão definitiva do STJ.
Entretanto, o pedido de Lula pousou sobre a mesa do ministro Edson Fachin. Relator da Lava Jato, ele integra a Segunda Turma do Supremo. Ali, a súmula 691 só vale até certo ponto. O ponto de interrogação. A exemplo da maioria dos seus colegas da Primeira Turma, Fachin leva a sério a súmula 691. Mas ele se tornou minoritário em sua turma, pois os outros membros do colegiado — Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e, por vezes, até o decano Celso de Mello — são mais concessivos ao julgar pedidos de habeas corpus.
Tomado pelo histórico de suas decisões, Fachin deve indeferir o habeas corpus de Lula. Os advogados podem solicitar que a decisão seja submetida à Segunda Turma. Sabendo-se em minoria, o relator da Lava Jato deve jogar o julgamento para o plenário do Supremo. Fachin já fez isso num caso bem menos rumoroso, envolvendo o ex-ministro petista Antonio Palocci. Adeptos da política de celas abertas, seus colegas de turma chiaram. Mas o regimento interno do Supremo autoriza o relator a aumentar o número de cabeças responsáveis pela sentença.
No caso de Lula, não será difícil para Fachin argumentar que um recurso que tem como pano de fundo a prisão de um ex-presidente da República é tão relevante que não pode ser analisado senão pelo plenário do Supremo. No início da semana, num jantar com empresários e jornalistas, Cármen Lúcia, a presidente da Suprema Corte, disse que o tribunal vai se “apequenar” se usar a condenação de Lula para alterar a regra que autoriza a prisão de condenados em primeira e segunda instância.
O pedido de habeas corpus de Lula oferece ao Supremo uma oportunidade para informar ao país de que matéria prima é feito. Justiça ou compadrio? Eis as opções. Para livrar Lula antecipadamente da cadeia, o Supremo terá de transgredir um princípio processual básico: o postulado da hierarquia do grau de jurisdição. Além de atropelar o STJ, mandará em definitivo à lata de lixo a súmula 691, uma jurisprudência de 15 anos. Nessa hipótese, não podendo elevar a própria estatura, a banda apequenada do pretório excelso rebaixará o pé-direito do plenário.




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