quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018



Carnavalização!!!



Beija-Flor — alegoria trouxe policiais militares baleados e cidadãos revoltados com a violência


As mazelas do Brasil frequentaram o enredo de várias escolas de samba. Mas uma delas foi mais contundente. A Beija-Flor expôs na Marques de Sapucaí, no Rio, o flagelo da corrupção e suas consequências sociais. O desfile foi apoteótico. Mas faltou à Beija-Flor uma ala sobre o patrono da escola, o contraventor Anísio Abraão David.
Anísio, como é chamado, carrega no prontuário uma sentença de primeira instância: 48 anos de cadeia por corrupção ativa, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e contrabando. Está livre graças ao Supremo Tribunal Federal.
Anísio Abrão integra o baronato do jogo do bicho, que dá as cartas nas escolas de samba há pelo menos cinco décadas. Esse pessoal conquistou fortuna, poder e prestígio social. Jornalistas, comentaristas e estrelas do mundo das artes enalteceram na transmissão televisiva o arrojo da Beija-Flor. Mas ninguém se lembrou de mencionar o rastro pegajoso do patrono da escola.
Junto com outros barões do jogo, Anísio foi engolfado por uma operação chamada Furacão, que desbaratou um esquema de compra de policiais e juízes, para liberar máquinas de caça-níqueis apreendidas pela Receita. Em 2012, a quadrilha foi condenada em primeira instância. Em 2016, às vésperas do julgamento na segunda instância, que deveria levar os criminosos à cadeia, o processo foi suspenso pelo ministro Marco Aurélio Melo, do Supremo. Em liberdade, o condenado Anísio aprovou o enredo anticorrupção da Beija-Flor. Uma evidência de que, no Brasil, a hipocrisia também é uma forma de patriotismo.



Beija-Flor — estudantes dentro de caixões representavam a morte da esperança dentro do enredo


FUGA DA FOLIA — Bispo licenciado da igreja Universal, o prefeito do Rio de Janeiro Marcelo Crivella tornou-se protagonista de um paradoxo. Avesso ao Carnaval, ele governa a cidade conhecida mundialmente como templo da festa profana. Na campanha, prometeu não bulir no pedaço do orçamento da prefeitura destinado às escolas de samba. Em 2018, passou na lâmina metade da verba. Transformado em enredo da Estação Primeira de Mangueira — “Com dinheiro ou sem, eu brinco o Carnaval” — Crivella refugiou-se na Europa. Veiculou no Facebook um vídeo gravado na Alemanha. Nele, diz estar cuidando da segurança do Rio.



Da Alemanha, Crivella e sua comitiva seguirão para a Áustria e a Suécia


“Estamos trabalhando muito, pegando muita informação para saber o que é mais moderno em termos de vigilância, em termos de VANT [veículo aéreo não tripulado], em termos de drone, em termos de informação via satélite, enfim, o que a gente puder para melhorar a questão da segurança no Rio de Janeiro”, disse o prefeito carioca Marcelo Crivella no vídeo.
A desculpa de Crivella torna-se alegórica quando se recorda que a Constituição atribui a responsabilidade pela segurança pública ao Estado, não ao município. Sobre isso, o prefeito disse coisas definitivas sem definir muito bem as coisas:
“As pessoas dizem assim: segurança é uma questão do Estado. É sim. Mas olha, do jeito que o Rio está, precisa de ajuda de todo mundo: governo federal, governo municipal, governo estadual, Força Nacional de Segurança, Polícia Rodoviária Federal. Nós todos temos que estar unidos porque a violência é inaceitável.”
Da Alemanha, Crivella e sua comitiva seguirão para a Áustria e a Suécia. São negligenciáveis as chances de a excursão resultar em algo produtivo para o combate à criminalidade no Rio de Janeiro. Assim, o custeio de viagens organizadas para camuflar a aversão do bispo-prefeito ao Carnaval entra na crônica do desperdício nacional como mais uma modalidade do costume de jogar dinheiro público pela janela.



O prefeito carioca Marcelo Crivella é transformado em Judas no desfile da Mangueira,
sobre as palavras: “Prefeito, pecado é não brincar o Carnaval!”



ESCOLA DE SAMBA UNIDOS DA BARBÁRIE — Se é verdade que o Brasil tornou-se um país em degradação, o Rio de Janeiro é o cartão-postal da decomposição. A ex-Cidade Maravilhosa passou da pós-modernidade para a fase pós-falimentar sem o estágio intermediário de pelo menos algo para chamar de bons tempos. Neste Carnaval de 2018, o carioca compartilha com os turistas a sensação de estar no epicentro do insolúvel.
A escola de samba que mais brilha na cidade é a Unidos da Barbárie. Ninguém sabe com precisão quando começou a desfilar. Mas todos têm consciência de que sua evolução ainda vai durar muitos carnavais.
O surto de arrastões, assaltos e mortes não é propriamente uma novidade. Mas há algo de original no Carnaval do pânico: a classe média de Copacabana e a burguesia de Ipanema e do Leblon, que já não contavam com a proteção do Estado esculhambado, foram abandonadas também pelo crime organizado.
Noutros tempos, o Comando Vermelho e seus congêneres tinham o hábito de conter a bandidagem durante os períodos festivos. Faziam isso não por boniteza, mas porque a violência prejudicava os negócios da indústria da droga, a mais próspera do Rio de Janeiro. Com a ruína econômica do Estado, pivetes e bandidos pés-rapados fugiram ao controle.
Sem o auxílio dos traficantes, as supostas autoridades incumbidas de prover proteção limitam-se a transferir a responsabilidade para as potenciais vítimas. Porta-voz da Polícia Militar do Rio, o major Ivan Blaz orientou os foliões a “não ostentar joias, nem ficar com celular fazendo selfie no meio da multidão”.
“São recomendações que são repassadas pelas autoridades de segurança no mundo todo”, prosseguiu o major. “Em Paris ou Nova York, você vai receber as mesmas recomendações da força policial. É uma realidade cruel. Pedir que a pessoa não faça selfie, que não registre aquele momento de festividade, é lamentável. Mas infelizmente é uma realidade que vivemos.”
Quer dizer: considerando-se que a violência é um dado imutável da realidade, os órgãos de segurança do Rio, para cumprir adequadamente suas atribuições, precisam trocar de clientela. Essas pessoas que brincam o Carnaval na cidade são de péssima qualidade. Poder-se-ia imaginar que a solução passaria pela importação de foliões mais, digamos, nova-iorquinos ou parisienses. Mas a bandidagem brasileira não costuma exigir dos assaltados a apresentação do passaporte.
Nesse contexto, resta enaltecer a escola de samba do mal. Merece dez, nota dez. Por duas razões:
1) Escancarou a miséria administrativa resultante de décadas de populismos — do chaguismo ao cinismo corrupto de Sergio Cabral, este carioca de algema.
2) Consolidou a noção de que o Rio de Janeiro é o lugar ideal para fazer algo inteiramente novo. Caos não falta.



Beija-Flor — a violência representada, com cenas de assaltos e vítimas de balas perdidas


Beija-Flor —  alegoria trazia a representação de uma comunidade carente e traficantes



O SOCORRO HUMANITÁRIO — A crise humanitária provocada pelo êxodo venezuelano levou o governo federal a fazer por pressão o que deixou de realizar por precaução. A visita de Michel Temer a Boa Vista, na segunda-feira (12.fev.2018), ocorre num instante em que já há cerca de 40 mil venezuelanos na capital de Roraima. O Estado pediu socorro. E a ficha de Brasília, finalmente, caiu. Na expressão do ministro da Defesa, Raul Jungmann, o governo decidiu “abraçar o problema”.
Durante mais de uma década, o governo brasileiro bateu palmas para a insensatez bolivariana de Caracas. A economia da Venezuela derreteu. E os venezuelanos escorrem para os lados como se fossem detritos.
O ministro Raul Jungmann, que acompanhou Temer, já havia visitado Boa Vista na semana passada. Ele foi às ruas, onde “mora” boa parte dos refugiados. Perguntou a uma jovem venezuelana: Por que veio? E ela: “Vim por que não conseguia na Venezuela comida, remédios e emprego.” Simples assim.
A engrenagem do governo foi mobilizada para atingir três objetivos: o primeiro é fortalecer a presença federal na fronteira. Não para fechar as portas, mas para colocar ordem na chegada. O segundo objetivo é fazer um censo dos venezuelanos. Estima-se que 30% deles têm formação superior. A terceira meta é distribuir os refugiados entre os Estados, tentando aproximá-los de oportunidades de trabalho. Não se trata de uma opção, mas de um imperativo humanitário. E o pesadelo tende a aumentar, pois a insensatez continua dando as cartas no governo autocrático da Venezuela. Por ora, a única coisa que diminuiu foi o som dos aplausos que vinham do Brasil.




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