Professores não são preparados para ensinar
Na faculdade, futuro professor gasta maior parte do tempo com "fundamentos teóricos".
Um professor com poucas oportunidades de aprender a dar aula é como um médico que não sabe tratar do paciente ou um advogado que não conhece os caminhos para defender o réu. Mas o que parece tão contraditório é uma realidade no caso dos educadores. O problema é comprovado por pesquisas, práticas e maus resultados.
Em todas as etapas de formação, os docentes enfrentam restrições ao aprendizado do próprio ofício. A universidade reserva a menor parcela do curso a lições de como ensinar, a bibliografia sobre o assunto é desproporcional à demanda e o tempo de aprendizado dentro da escola – apesar de previsto em lei – é desviado para assuntos burocráticos.
Para piorar, o modelo pelo qual os próprios professores aprenderam e que muitos replicam há décadas empaca diante de uma geração moldada pela facilidade e rapidez de resposta da internet.
“A sociedade não precisa mais de alguém que traga a informação. Isso o computador pode fazer. No entanto, a sociedade precisa cada vez mais de um mestre que ensine a pensar, a resolver problemas, a produzir conhecimento. Só que dificilmente o educador sabe como fazer isso” (Bernard Charlot, professor emérito em Educação na Universidade de Paris 8).
Os problemas de formação são potencializados pela tecnologia a que os alunos têm acesso, mas continuam sendo os mesmos. “A questão não é se o professor sabe promover o aprendizado naquele ambiente, mas se ele tem repertório para ensinar em vez de reproduzir informação” (Bernard Charlot).
Pesquisas mostram que o problema começa enquanto o futuro mestre ainda é o aluno. A Fundação Carlos Chagas analisou detalhadamente os currículos de 94 faculdades de Letras, Matemática e Ciências Biológicas em todas as regiões do País por dois anos e concluiu que o “como ensinar” está longe de ser o foco dos cursos.
O currículo dos cursos de professor
Veja como é dividido o tempo das licenciaturas nas faculdades (em porcentagem)
Em Letras, apenas 5,7% das aulas focavam em “didáticas, métodos e práticas de ensino”, em Matemática, 8% e, em Biológicas, 10%. Todo o restante do curso forma especialistas em cada área, explica o sistema educacional, expõe fundamentos teóricos ou mesmo apresenta “outros saberes”. A introdução de temas tecnológicos apareceu em apenas 0,2% dos currículos.
Os dados da pesquisa, publicada em 2008, até agora não geraram mudanças sistemáticas. Dentro de limites genéricos como “fundamentos teóricos” e “conhecimentos específicos”, as universidades têm autonomia sobre os conteúdos dos cursos e, como simples orientador, os governos que tomam iniciativas têm resultado tímido na mudança dos currículos de faculdades para professores.
A dificuldade na formação é a base da crise educacional que o País enfrenta. O profissional é, ao mesmo tempo, vítima e reprodutor do problema.
O Ministério da Educação encontrou um problema ainda anterior aos currículos das faculdades: a falta de livros sobre didática. Um edital para compra de material aberto de 2008 a 2011 resultou em apenas 100 obras aprovadas, segundo o então ministro da Educação, Fernando Haddad. “Mundo afora, você vai ver que chega a centenas de milhares de títulos. No Brasil, se uma pessoa iluminada quiser fazer mudanças num curso de licenciatura, vai ter de forjar o próprio material”, comentou às vésperas de deixar o cargo.
Na época, ele dizia que a colaboração do governo federal seria montar uma prova para professor que seria baseada em didática e acabaria incentivando a mudança nos cursos. "Hoje, 70% dos concursos públicos para admitir educadores são feito de questões jurídicas. Está mais para teste da OAB do que docência", comentava. Até o momento, no entanto, não há anúncio oficial da avaliação anunciada há três anos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário