Reservatórios têm nível próximo
ao do racionamento de 2001
ONS prevê que, no fim de outubro,
patamar do subsistema Sudeste chegue a 19,9%; em 2001,
'recorde' foi de 21,3%
Volume morto do Sistema Cantareira, que tem abastecido 6,5 milhões
de pessoas na Grande São Paulo, chegou neste domingo, 12.out.2014, a 4,8% da capacidade |
A mais recente projeção do Operador Nacional do Sistema Elétrico
(ONS) para o volume de chuvas neste mês sugere que o nível dos
reservatórios no subsistema Sudeste/Centro-Oeste, o mais importante
do País, estará ainda mais baixo do que aquele registrado em 2001,
ano do racionamento.
Em outubro daquele ano, já em meio à restrição da oferta de energia,
os reservatórios chegaram ao fim do mês com 21,3% da capacidade, de
acordo com levantamento elaborado pela Comerc Energia. Agora, o ONS
revelou que os reservatórios da região podem atingir 19,9% da
capacidade no dia 31 de outubro.
O número é divulgado semanalmente pelo ONS, portanto, pode passar
por revisões até o fim do mês. De acordo com o levantamento da
Comerc, desde 2000 o porcentual não ultrapassava a "barreira
psicológica" dos 20%. Nesse período, o pior número já registrado foi
o de setembro de 2001, quando o armazenamento dos reservatórios
chegou a 20,61% da capacidade.
"Precisamos de um período de chuvas melhor neste ano, caso contrário
o nível dos reservatórios tende a cair mais rápido nos próximos
meses", alerta o presidente da Comerc, Cristopher Vlavianos. O
volume de chuvas tende a aumentar em novembro e alcançar o patamar
mais significativo do ano entre os meses de dezembro e março.
A preocupação é que, com a proximidade do verão, o consumo de
energia aumenta. Além disso, o chamado período chuvoso coincide com
o momento de menor geração por parte dos projetos de biomassa e de
usinas eólicas. "Temos uma perda de aproximadamente 5 mil MW médios
de geração (eólica e por biomassa) e o acréscimo de 5 mil MW médios
de consumo", dimensiona o especialista.
Essa diferença é compensada historicamente por um maior volume de
energia gerada em projetos hidrelétricos. O problema é que, para
recuperar o nível dos reservatórios, o ONS precisaria limitar a
atividade das hidrelétricas no momento de maior demanda.
Os reservatórios da região Sudeste/Centro-Oeste correspondem a 70%
da capacidade de armazenamento do País. A segunda região mais
importante é a Nordeste, com aproximadamente 12% da capacidade. Para
esse mercado, o ONS projeta armazenamento de 15,1% ao fim de
outubro, quase o dobro do nível de 8,4% visto em outubro de 2001.
Previsões
O Plano de Operação Energética 2014/1018, documento obtido pelo
reportagem, sinaliza que o nível dos reservatórios na região
Sudeste/Centro-Oeste pode chegar a 30% no fim de novembro caso a
energia natural afluente (ENA) fique em 95% da média de longo termo
(MLT) entre setembro e novembro. Na eventualidade de a taxa ficar em
84% da MLT, os reservatórios alcançariam 20,4%, enquanto que uma
taxa de 113% da MLT elevaria o nível dos reservatórios para 43% da
capacidade.
As estimativas do ONS indicam que somente um volume mais relevante
de chuvas no período úmido entre o fim deste ano e o início de 2015
pode livrar o Brasil de adotar algum tipo de limitação no
fornecimento de energia. "Se o governo não tiver como atender pela
ponta da oferta, precisará ser feito algum ajuste pela demanda",
analisa Vlavianos.
Na visão do especialista, o governo deveria ter adotado medidas de
incentivo à redução do consumo desde o início do ano, quando o
volume das chuvas já se mostrava abaixo da média histórica. "Não
podemos contar que a chuva virá, por isso precisamos ter outros
mecanismos. Antes de criar uma situação obrigatória (de redução de
consumo), poderia ter sido criada uma situação voluntária", diz
Vlavianos. "Antes de o governo decidir despachar térmicas com custo
de R$ 1.000/MWh, era possível dar um prêmio para quem reduzisse o
consumo."
Desorganização do setor de saneamento
aumenta a crise da água
De norte a sul do País há confusão
generalizada sobre quem deve operar e fiscalizar serviços de
saneamento; briga chegou ao STF
A estiagem histórica que castiga o abastecimento de água em diversas
cidades do Sudeste expôs as raízes mais profundas de um problema que
contamina o setor de saneamento básico do País e que está na base da
crise atual: a desorganização institucional que impera entre
prestadores de serviços de saneamento, Estados e municípios.
De norte a sul do País, a confusão é geral. Envolve empresas que
operam de maneira informal e sem contrato, a ausência de
fiscalização, alegações de cobranças extorsivas de tarifas e
serviços de péssima qualidade. Essa combinação tem produzido índices
recordes de desperdício de água e pilhas de processos judiciais, com
casos que já chegaram até o Supremo Tribunal Federal (STF).
Desde 2007, uma lei federal garantiu a titularidade da gestão e
fiscalização dos serviços de água e esgoto aos municípios. Na
prática, porém, a lei não é respeitada. No centro das polêmicas,
está a criação de agências reguladoras para fiscalizar o setor. De
um lado, estão os municípios, que detêm a titularidade legal dos
serviços de saneamento e querem mais fiscalização sobre a qualidade
do que é oferecido à população por companhias públicas e privadas.
De outro, estão os Estados, donos de parte das empresas de
saneamento questionando a existência de órgãos municipais para
fiscalizá-los.
No interior de São Paulo, por exemplo, 47 municípios reunidos em um
consórcio público montaram, em 2011, uma agência reguladora dos
serviços de saneamento das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e
Jundiaí (Ares-PCJ). Nessas bacias estão as nascentes das represas do
Sistema Cantareira, em crise há dois anos. "O objetivo da agência é
fiscalizar os serviços prestados aos municípios da região, a maior
parte deles por empresas municipais, mas temos oito cidades que são
atendidas pela Sabesp. Nessas cidades, a Sabesp não aceita a nossa
fiscalização", diz Dalto Favero Brochi, diretor-geral da Ares-PCJ.
A alegação da Sabesp é que já existe uma instância do governo de São
Paulo para desempenhar essa tarefa, a Agência Reguladora de
Saneamento e Energia (Arcesp). "É uma situação difícil. Esses
municípios atendidos pela Sabesp aderiram à Ares-PCJ e delegaram
para nós a regulação. É um direito deles, garantido por lei,
escolher quem fará essa fiscalização, mas a Sabesp não aceita", diz
Brochi. O caso foi parar na Justiça. A Sabesp informou que "sempre
atua com respaldo da legislação do setor e se submete à fiscalização
dos órgãos competentes".
Supremo
Em Salvador, a crise institucional já chegou ao STF. A prefeitura
quer fiscalizar os serviços prestados pela Empresa Baiana de Água e
Esgoto (Embasa), sob alegação de que a agência reguladora estadual
(Agersa) faz vistas grossas para as falhas da distribuidora da água.
Por isso, a prefeitura criou em 2013 uma agência de fiscalização, a
Arsal. "Queremos um sistema autônomo. O serviço da Embasa é de
péssima qualidade. Ela nem sequer consulta a prefeitura sobre os
serviços que seriam prioritários", diz Mauro Ricardo, secretário da
Fazenda de Salvador.
Para o presidente da Embasa, Abelardo de Oliveira Filho, a
prefeitura age por interesses políticos. "Falta bom senso. Nenhuma
metrópole vai resolver os problemas de saneamento sem uma integração
com o Estado", diz Oliveira Filho, que foi secretário de Saneamento
do Ministério das Cidades no governo Lula, entre 2003 e 2007.
O imbróglio baiano envolve, ainda, a criação, pelo Estado, da região
metropolitana de Salvador, um consórcio com 13 municípios, incluindo
a capital. A prefeitura se nega a fazer parte do consórcio por
entender que o grupo dilui decisões que caberiam à capital, como a
fiscalização do saneamento.
No mês passado, o ministro do STF Celso de Mello indeferiu uma
liminar do Democratas, partido do prefeito de Salvador, ACM Neto,
que apresentou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra
a lei complementar que criou o consórcio. "Esse tipo de situação se
espalha pelo País. O saneamento sofre com a falta de regulação,
porque não tem métricas de eficiência, o que leva a grandes
prejuízos", diz o advogado Wladimir Antonio Ribeiro. Especialista no
assunto, Ribeiro defende o modelo de consórcios de municípios.
"Temos cidades de mil habitantes no País, que não têm condições de
manter uma estrutura própria de fiscalização. Os consórcios, desde
que bem estruturados, são a melhor opção", afirma.
Abastecimento de cidades sem contrato legal
A falta de entendimento entre prestadores de serviços de saneamento
e municípios resulta em situações como em Santo André, no ABC
paulista. Há sete anos, a cidade abastece a população com água da
Sabesp sem ter um contrato, embora esse documento seja exigido pela
Lei do Saneamento.
“Não houve acordo. A Sabesp nunca detalhou sua planilha de custos
para nós. Os preços são abusivos e não há transparência”, diz
Sebastião Ney Vaz Júnior, presidente da empresa municipal de Santo
André (Semasa). A prefeitura move ação contra a Sabesp e, segundo
Vaz Júnior, o caso deve ir ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A Sabesp cobra R$ 1,65 por metro cúbico (mil litros) de água vendido
a Santo André, diz Vaz Júnior. O preço que a prefeitura paga, no
entanto, é menor. “A gente paga em juízo, usando como referência a
empresa local de abastecimento, que fornece água para uma parte da
população a R$ 0,73 o m³. É esse o valor que estamos dispostos a
pagar.”
A falta de contrato dificulta a fiscalização. “A Sabesp entrega o
volume que pedimos, mas sem considerar nossos horários de pico de
consumo”, diz Vaz Júnior. A Sabesp diz que atua com base na lei do
setor.
Em Salvador, a situação é a mesma. “Nosso contrato com a Embasa
acabou e não foi renovado”, diz Mauro Ricardo, secretário da
Fazenda. A Embasa, companhia estadual, acusa a prefeitura de
acumular dívida de R$ 450 milhões em contas de água. A prefeitura
diz que a Embasa está inadimplente em R$ 400 milhões em Imposto
Predial e Territorial Urbano (IPTU) e Imposto Sobre Serviços (ISS).
“Eles não pagam a gente, nós não pagamos eles”, diz Ricardo.
No meio do caos do setor, há bons resultados, como o Consórcio
Intermunicipal de Saneamento Básico da Zona da Mata (Cisab), de
Minas. “Somos 27 municípios que se uniram para gerenciar o
saneamento, o que proporcionou a redução de custos”, diz Tânia
Duarte, superintendente do Cisab.
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