Novo centro de pesquisa da Petrobras teve propina de R$ 36 milhões
Com aditivos e desvios, projeto custou R$ 2,5 bilhões, dos quais R$ 1,83 bilhão pagos a empreiteiras investigadas na Lava-Jato
Centro de pesquisas da Petrobras (Cenpes), na Ilha do Fundão, foi ampliado para buscar novas tecnologias para retirar petróleo de águas ultraprofundas |
Instalado há 40 anos na Ilha do Fundão (RJ), o Centro de Pesquisas da
Petrobras (Cenpes) foi duplicado para atender ao desafio de buscar novas
tecnologias para retirar petróleo de águas ultraprofundas, o pré-sal.
Orçado em R$ 1 bilhão em 2004, o projeto acabou custando R$ 2,5 bilhões,
dos quais R$ 1,83 bilhão corresponde a pagamentos feitos a empreiteiras
investigadas na Operação Lava-Jato. Segundo o ex-gerente da estatal
Renato Barusco Filho, ex-braço direito do diretor Renato Duque, a
propina paga pelos consórcios Novo Cenpes e Citi e pela UTC Engenharia
alcançou pelo menos R$ 36,6 milhões — o correspondente a 2% do valor que
elas receberam pelas obras.
Barusco, que assinou acordo de delação premiada, detalhou em planilhas
como foi dividida a propina: 1% ficou para diretores e funcionários da
Petrobras, sob a rubrica “Casa”, e 1% foi destinado a “Part” — ou
partido. Na diretoria de Serviços, comandada por Duque, o partido era o
PT.
A escalada de preços foi embalada por aditivos. Juntos, os três
principais contratos tiveram 55 aditivos. Documentos internos da
Petrobras, aos quais a reportagem teve acesso, mostram que Barusco e
Duque analisaram e deram aval à maioria dos aumentos de preços pedidos
pelas empreiteiras e tiveram a chancela da diretoria executiva da
estatal.
O contrato do Consórcio Novo Cenpes, liderado pela OAS e integrado pelas
construtoras Schahin, Construbase, Carioca Christiani-Nielsen e
Construcap, teve o valor mais alto. Fechado por R$ 849,9 milhões,
recebeu 17 aditivos e alcançou R$ 1.023.570.295,40. Segundo Barusco, o
empresário Mário Goes foi o responsável, sozinho, por operar a
distribuição da propina, de cerca de R$ 20 milhões. De acordo com
depoimento de outro delator, o ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto
Costa, o Cenpes, tocado integralmente por Duque, foi a principal obra
da OAS para a Petrobras.
O pacote do consórcio Novo Cenpes incluiu até o fornecimento de móveis e
mobiliário e também gerou benefícios ilícitos. De acordo com as
investigações, uma das filhas de Costa, com a ajuda do pai, intermediou a
venda de móveis para o consórcio. A propina correspondente foi
depositada na conta da Costa Global, empresa criada pelo ex-diretor para
gerenciar e receber propina.
Dono do segundo maior contrato, o Consórcio Citi (Andrade Gutierrez,
Queiroz Galvão e Mendes Júnior) iniciou sua parte nas obras cobrando R$
452,9 milhões, 17,83% acima do esperado pela estatal. No término dos
serviços, o preço havia alcançado R$ 489.3 milhões. Segundo Barusco,
também neste caso a propina de 2% foi distribuída e a tarefa coube a
Goes e a Ildefonso Colares, presidente da Queiroz Galvão.
A UTC, acusada de usar sua sede como quartel-general do cartel, angariou
o projeto executivo, a construção e a montagem da Central de Utilidades
e do Centro Integrado de Processamento de Dados do Cenpes. A empresa
fechou contrato por R$ 178,15 milhões, mas acabou recebendo R$ 318,069
milhões — 78,5% a mais. A entrega da propina, de acordo com Barusco,
coube a Goes e ao presidente da UTC, Ricardo Pessoa.
Os valores da propina pelas obras do Cenpes podem estar subestimados,
pois 2% era o percentual médio da “vantagem”. Alguns aditivos, segundo
os delatores, podiam gerar propinas de até 5%.
A festa de irregularidades no Cenpes foi tamanha que uma auditoria do
Tribunal de Contas da União (TCU) constatou que até funcionários da
Petrobras ou seus parentes atuaram como fornecedores do Cenpes em
pequenos contratos. O decreto 7.203/2010 proíbe que órgãos da
administração federal contratem empresas cujo administrador ou sócio
seja parente até o terceiro grau de funcionários com cargo em comissão
ou função de confiança no poder público.
Numa auditoria que incluiu três áreas da Petrobras, entre elas o Cenpes,
o TCU identificou 81 contratos fechados com 25 empresas ligadas a 19
funcionários de alto escalão da Petrobras. Firmados entre 2009 e 2011,
estes contratos somaram R$ 712 milhões.
Procuradas pela reportagem, as empreiteiras envolvidas negaram as
acusações. Em nota, o Consórcio Novo Cenpes afirmou que “refuta
veementemente tais alegações”. A Queiroz Galvão informou que não comenta
investigações em andamento e reitera que suas atividades e contratos
seguem rigorosamente as leis. A Andrade Gutierrez afirmou que os
contratos realizados no Cenpes “foram executados dentro do estabelecido
nas diretrizes contratuais da Petrobras e as obras foram adequadamente
concluídas e entregues”. A UTC não se pronunciou.
Centro de pesquisas da Petrobras, na Ilha do fundão |
Cenpes: excelência reconhecida na área de pesquisa
Centro tem papel fundamental na tecnologia de exploração de petróleo
Referência para a comunidade científica internacional nas áreas de
petróleo, gás, energia, desenvolvimento sustentável e biocombustíveis, o
Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello
(Cenpes) foi criado em 1963 para dar suporte tecnológico aos projetos da
Petrobras. Instalado em uma área de 300 mil metros quadrados no campus
da Ilha do Fundão da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o
Cenpes soma cerca de 200 laboratórios e mantém parceria com uma centena
de universidades e centros de pesquisa científica do país.
O Cenpes é reconhecido internacionalmente como uma das mais importantes
“casas do saber” e figura como a principal unidade do Centro Tecnológico
do Rio, ligado à UFRJ, atraindo para o Fundão equipes de pesquisa de
outras empresas.
Com a descoberta de petróleo no pré-sal, o Cenpes tem direcionado
trabalhos na área de exploração do recurso natural em águas profundas.
Por meio do centro, a Petrobras desenvolveu tecnologias para esse tipo
de exploração e mantém um ritmo permanente de registro de patentes.
As principais metas do Cenpes sempre foram ampliar a competitividade da
Petrobras no mercado internacional e reduzir custos operacionais. Os
cientistas ainda mantém pesquisas permanentes voltadas para o meio
ambiente. Quando foi criado, o centro atuava, principalmente, na área de
refino. Na época, o país tinha como foco fomentar a capacidade nacional
de processamento e produção de combustíveis para abastecer o mercado
interno.
Já na década de 1970, com a descoberta do campo de Garoupa, no Rio, o
Cenpes passou a direcionar seus laboratórios também para a exploração e
produção de petróleo. O centro ganhou importância indispensável para as
descobertas de novos poços na Bacia de Campos.
Ampliação de centro de pesquisas da Petrobras na Ilha do fundão custou R$ 1,5 bilhão a mais |
Diretoria de Serviços obstruiu fiscalização sobre ampliação do Cenpes
Relatório do TCU sobre as obras apontou sobrepreço de R$ 320 milhões em 9% dos contratos
O tortuoso caminho do dinheiro desviado na ampliação do Cenpes é foco de
investigação do Tribunal de Contas da União (TCU) antes mesmo dos
primeiros indícios de corrupção na Petrobras. Desde 2009, o órgão tentou
acompanhar as obras, mas encontrou sistematicamente uma barreira: a
Diretoria de Serviços, então comandada por Renato Duque, apontado pela
Polícia Federal como o operador do PT dentro da estatal.
No último relatório da obra, encaminhado ao Senado, em 2010, o ministro
do TCU, José Jorge de Vasconcelos Lima, deixou claro o problema:
obstrução sistemática por parte da diretoria da Petrobras à
fiscalização. Apesar das dificuldades, os técnicos encontraram, na
época, um sobrepreço de R$ 320 milhões e superfaturamento de R$ 155
milhões. Estes valores correspondem a apenas 9,2% dos contratos que os
técnicos conseguiram ter acesso.
A primeira obstrução começou logo nas primeiras requisições encaminhadas
pelo tribunal. Os técnicos pediram a senha de acesso à intranet e ao
sistema SAP/R3, utilizado pela Diretoria de Serviços para controlar
todas as obras da Petrobras. As investigações da força-tarefa revelaram
que a área comandada por Duque controlava a execução de todas as obras e
que as propinas desviadas a partidos políticos variavam de 1% a 3% de
cada contrato firmado. Para dificultar o trabalho, Duque indicou um
representante que funcionaria como “intermediário” das demandas do
órgão. Na época, os técnicos do TCU lamentaram:
“Tal ato denegatório prejudica, e muito, o andamento dos trabalhos de auditoria”, diz o relatório.
A Petrobras negou, justificando que seguia normas internacionais e que
prezava pela confidencialidade das informações. Ressaltou que a
disponibilização poderia expor dados de maneira indiscriminada, o que
poderia afetar a empresa. Enquanto “segredos” da Petrobras eram
“escondidos” ao TCU, ex-funcionários da estatal confirmaram à Justiça,
durante a Lava-Jato, que dados “confidenciais” de obras eram passadas
antecipadamente a empresas do cartel das empreiteiras — o “Clube”. Para o
Tribunal, não havia justificativa para a negativa da estatal:
“Nenhum outro órgão e/ou entidade jurisdicionados a este Tribunal existe
este constrangimento de denegação de senha a auditores. E
definitivamente não existe justificativa plausível para tal privilégio
da Petrobras em relação a todas as demais entidades que integram a
Administração Pública”.
A negação da senha foi apenas uma entre as quase cem medidas adotadas
pela estatal para dificultar as investigações. Os “técnicos” da
Engenharia mandaram arquivos em PDF em vez de Excel. A empresa exigia o
emprego de interpretações técnicas exatas para a requisição de
documentos. Constantemente, aconteceu a entrega parcial das informações
relativas às estimativas de custos feitas pela Petrobras sobre as obras.
O atraso sistemático no envio das informações solicitadas.
“Os técnicos da Engenharia dificultaram em tudo a fiscalização”, conclui o relatório.
O TCU apresentou 116 pontos errados nas execução dos contratos. A
Petrobras rebateu todos, mas apenas uma defesa foi aceita. Criticou,
ainda, o fato de as empresas terem sido escolhidas por convite e não por
concorrência aberta, embora o procedimento seja aceito por lei. O
sobrepreço foi de R$ 320 milhões e o superfaturamento de R$ 155 milhões
em oito contratos verificados. Em alguns, os valores chegaram a 348% do
previsto inicialmente.
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