Entrevista: Rogério Schietti, ministro do Superior Tribunal de Justiça
‘A prisão é uma exceção à regra’, diz ministro
Ministro afirma que juízes resistem à determinação e operações como a Lava Jato sobrecarregam as cortes superiores
Sobrecarga: para Schietti, resultado de operações é ‘uma enxurrada de habeas corpus’ |
Os juízes não podem prender cautelarmente antes da sentença final
simplesmente levando em conta a gravidade do crime, mas isso tem
acontecido reiteradamente, afirma o ministro do Superior Tribunal de
Justiça Rogério Schietti, integrante da 6.ª Turma da corte – responsável
por matérias de direito penal. Segundo Schietti, juízes de 1.º grau e
dos tribunais estaduais vêm exercendo uma “resistência irracional” e
descumprindo a orientação dos tribunais superiores. Citando a Lava Jato e
outras operações da Polícia Federal, ele afirma que isso provoca uma
enxurrada de habeas corpus em Brasília.
Há uma preocupação com o número de habeas corpus recebidos pelo STJ recentemente?
Temos observado que tem havido um crescimento muito grande no
número de habeas corpus e recursos em habeas corpus que são instrumentos
para tutelar a liberdade humana. No ano passado o STJ recebeu cerca de
37 mil destes recursos e isso está crescendo. Só em seis meses já foram
15 mil novos. Isso nos preocupa muito.
O que isso significa?
Sinaliza que a jurisprudência do STJ de alguma forma não está
sendo assimilada pelos outros tribunais. Se nós decidirmos que uma
prisão preventiva somente pode ser decretada, independentemente do
crime, quando o juiz explica e fundamenta concretamente porque essa
pessoa deve ser mantida presa, o STJ está dizendo: ‘Olha, não pode mais
prender alguém cautelarmente, antes da sentença, simplesmente pela
gravidade abstrata do crime’. Essa é uma orientação básica que todos
deveriam seguir.
E seguem?
Continuam a chegar muitos habeas corpus em que a decisão do
juiz ou do tribunal não seguiu essa orientação e diz apenas: ‘O crime de
tráfico de entorpecentes é um crime grave, que é uma chaga nacional,
então a pessoa tem de ficar presa’. Nem todo traficante necessariamente
tem de ficar preso (preventivamente). A prisão é uma exceção à regra. A
regra é a liberdade.
Há uma resistência por parte dos juízes em aplicar a orientação do STJ e do Supremo?
É uma resistência irracional, pouco explicável e que justifica
em boa parte essa quantidade imensa de habeas corpus e recursos em
habeas corpus que temos aqui. Se os tribunais e juízes passassem a dar
um pouco mais de atenção a cada caso, de modo a que não desse margem a
tantos recursos, a situação estaria muito melhor.
Os advogados costumam impetrar uma série de habeas corpus em diversos
tribunais, simultaneamente, como no caso dos executivos presos
preventivamente na Operação Lava Jato. Por que isso acontece?
Boa parte da responsabilidade cabe ao próprio Poder
Judiciário, aos juízes e tribunais não atenderem minimamente o que se
espera de uma decisão judicial que é o dever de motivação concreta do
caso. Os advogados costumam impetrar uma série de habeas corpus em
diversos tribunais, simultaneamente, como no caso dos executivos presos
preventivamente na Operação Lava Jato. Há uma pressa. O advogado quer
resolver logo. Então antes que o tribunal decida pelo órgão colegiado,
quando um desembargador indefere a liminar, o advogado já entra no STJ
ou no Supremo. Numa mesma causa podem ser impetrados sucessivos habeas
corpus para um mesmo réu durante um processo. Não há limitação
constitucional. Imagine nesta Operação Lava Jato: quantos réus teremos e
quantas dezenas de habeas corpus serão impetrados, ou centenas, em
todos os tribunais? Isso tudo vai gerar uma sobrecarga enorme. Em cada
operação dessas da Polícia Federal e do Ministério Público que é
desencadeada o resultado é uma enxurrada de habeas corpus.
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