Em entrevista: o vice-presidente, general Hamilton Mourão
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O vice-presidente, general Hamilton Mourão |
Hamilton Mourão, 66 anos, general quatro estrelas da reserva, formou-se
na Academia Militar das Agulhas Negras. Cumpriu missão de paz em Angola,
atuou como adido militar na Embaixada do Brasil na Venezuela e foi
comandante militar do Sul. Em 2018, filiou-se ao PRTB e ingressou na
carreira política.
O vice-presidente, general Hamilton Mourão, diz que é hora de as
autoridades deixarem o individualismo de lado no combate ao coronavírus
no Brasil e defende um consenso frente à pandemia.
"O fulano está pensando só nisso porque é de direita e o outro só aquilo
porque é de esquerda. Não, nós temos de buscar um meio-termo e a
igualdade", disse.
"Acho que está havendo uma falta de coordenação das ações no final",
declarou sobre a crise entre os governadores e o presidente Jair
Bolsonaro.
O general concedeu entrevista em seu gabinete no Palácio do Planalto na
sexta-feira (27.mar.2020). Segundo ele, é preciso encontrar um modelo de
isolamento que não seja "oito ou oitenta".
Questionado sobre a decisão de Bolsonaro de não mostrar o exame negativo
para o vírus, respondeu: "Acho que tem de confiar na palavra do
presidente. Seria o pior dos mundos o presidente chegar e declarar que
testou e deu negativo e depois aparecer que deu positivo".
O coronavírus é uma doença séria ou uma gripezinha?
Ele [o vírus] é sério. O presidente, quando fala de gripezinha, é
o linguajar dele. Busca passar certo grau de confiança para a
população. Aí a turma fica com raiva e quer pular na jugular dele.
O senhor falou que o presidente foi mal
interpretado no pronunciamento de terça-feira (24.mar.2020). Ele não é
irresponsável em falar em gripezinha, resfriadinho, pedir todos na rua,
atacar a mídia?
Sobre a questão da briga do presidente com a mídia e da mídia com o
presidente, já houve um momento em que deixou de haver a crítica,
sinceramente. Às vezes, vejo jornalistas renomados falando,
principalmente na televisão, com raiva. Pelo amor de Deus, não vamos ter
raiva.
Como o senhor avalia o papel da mídia na cobertura da pandemia?
A mídia está fazendo o papel dela e está informando.
Por que o senhor diz que o presidente foi mal interpretado?
Porque ele quis explicar as consequências de um "lockdown"
drástico e o que ia acontecer na economia. Então apresentou aquela
preocupação.
O presidente não deveria ser mais cuidadoso em suas falas?
O presidente tem o jeito dele. Sou vice-presidente do Jair
Bolsonaro. Ando na ala dele. Não estou aqui para dizer: "Presidente,
muda seu jeito de ser". Não adianta. Ele tem 65 anos.
Bolsonaro foi questionado sobre a
avaliação feita pelo senhor do pronunciamento e respondeu que o
presidente é ele. O senhor se incomodou?
Em absoluto, ele é o presidente. Falo isso para ele sempre.
O pronunciamento foi discutido com os filhos do
presidente. Não incomoda à ala militar a participação deles em reuniões
no Planalto sobre a crise? O Carlos é vereador, não tem nenhuma
atribuição federal.
É uma família unida, que atravessou problemas ao longo de sua
evolução do núcleo familiar e o presidente tem muita confiança nas
opiniões deles.
Mas o Carlos sentou à mesa de reunião ...
Sentou, mas não abriu a boca. Ele sabe também que não vai abrir a boca porque não tem nenhum papel no governo.
Como tem se protegido contra a doença? Chegou a realizar o teste?
Não fiz o teste porque não tenho sintoma. Estou cumprindo o
protocolo do Ministério da Saúde: se tem algum sintoma, faz o teste. Não
vou gastar teste comigo se não tenho sintoma.
O presidente não deveria, como
fizeram outras autoridades, mostrar o teste dele que diz ter dado
negativo, já que é informação de interesse nacional?
Acho que tem de confiar na palavra do presidente. Porque aí seria
uma coisa muito, vamos dizer assim, acho que seria o pior dos mundos o
presidente chegar e declarar que testou e deu negativo e depois de
alguma maneira aparecer o teste dizendo que deu positivo. Isso aí, para
mim, seria o pior dos mundos.
Parto do princípio, e isso é uma coisa que é muito cara para
nós que viemos do meio militar, a questão que sua palavra tem fé de
ofício. A gente só trabalha no meio militar assim. Se eu falei A, é
porque é A. A partir do momento em que vou estabelecer uma desconfiança
com o subordinado ou com um superior, morre o relacionamento. Acho que,
se o presidente disse que deu negativo, OK. Deu negativo.
O senhor mostraria se estivesse no lugar dele?
Acho que é inócuo. A minha palavra vale.
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O vice-presidente, general Hamilton Mourão, em seu gabinete, Brasília-DF |
A crise criou um tensionamento
maior na relação entre Executivo e Legislativo, pedidos de impeachment. O
governo passa pelo seu pior momento?
O relacionamento sempre se pautou de forma distinta de governos
anteriores. O governo nunca construiu base. Então tem havido essa rusga e
fricção. Aí é óbvio que, agora, nessa questão do coronavírus, todo
mundo quer ter seu protagonismo e apresentar-se como "bom, eu fui o cara
que contribuí para a solução". Aí, tem de deixar um pouco o
individualismo de lado e buscar mais uma vez construir o consenso.
O governo lançou uma campanha publicitária "O Brasil não pode parar". O senhor concorda?
Concordo que o Brasil não pode parar. Talvez agora chegue o momento de,
em uma conversa entre a área técnica da medicina e a econômica, buscar
posição onde determinadas atividades possam de forma progressiva
retomar. Temos um temor de que muita gente desempregada e subempregada
de uma hora para a outra fique sem recurso.
Não chegamos ainda ao pico da
doença. Neste momento o que é mais importante: proteger a população ou
não prejudicar a atividade econômica?
A questão está mal colocada porque está muito no oito ou oitenta.
Não é oito ou oitenta. Uma coisa é certa: temos de proteger a
população. Em nenhum momento o governo deixou de destacar isso. Mas é
óbvio que as características do Brasil são diferentes das de outros
países. E isso não pode ser discutido com paixão política. Esse é o
problema. O fulano está pensando só nisso porque é de direita e o outro
só aquilo porque é de esquerda. Nós temos de buscar um meio-termo e a
igualdade.
A paixão política está nos dois
lados, não? Como o senhor viu na discussão do presidente com o
governador João Doria (São Paulo). Essa paixão também não tem que ser
reduzida pelo próprio presidente?
O presidente é atacado duramente. É um conjunto do sistema
político dentro do país onde todo mundo coloca que ele está totalmente
errado e é um tosco. Não é isso. Ele tem a visão dele e se expressa,
vamos colocar assim, de forma clara.
Por que o senhor balançou a cabeça em sinal negativo durante o bate-boca entre Bolsonaro e Doria?
Eu considerei que era totalmente inoportuna aquela discussão.
Considerei inoportuno o governador se aproveitar ali para fazer crítica
ao presidente. Critica abertamente pela imprensa, mas naquele momento,
frente a frente, ele sabia que haveria uma reação. É óbvio que o
presidente reage da maneira que ele sabe fazer.
Esse clima de beligerância está prejudicando o enfrentamento da doença?
Acho que está havendo uma falta de coordenação das ações no
final. Vamos lembrar que somos uma federação. Aquilo que é do município é
do município. Se extrapola o município, aí é do estado. Se extrapola do
estado, é da União. Nossos governadores têm de entender os limites e
buscar uma coordenação com o governo federal.
Pela sua experiência na área militar, qual é a melhor forma de combater a pandemia?
São três coisas. Primeiro, tem de ter planejamento centralizado e
determinar objetivos. E, a partir daí, na execução, ter clareza para
todo mundo entender o que está sendo feito. Um trabalho de coordenação é
paciente. Numa estrutura militar, dou ordem e a turma obedece. Em uma
estrutura política, isso não funciona desse jeito. A coordenação é muito
mais no sistema do consenso, na busca do entendimento e na busca dos
melhores propósitos.
Após recomendação do Ministério da Saúde, as
pessoas se fecharam em casa. O presidente depois adotou o discurso
defendendo apenas o isolamento do grupo de risco. O senhor é a favor
disso?
A questão do isolamento vertical tem uma lógica no momento em que
se busca que as atividades econômicas voltem a funcionar. É óbvio que
não é simples em um país das dimensões do Brasil, cinco países em um.
Volta e meia vejo a turma comparar com a Holanda. Se somar Alagoas e
Sergipe, dá uma Holanda. São países pequenos, com populações distintas.
O presidente defende a abertura das escolas. As
crianças vão para as escolas, voltam para casa, circulam na rua. Não é
arriscado neste momento abri-las?
Em áreas pobres, as crianças que vão à escola estão concentradas em casa e não têm acesso à alimentação que tinham na escola.
Não se corre o risco de errar como na Itália, de fazer uma abertura e depois se arrepender?
A Itália é diferente. A epidemia começou no norte do país. Ali,
eles tinham uma ligação direta com a China. Comparar com a Itália é meio
complicado.
O Governo de São Paulo afirmou que o confinamento
tem segurado a curva de contágio. Não é uma contradição com o discurso
de Bolsonaro?
Passaram os 15 dias de confinamento, vamos reavaliar. Acho que é
isso que tem de ser feito. Onde está concentrada a epidemia? Os outros
que não estão tendo problema vamos deixar circular. Agora, pega cidades
de 80 mil ou 100 mil habitantes. Basta impedir aglomeração. Não vai ter
festa e baile.
Mas pequenas cidades têm muitas igrejas. O presidente liberou cultos. Não vai na contramão do desestímulo à aglomeração?
Vai da sensibilidade de cada pessoa. Está liberada a igreja, mas preciso ir?
Os especialistas veem o isolamento social como principal medida. Não é ruim para a imagem do Brasil ir na contramão?
A gente não sabe ainda como o vírus vai se comportar em um clima
quente como o do Brasil. O ministério disse que vamos conviver com três
epidemias. Todo ano temos o problema da gripe, que mata velhinhos
direto, e o da dengue. E ainda tem o coronavírus por fora. Quais mortes
serão atribuídas ao coronavírus? Caso da senhora que faleceu em Goiás,
era cardiopata, diabética, tinha insuficiência respiratória aguda, tinha
tido dengue e ela morreu de coronavírus?
Sim, o coronavírus potencializa.
A pessoa que tem problema cardíaco tem problema respiratório, e o
coronavírus é síndrome respiratória grave e ataca o pulmão de forma
diferente da gripe.
A sensação é de que o governo está tentando
transferir responsabilidade aos governadores e à mídia pela falta de
eficiência na economia.
O governo já colocou o pacote de R$ 147 bilhões. Tem esse de mais
R$ 88 bilhões para estados e municípios. Está votado os famosos R$ 600
para os autônomos.
Estamos chegando no dia 31 de março, data
importante para as Forças Armadas. O senhor mesmo se envolveu em
polêmicas sobre isso. Que mensagem deveria ser passada na data do golpe
de 1964 em meio a essa crise?
É um fato histórico, que pertence à história do Brasil e lá vai
ficar. Não pode ser apagado com borracha. Então, eu acho que isso aí
fica na história. E, em tempos de coronavírus, passará em branco.
A crise pode afetar a questão amazônica?
Lógico, cadê o recurso? Está todo voltado para o coronavírus. Temos
de nos preparar, porque vai terminar o coronavírus. Aí, quando acordar,
está lá o problema na Amazônia.