terça-feira, 31 de outubro de 2017

Sem barreiras na internet e redes sociais,
notícias falsas podem se espalhar rapidamente.






Sites que integram uma teia de páginas que disseminam pela internet informações falsas e/ou de teor sensacionalista montam um negócio grotesco nos meios digitais — uma pandemia conhecida no mundo todo sob o rótulo de “fake news” (notícias falsas) e que passou a chamar a atenção devido a sua influência em votações no Reino Unido e nos Estados Unidos, no ano passado.
O que une esses sites é a busca por cliques. No mundo digital, clique é dinheiro.
Estes sites lucram com a venda de anúncios. Quanto maior a audiência da página, mais ela ganhará com publicidade. Segundo a empresa comScore, que mede audiência digital, e profissionais do mercado publicitário consultados pela reportagem estimaram que os anúncios rendam de R$ 100 mil a R$ 150 mil por mês, dos quais até 50% ficariam com o intermediário e o restante com o dono do site.
A venda da publicidade costuma ser feita por agências especializadas ou via ferramentas como o Google AdSense, que seguem a lógica de um leilão: o site diz o preço mínimo que pretende receber por anúncio e qual modalidade prefere, sendo as mais comuns CPM (custo por mil impressões, que considera o número de visualizações) e CPC (custo por clique, em que o pagamento é calculado em cima de quantas vezes o anúncio foi clicado).
Os anunciantes definem o perfil de público que querem atingir, mas não controlam em que site a propaganda será veiculada. A audiência é o principal requisito para quem anuncia; no caso de sites de notícias, não costuma haver verificação sobre a credibilidade do veículo ou a qualidade da reportagem.
A maioria dos sites sensacionalistas é registrada fora do país, não identifica os autores dos textos e não publica expediente, endereço ou telefone para contato.

'RECEITA DO BOLO' — Sites sensacionalistas e de inverdades que se disseminam nas redes sociais faturam de acordo com a audiência que os conteúdos apelativos impulsionam. Pesquisas mostram que a maioria dos leitores tem dificuldade em distinguir boatos de informações confiáveis.
Um estudo do Instituto Paulo Montenegro e da ONG Ação Educativa mostrou que apenas 8% dos brasileiros em idade de trabalhar (entre 15 e 64 anos de idade) são capazes de se expressar por textos, de opinar sobre argumentos e interpretar tabelas e gráficos.
Nos Estados Unidos, pesquisa da Universidade Stanford com alunos de ensinos fundamental e médio e de faculdades revelou que a maioria é incapaz de diferenciar notícias produzidas por fontes confiáveis de anúncios e informações falsas.
Pesquisa do Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo mostra que cada vez mais brasileiros de grandes centros urbanos usam redes sociais como fonte de notícias: eram 47% em 2013, índice que saltou para 72% em 2016.

MACEDÔNIA — de uma perspectiva global — Veles, uma cidade de 43 mil habitantes no pequeno país dos Balcãs, ganhou fama no ano passado com a revelação de que se tornara um bunker de sites de notícias falsas sobre as eleições dos Estados Unidos. Tocados por adolescentes em busca do dinheiro de anúncios, os sites inventaram notícias sensacionalistas (em geral pró-Donald Trump) e geraram milhões de engajamentos (soma de curtidas, compartilhamentos e comentários) no Facebook, integrando um movimento que, para muitos, teve peso relevante na vitória do republicano.

Segundo um estudo do site BuzzFeed, as 20 notícias falsas sobre a eleição americana com maior engajamento no Facebook nos três meses que antecederam a votação geraram mais engajamentos (8,7 milhões) que as 20 notícias reais com mais reações publicadas por grandes veículos (7,3 milhões).
O BuzzFeed brasileiro chegou a resultado semelhante em relação a notícias sobre a Lava Jato publicadas em 2016: as dez falsas com mais engajamento no Facebook (3,9 milhões) superaram as dez verdadeiras (2,7 milhões).

Nos Estados Unidos, estudos recentes relativizam a influência das “fake news” na eleição de Trump. Um deles, do centro de pesquisa NBER (Birô Nacional de Pesquisa Econômica), concluiu que as mídias sociais tiveram papel “importante, mas não determinante”. Foram apontadas como fonte de informação mais importante por somente 14% dos americanos (contra 57% da TV, por exemplo).
Ainda assim, o fenômeno preocupa. “É fato que essas notícias falsas geram bastante engajamento no Facebook e que, segundo pesquisas, as pessoas estão propensas a acreditar nelas. Isso é surpreendente e constrangedor, e por isso espera-se que algo seja feito”, disse Craig Silverman, editor de mídia do BuzzFeed norte-americano, estudioso do tema e autor de uma das principais reportagens sobre “os garotos da Macedônia”.
Para ele, “qualquer atitude só será eficiente se atacar as vantagens financeiras de criar notícias falsas — e deve incluir as empresas que fornecem as plataformas que estão sendo usadas para criá-las e espalhá-las”.
De fato, corporações digitais e empresas de mídia em todo mundo começaram a se mexer.

CENSURA NÃO — Um dos maiores desafios do percurso, observa Silverman, é “assegurar que qualquer medida tomada para coibir notícias falsas não afete a liberdade de expressão”.
É uma preocupação semelhante à de Patricia Blanco, presidente do Instituto Palavra Aberta, organização dedicada à promoção da liberdade de expressão. “Como garantir uma web livre e evitar que ela seja usada de forma criminosa é algo que temos de resolver. Mas não podemos deixar que o legislador, para proteger cidadãos, crie limites à liberdade de expressão.”

Sancionado em 2014, o Marco Civil da Internet isenta de responsabilidade a empresa que abriga o conteúdo. Mas, têm obrigação de retirar do ar, se notificadas, a calúnia, a injúria ou a difamação, sob pena de conivência.

Vítima de notícias falsas, o jornalista e ativista Leonardo Sakamoto, da ONG Repórter Brasil e blogueiro, considera que, dada a extensão do problema, é necessária uma convenção global para regular a circulação de notícias na internet e a eventual responsabilização por excessos.
No ano passado, Sakamoto foi alvo de um texto difamatório abrigado no um site de notícias falsas. Segundo documentos produzidos por ordem judicial, as empresas JBS e 4Buzz promoveram a exposição do texto por meio de anúncio pago no Google — elas negam.
Autor do livro “O que Aprendi Sendo Xingado na Internet”, o blogueiro defende também, como solução a médio prazo, uma “alfabetização midiática.”: a introdução, nos ensinos fundamental e médio, de noções sobre como detectar argumentos fraudulentos.

O historiador norte-americano Robert Darnton, professor emérito da Universidade Harvard, diz se opor a qualquer medida que envolva censura e sugere que, “a médio ou longo prazo, isso [o consumo indiscriminado de mentiras] acaba, se autocorrige; se melhorar a política, isso melhora também”.
Darnton lembra que a disseminação de notícias falsas não é novidade. Já no século VI, conta, o historiador Procópio escreveu um texto secreto, chamado Anekdota. “Ali ele espalhou fake news, arruinando a reputação do imperador Justiniano e de outros. Era bem similar ao que aconteceu na campanha eleitoral americana.”
Em artigo recente, a pesquisadora americana Judith Donath, do Centro Berkman Klein para Internet & Sociedade da Universidade Harvard, escreveu que, na era das redes sociais, não se compartilha e curte notícias apenas para informar ou persuadir, mas “como um marcador de identidade, uma forma de proclamar sua afinidade com uma comunidade particular”.
Interagir com uma notícia falsa, argumenta, pode enfurecer os de fora dessa comunidade, mas é um “sinal convincente de fidelidade ao seu grupo”.
A psicanalista e jornalista Maria Rita Kehl lê de outro modo. “Como não sabemos o que fazer com algumas notícias que nos chocam, ética ou moralmente, passamos adiante com a sensação de estar participando, de alguma forma, da esfera pública. No fundo não é muito diferente da dona de casa que ouve uma fofoca e corre para o muro, a contar para a vizinha”, afirma.
“A diferença”, acrescenta, “é que o 'muro' hoje é a internet, e a fofoca que a vizinha quer passar adiante chega a milhares de pessoas. O que torna o problema mais complexo é que o mesmo dispositivo que serve para espalhar notícias falsas e arruinar a imagem de pessoas públicas, também serve para mobilizar campanhas de solidariedade, por exemplo”.




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