Lava Jato investiga se mansão em Punta Del Este, no Uruguai, pertence ao ex-presidente petista Luiz Inácio Lula da Silva. Esquema seria semelhante ao do tríplex no Guarujá e ao do sítio em Atibaia — filho caçula de Lula, depois de implicado por delatores da Odebrecht, arruma emprego no país vizinho Uruguai
As investigações sobre o patrimônio oculto do ex-presidente Lula
ultrapassaram as fronteiras do Brasil. Depois de identificarem
ligações do ex-presidente com imóveis suspeitos em solo nacional,
como o tríplex no Guarujá, o sítio em Atibaia e uma cobertura em São
Bernardo do Campo, procuradores do Ministério Público Federal (MPF),
integrantes da força-tarefa da Operação Lava Jato, apuram se uma
mansão em Punta Del Este, no Uruguai, pertence a Lula. A
investigação foi iniciada em agosto. O esquema seria semelhante ao
adotado pelo petista para as outras propriedades utilizadas por ele
no Brasil. No modus operandi tradicional, os imóveis ficam
registrados em nome de empresários amigos. Em troca de benesses e
tráfico de influência no governo ou fora do País, Lula se transforma
no dono real desses imóveis, com poder para deles usufruir quando
bem entender, determinar quem entra e sai e até mesmo promover
caríssimas reformas, mesmo que oficialmente as propriedades não
figurem em seu nome. Essa prática se repetiria no Uruguai. Neste
caso, a mansão — segundo colaboradores do Ministério Público Federal
que estiveram em Punta Del Este — pertenceria a uma offshore ligada
ao empresário Alexandre Grendene Bertelle, um dos donos da indústria
de calçados Grendene e que, no Uruguai, é proprietário de um
sem-número de casarões — entre os quais uma suntuosa casa na rua
paralela à do imóvel suspeito de ter ligações com Lula — e sócio de
empreendimentos bem-sucedidos como o Hotel e Cassino Conrad.
A casa que motiva a investigação da Lava Jato possui um terreno de
7,5 mil metros quadrados e fica localizada na Calle Timbó, conhecida
por Villa Regina, com valor estimado em US$ 2 milhões, segundo
corretores locais. A mansão adota o estilo de chalé suíço, com uma
escadaria de acesso à residência. O que mais chama a atenção é a
grande área verde da propriedade, que cerca toda a edificação. A
reportagem esteve no local na quarta-feira 26.out.2016. A mansão
está vazia. Outras moradias da região, reduto de endinheirados da
América Latina que escolhem o local para passar temporadas de
veraneio, são ocupadas apenas por caseiros.
As informações sobre a possível propriedade de Lula no país vizinho
foram transmitidas ao MPF por um conhecido colaborador. Ele fora
responsável pelas denúncias que levaram à deflagração da Operação
Lava Jato. Daí a sua confiabilidade. No mesmo dia em que entregou
documentos à Lava Jato, esse delator narrou que vários ônibus de
excursão, responsáveis por conduzir comitivas de brasileiros pela
paradisíaca Punta Del Este, passam defronte a casa de Calle Timbó e
dizem, sem pestanejar, que a propriedade pertence a Lula. Em duas
dessas visitas monitoradas, os turistas brasileiros demonstraram
revolta ao receberem a informação. Um deles chegou a fotografar a
casa de dentro do ônibus. O procurador destacado para investigar o
caso disse que se encontra na fase de coleta de provas. Ele não
descarta a possibilidade de pedir a colaboração do governo uruguaio.
Na Procuradoria da República, a investigação está sendo tratada com
total discrição. A avaliação é de que, se no Brasil já é difícil
caracterizar a ocultação de patrimônio quando ele figura em nome de
terceiros, em Punta del Este, no Uruguai, torna-se ainda mais
complicado puxar o fio desse intrincado novelo. Haja vista que lá os
imóveis, em geral, ficam escondidos em offshores, dificultando o
rastreamento. Procurada, a assessoria de Lula repetiu uma versão já
conhecida. Disse que o ex-presidente não tem nenhuma casa ou conta
no exterior e que todas as propriedades dele estão em São Bernardo
do Campo e são devidamente declaradas.
Durante o governo Lula, Grendene obteve empréstimos
subsidiados do BNDES de R$ 3 bilhões
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Alexandre Grandene diz, por meio de assessoria, que história é “absurda” |
Mais um mecenas? — Se o triplex do Guarujá está em nome da OAS de
Léo Pinheiro, o sítio de Atibaia no de Fernando Bittar e Jonas
Suassuna e a segunda cobertura de São Bernardo no de um primo do
pecuarista José Carlos Bumlai, o mecenas de Lula na mansão de Punta
Del Este seria o bilionário Alexandre Grendene. O empresário do ramo
calçadista mantém relações com Lula — e com os políticos de um modo
geral. Durante o governo do petista, Grendene obteve empréstimos
subsidiados do Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
no valor de R$ 3 bilhões. Esses empréstimos estão sendo investigados
pelo Ministério Público Federal de Novo Hamburgo (RS). Só para a
compra da Vulcabrás, o BNDES emprestou R$ 314 milhões para a
Grendene. Os irmãos Pedro e Alexandre Grendene participaram também
em 2008 de um negócio para implantação de usinas de açúcar e álcool
no valor de R$ 1,8 bilhão, com dinheiro do governo. Integraram a
negociação, além dos Grendene, a Odebrecht, o empresário André
Esteves (Banco Pactual) e o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo
íntimo de Lula.
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Lula ao lado de Pedro Grandene, irmão de Alexandre: guitarra de Lenny
Kravitz doada ao Fome Zero rendeu investigação da Lava Jato sobre
destino de recurso |
Há outro significativo elo entre o empresário e Lula. Grendene foi
um dos empresários que doaram parte dos R$ 10,8 milhões que
custearam o filme “Lula, o filho do Brasil”, inspirado na trajetória
do ex-presidente petista e dirigido por Fábio Barreto. Ele também
colaborou com o “Fome Zero”, carro-chefe da política social do
petista no início do primeiro mandato — uma espécie de embrião do
Bolsa-Família. Ainda no primeiro governo petista, o guitarrista
Lenny Kravitz doou sua guitarra para o programa de combate à
pobreza, que leiloou o instrumento em maio de 2005. O empresário
Pedro Grendene pagou R$ 322 mil pela guitarra, uma cobiçada Epiphone
Flyng V preta autografada, mas o episódio, como tantos outros
envolvendo o PT, terminou na Lava Jato. A força-tarefa passou a
investigar o destino da renda obtida com os instrumentos. Análise de
e-mails de Bumlai, amigo de Lula, mostrou que houve uma disputa
entre a ONG Ação Fome Zero e o Ministério de Desenvolvimento Social
e Combate à Fome pelo direito dos recursos levantados com os
leilões. Em resposta a reportagem na quinta-feira 27.out.2016, a assessoria de
Grendene disse que ele estava no exterior. Um assessor da diretoria
da empresa afirmou, no entanto, que a história de que Grandene seria
uma espécie de testa-de-ferro do ex-presidente petista no Uruguai
não “passa de um absurdo completo”.
A Odebrecht participou de um consórcio com a OAS e José Carlos Bumlai para reformar o sítio de Atibaia
O sítio e a cobertura — Nas últimas semanas, a Lava Jato fez novas descobertas acerca do
patrimônio oculto de Lula. No caso do sítio de Atibaia, um dos
maiores amigos do ex-presidente na área empresarial, Alexandrino
Alencar, ex-executivo da Odebrecht, revelou detalhes da reforma do
imóvel feita pela empreiteira durante processo de delação premiada
em Curitiba. O executivo era um dos porta-vozes de Lula dentro da
empresa. Era o amigo das viagens feitas por Lula à América Latina e
África à bordo de jatinhos da Odebrecht.
Na negociação de sua delação com a Justiça do Paraná, Alexandrino
confirmou que a Odebrecht participou de um consórcio junto com a OAS
e o pecuarista José Carlos Bumlai, para reformar o sítio de Atibaia.
Segundo ele, a Odebrecht iniciou a reforma em outubro de 2010,
quando Lula ainda era presidente. A empreiteira ficou responsável
pelas obras de um anexo às quatro suítes do sítio. A propriedade
está em nome de Jonas Suassuna e Fernando Bittar, e Lula, mais uma
vez, nega ser dono do local. A Polícia Federal, no entanto, não tem
dúvidas de que o sítio é mesmo do ex-presidente.
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Bumlai é mencionado em quase todos os escândalos que envolvem Lula. Agora, é citado em investigação de cobertura em São Bernardo |
Em outra frente, a força-tarefa da Lava Jato deu início esta semana
a uma investigação sobre uma segunda cobertura que Lula ocupa no
edifício Green Hill, em São Bernardo do Campo. O Ministério Público
Federal investiga se o imóvel, localizado ao lado da primeira
cobertura de Lula, foi adquirida com dinheiro da Odebrecht. Em
dezembro de 2010, Glaucos da Costamarques, primo do pecuarista José
Carlos Bumlai recebeu R$ 800 mil da DAG Construtora, investigada
pela PF por ter sido usada pela Odebrecht para negócios ilícitos.
Com o dinheiro, Glaucos comprou a cobertura vizinha de Lula e a
alugou para o ex-presidente. O petista garante que pagou aluguéis e
que os mesmos encontram-se declarados em seu Imposto de Renda.
Somente em 2015 pagou R$ 51,3 mil a Glaucos. Os procuradores
suspeitam que tudo tenha sido feito para ocultar o verdadeiro dono
do imóvel. Na realidade, o próprio Lula. A história se repete.
Saint-Tropez latina — Punta Del Este, no litoral Sul do Uruguai, onde está localizada a
mansão alvo de investigação da Lava Jato por possíveis ligações com
Lula, é considerada a Saint-Tropez da América do Sul. Praias
paradisíacas, cassinos de luxo, hotéis suntuosos. Uma cidadezinha de
10 mil habitantes, mas que no verão reúne os novos ricos do mundo
todo e muitos milionários brasileiros, provocando congestionamentos
de Mercedes-Benz e Ferraris nas ruas da cidade.
Os carros são conduzidos de São Paulo para lá — a distância é de
1.900 Kms — pelos motoristas, enquanto os patrões percorrem o
trajeto de avião. As mansões de veraneio de milhares de dólares
ficam vazias o ano todo, mantidas por caseiros que se recusam a
falar com jornalistas, e só são ocupadas na alta temporada.
Foi nesse cenário bucólico que Lula foi descansar logo que se elegeu
presidente pela primeira vez em 2002. Jornalistas locais relataram
que o petista descansou na casa de um amigo em Punta Del Este por
alguns dias. Gostou do que viu.
— Em depoimento à Lava Jato, executivo da Odebrecht diz que Luís Cláudio recebeu propina da empreiteira por meio de sua empresa Touchdown Promoções —
— A delação levou o filho caçula de Lula ao Uruguai —
— Propina para Luís Cláudio viria de uma conta fora do País, onde a Odebrecht efetuava depósitos —
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O filho de Lula ao lado de dirigentes do Juventud de Las Piedras, time uruguaio no qual vai trabalhar |
Enquanto as autoridades brasileiras investigam indícios de que o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode ter uma mansão não
declarada em Punta del Este, no Uruguai, o filho mais novo dele se
adiantou e já arrumou um emprego no país vizinho. Luís Cláudio Lula da
Silva se articulou e conseguiu receber uma proposta de um clube de
futebol da primeira divisão uruguaia, o Juventud de Las Piedras, para
trabalhar nas categorias de base. Aceitou o pouco espontâneo convite e
foi apresentado como novo reforço em um evento do clube no dia
18.out.2016. Mas o motivo por trás da sua ida para o Uruguai pode não
ter nada a ver com esporte. Segundo apurou a reportagem, além de estar
comprometido em investigações da Operação Zelotes, Luís Cláudio aparece
na delação de executivos da Odebrecht. O caçula de Lula foi acusado por
Alexandrino de Alencar, ex-diretor da empreiteira, de receber propina
por meio de sua empresa Touchdown Promoções e Eventos Esportivos. Antes
de chegar à conta da empresa de Luis Cláudio, o dinheiro enviado pela
Odebrecht receberia antes o carimbo da Cervejaria Petrópolis, que é
sócia da empreiteira no mercado financeiro. A propina viria de uma conta
fora do País, onde a Odebrecht fazia o depósito, segundo Alexandrino.
Nada mais conveniente para o filho de Lula como sair de cena — ou ainda
melhor, do País — no momento em que o cerco se fecha em torno dele. A
contratação de Luís Cláudio pelo Juventud de Las Piedras foi possível
por meio de um vínculo entre o clube e a Organização das Nações Unidas
para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês), vinculada à
ONU. O presidente do clube, Yamandú Costa, esclareceu que o brasileiro
vai atuar em projetos desportivos e sociais do time. No Brasil, ele já
havia trabalhado em clubes como Corinthians e Palmeiras. Em entrevista a
um portal de notícias do Uruguai, Luís Cláudio afirmou que ainda não
tinha definido se vai levar de uma vez toda sua mudança para o país
vizinho. “Estamos considerando as possibilidades de viver aqui ou
continuar no Brasil, viajando frequentemente”, disse.
Mesmo distante do País natal, o caçula de Lula não deverá ser esquecido
pelas autoridades brasileiras tão cedo. Além dos relatos dos delatores
da Odebrecht, que o atingem em cheio, os pagamentos à sua empresa estão
sendo destrinchados pela equipe que conduz a Operação Zelotes, composta
por procuradores do Ministério Público Federal, policiais federais e
auditores da Receita. Há suspeita de que recursos pagos à empresa de
Luís Cláudio por um lobista possam ter sido propina para obter
favorecimentos no governo federal, mas os investigadores ainda buscam
identificar de que forma o filho de Lula poderia atuar pelos empresários
dentro do governo. A investigação ainda está em andamento e corre sob
sigilo. Segundo a PF, ele pode ter sido favorecido pelo pai, o
ex-presidente Lula, na contratação de sua empresa LFT Marketing
Esportivo para prestar consultoria ao lobista Mauro Marcondes. O
trabalho rendeu ao professor de Educação Física aproximadamente R$ 2,4
milhões entre 2014 e 2015. Os pagamentos foram detectados durante a
quebra dos sigilos de Luís Cláudio e da empresa dele no período de 2009 a
2015. Sua defesa argumenta que os serviços foram efetivamente prestados
e que não houve irregularidades.
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Alexandrino Alencar foi quem teria entregue esquema envolvendo filho do petista |
Em novembro, o MPF denunciou 16 pessoas na Zelotes sob acusação de
envolvimento na compra de medidas provisórias do governo federal. A
força-tarefa responsável pelo caso aponta a prática de crimes como
corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, organização criminosa e
extorsão. Entre os denunciados estão os proprietários da Marcondes e
Mautoni Empreendimentos, Mauro Marcondes e Cristina Mautoni, que
chegaram a ser presos. Na acusação, o MPF descreve que a atuação dos
dois sempre foi no sentido de patrocinar “interesses de particulares
junto ao Estado” e indica que eles agiram ilegalmente com o objetivo de
obter benefícios tributários para o setor automotivo. O juiz Vallisney
de Souza Oliveira condenou nove dos acusados, dentre eles Marcondes.
Em 2015, o ex-presidente uruguaio José Pepe Mujica relatou em livro confissão de Lula sobre o mensalão
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Com Mujica uma relação nem sempre amistosa |
Como ex-guerrilheiro, o líder uruguaio José Pepe Mujica sempre soube
guardar segredos. Porém, quando lançou uma espécie de biografia
autorizada, Mujica colocou Lula em maus lençóis. O ex-presidente
uruguaio disse que o petista “confessou” que sabia bem do que se tratava
o mensalão. A biografia sob o título “Uma oveja negra al poder” (Uma
ovelha negra no poder) foi fruto do trabalho de cinco anos dos
jornalistas Andrés Danza e Ernesto Tulbovitz, da revista “Busqueda”. O
uruguaio leu o livro antes de ser lançado. Em um dos trechos, Mujica
disse que teve uma conversa com Lula em Brasília no seu final do mandato
em 2010, quando o ex-presidente brasileiro lhe teria “confessado” a
compra de apoio parlamentar no mensalão. Lula teria dito a Mujica que
essa foi “a única forma de governar o Brasil” e que, enquanto
presidente, havia lidado com “coisas imorais e chantagens”. “Lula não é
um corrupto como Collor de Mello e outros ex-presidentes brasileiros”,
afirmando que o ex-presidente brasileiro viveu o episódio do mensalão
com “angustia e um pouco de culpa”, disse Mujica no livro.
Pressionado por Lula e pelo PT, Mujica tentou recuar, negando a frase de
que Lula teria confessado a existência do mensalão. Disse que não foi
ele quem escreveu o livro. Mas os jornalistas reafirmaram o que
escreveram. A relação ficou estremecida por um bom tempo. Os dois
ficaram meses sem se falar, mas amigos em comum se encarregaram de
refazer a ponte para o entendimento. Em março deste ano, Mujica voltou
ao Brasil. Em Foz do Iguaçu, afirmou que a Operação Lava Jato tem
interesses na “destruição do legado” do petista. “Há muita paixão
política e pode haver interesses em acabar com a carreira de Lula”,
disse Mujica. Lula entendeu a declaração como um gesto definitivo de
reconciliação.