Governo errou antes e depois dos protestos
Nos últimos dias, PT e Planalto
tentaram desqualificar manifestações
As cem mil pessoas que se uniram em um protesto que durou cerca de três horas debaixo de um calor insano em Porto Alegre |
O governo da presidente Dilma Rousseff conseguiu errar antes e
depois dos protestos de domingo (15.mar.2015) em todo o país.
Nos últimos dias e semanas, o PT e o Palácio do Planalto trabalharam
para tentar desqualificar previamente as marchas de protesto. Nas
redes sociais, simpatizantes dilmistas classificavam os
manifestantes de “elite branca”, “coxinhas”, “varanda gourmet” e
“almofadinhas”. A crítica mais benigna dos governistas era que
haveria pouca gente ou que apenas setores da classe média sairiam de
casa no domingo.
A forte adesão de centenas de milhares de pessoas destruiu os
argumentos petistas e do Planalto. Segundo informações, São Paulo
teve a maior manifestação política desde as Diretas-Já, em 1984.
Passadas as marchas, a presidente Dilma Rousseff falou com
repórteres. Mas o conteúdo ainda foi mais desalentador. Tudo somado,
não trouxe em sua fala nada que pudesse minimizar o mau humor de
brasileiros que estão protestando. Sem contar as velhas desculpas.
Ocorre que o governo federal é comandado pelo PT há 12 anos. Durante
algum tempo, o presidente no poder (Lula) teve mais de 80% de
aprovação popular. Quem conversa com os assessores de Dilma Rousseff
sente que o problema no momento parece ser a grande incapacidade do
Palácio do Planalto de reconhecer o que está se passando na
sociedade. E, em seguida, ter presença de espírito para fazer algum
tipo de autocrítica para reconquistar uma parte da confiança perdida
entre os brasileiros.
O país passa por um momento curioso do ponto de vista sociológico. A
demonstração de indignação se transformou quase numa forma de
relacionamento social. Os amigos vão ao restaurante, o garçom demora
para atender e em segundos alguém está falando alto: “É um absurdo.
O Brasil não dá mais. Nada funciona”. Pode-se gostar ou não dessa
atitude, mas cenas assim estão se tornando cada vez mais comuns.
O pior para quem está no governo é não entender esse “zeitgeist”,
esse espírito do tempo que parece estar tomando conta de parte da
sociedade brasileira, sobretudo nos grandes centros urbanos.
As imagens da TV mostraram desde cedo no domingo mais de uma dezena
de cidades com protestos de pessoas nas ruas. As TVs de notícias 24h
ficaram quase 100% do tempo com imagens dos atos públicos.
País de tradição abúlica, o Brasil tem poucos episódios de grandes
passeatas. Teve a direita em 1964. As Diretas-Já, em 1984/85. O
impeachment de Collor, em 1992. As jornadas de junho de 2013, que
protestaram contra quase tudo, principalmente contra a política
tradicional.
Como se observa na história, o Brasil às vezes passa 10 anos ou mais
entre um momento e outro de grandes protestos. Agora, essa distância
parece estar se estreitando. Menos de 2 anos depois das marchas de
junho de 2013 há um novo protesto generalizado. É um fato raro.
O Brasil não é a Argentina ou outros países latinos nos quais é
comum a população ir às ruas reclamar.
O que se passou neste domingo – sem fazer juízo de valor sobre
determinadas propostas que apareciam nas faixas dos manifestantes –
tem grande relevância política.
Goste ou não dos manifestantes, o governo Dilma às vezes demonstra
não entender que a tessitura do grupo que foi às ruas neste 15 de
março é muito semelhante à das massas que fizeram as Diretas-Já e o
impeachment de Collor.
Sem uma reação melhor, do que a que ocorreu até o momento, será
difícil a presidente Dilma se recuperar politicamente, socialmente e
economicamente.
E o que se ouve à sombra não é animador.
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