quarta-feira, 10 de outubro de 2018



Eleitor brasileiro chuta o balde, toca fogo no circo da política e o ativismo do PT continua, apenas, querendo trocar o slogan — ‘nós contra eles’ por ‘todos contra ele’ —






O PT chega ao segundo turno da eleição presidencial pedindo a compreensão de todos para formar uma “frente democrática” de combate a Bolsonaro, personagem que o partido mesmo ajudou a criar com suas cleptogestões e seus pendores hegemônicos.
Para que a “frente democrática” do PT vingasse, o partido teria de levar ao prato da balança meio quilo de autocrítica. Haddad teria que desdizer coisas que acabou de declarar no primeiro turno. Descartou, por exemplo, um mea-culpa pelo mensalão e o petrolão. Alegou que os crimes só vieram à tona porque os governos petistas fortaleceram os órgãos de controle, a Procuradoria e o Judiciário. Declarou que a petrorroubalheira nasceu na ditadura.
Para Haddad, a recessão e o desemprego não são obras do governo empregocida de Dilma. O fiasco seria decorrência de sabotagens de tucanos, que se uniram a Eduardo Cunha para implodir a gestão Dilma. De resto, Haddad não considera Lula como um corrupto de segunda instância. Ele o vê como uma inocente criatura, perseguida pela Procuradoria e pelo Judiciário.
Ou Haddad reconhece que o PT assaltou e permitiu que assaltassem os cofres públicos ou ficará entendido que o crime pode se repetir com sua chegada ao Planalto. Ou o candidato admite que Dilma foi um desastre ou a plateia ficará autorizada a suspeitar que haveria um replay num hipotético governo de Haddad.
Sem um mínimo de simancol do PT, a tal “frente democrática” ganhará a aparência instantânea de um pacto contra a lógica econômica e a probidade administrativa. A essa altura, Jair Bolsonaro já deve ter acendido uma vela pelo sucesso do plano do PT de trocar o ‘nós contra eles’ pelo ‘todos contra ele’.

Desde que os políticos brasileiros deflagraram um movimento suprapartidário de blindagem de corruptos e manutenção de privilégios, esperava-se pelo sinal de que o fim estava próximo. Aguardava-se pelo fato que levaria todos a exclamar: “Finalmente!” O dia chegou.
A data de 7 de outubro de 2018 será lembrada nos livros de história como o dia em que o eleitor brasileiro chutou o balde de lama. De olhos fechados para todos os recados emitidos pelas ruas nos últimos cinco anos, a política tradicional do Brasil teve a grandeza da vista curta, a beleza dos interesses mesquinhos, a sabedoria das toupeiras e o apetite dos roedores. Os políticos se apaixonaram incondicionalmente pelo caos. Foram 100% correspondidos pelas urnas desta histórica eleição de 2018.
Quando alguém chuta um balde de lama, o resultado é feio de se ver. Temos um país trincado, prestes a escolher um presidente pela rejeição, não pela preferência. Temos também um Congresso diferente que muitos duvidam que será melhor. Mas temos algo transcende a tudo: o eleitor brasileiro ressuscitou. E ao renascer se deu conta de que a indignação pode ser melhor do que a indiferença. Pode dar errado, como tudo na vida. Mas o voto será um extraordinário corretivo.

Dizer que o 7 de outubro de 2018 foi o mais eloquente recado enviado pelas urnas à oligarquia política desde a redemocratização do Brasil é pouco. Houve algo bem mais grave: o eleitor tocou fogo no circo. Foi como se quisesse deixar claro que não tem vocação para palhaço. As urnas carbonizaram parte do elenco que reagia à Lava Jato com malabarismo verbal, trapezismo ideológico e ilusionismo.
Desde 2014, quando a operação foi deflagrada, os oligarcas partidários cultivavam a fantasia de que seria possível “estancar a sangria”. Gente poderosa preparava para depois da abertura das urnas uma investida congressual para transformar propinas em caixa dois. O eleitor arrancou o nariz vermelho, jogou longe o colarinho folgado, livrou-se dos sapatos grandes e riscou o fósforo.

Houve avanços significativos contra a corrupção: pelo menos uma dezena de envolvidos graúdos na Lava Jato perderam o foro privilegiado. Cerca de uma dezena de senadores do movimento Unidos Contra a Corrupção se elegeram. Além disso, movimentos de renovação apartidários elegeram vários candidatos — o RenovaBR, por exemplo, elegeu 16 candidatos.
Podemos não ter o Congresso dos sonhos, mas não se trata agora de ter o congresso dos sonhos e sim de ajudar a construir o melhor país possível com os eleitos. O único caminho para um país melhor é o da política, da luta contra a corrupção e da democracia.

Quando o desalento foi às ruas, a partir de junho de 2013, as broncas do brasileiro englobaram causas variadas — do horror à ruína de Dilma ao clamor pela volta da ditadura. Naquela ocasião, os queremistas da intervenção militar eram uma minoria na multidão. Em 2014, sobreveio a Lava Jato. Dilma reelegeu-se por pequena margem de votos.
A partir de 2015, o asfalto passou a roncar pelo impeachment. As manifestações eram menores que as de 2013. Até por essa razão, ficou mais fácil notar a presença de personagens até então vistos como folclóricos. Jair Bolsonaro deixou-se fotografar com uma camiseta na qual se lia: “Direita já”. Na foto, ele era carregado por admiradores.
Nessa mesma época, Lula, o PT e seus satélites engrossaram a pregação segundo a qual a Lava Jato criminalizou a política.
Ao tocar fogo no circo, o eleitor sinalizou que pensa de outra maneira: quem criminalizou a política foram os criminosos. Culpar os investigadores é como responsabilizar a radiografia pela doença.
Graças ao excesso de malabarismo, o “Direita Já” da camiseta de Bolsonaro deixou de ser uma reivindicação. Ganhou ares de constatação. Nas próximas semanas, os críticos da Lava Jato dirão que a operação tirou a ultradireita do armário. Chamarão Bolsonaro de neo-Trump. Recordarão que, na Itália, a Operação Mãos Limpas levou ao poder Silvio Berlusconi. E esquecerão de lembrar — ou lembrarão de esquecer — que Lula tornou-se o principal cabo eleitoral de Bolsonaro ao criar, na cadeia, a figura do presidenciável-laranja.




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