WhatsApp revoluciona pensamento petista
A notícia de que empresários financiam ilegalmente o envio massivo de
mensagens anti-PT via WhatsApp revolucionou o pensamento do Partido dos
Trabalhadores sobre as prisões, as delações e o trabalho da imprensa. Em
menos de 24 horas tudo o que o partido considerava como afronta ao
Estado Democrático de Direito nos quatro anos e meio de duração da Lava
Jato passou a ser legal, necessário e urgente.
Em sua primeira manifestação sobre o caso, o presidenciável petista
Fernando Haddad disse que o rival Jair Bolsonaro “deixou rastro” que
permite vinculá-lo ao esquema de difusão de mensagens. Implacável,
Haddad defendeu o uso da prisão como meio de obtenção de confissões.
Mesmo que disponha, por ora, apenas de uma notícia de um jornal que o
petismo incluía até ontem no rol da “mídia golpista”.
“Se você prender um empresário desses, ele vai fazer delação premiada”,
declarou Haddad. “Basta prender um empresário que vai ter delação
premiada e vão entregar a quadrilha toda. Nós estamos falando de 20 a 30
empresários envolvidos nesse esquema. Se prender um, em menos de dez
dias a gente vai ter a relação de todos os empresários que estão
financiando com caixa dois uma campanha difamatória.”
No petrolão, o PT condena as prisões mesmo quando são precedidas de
meticulosos inquéritos. Em junho de 2015, a Executiva Nacional da
legenda divulgou uma resolução para manifestar sua preocupação com as
consequências do “prejulgamento de empresas acusadas no âmbito da
Operação Lava-Jato”.
A manifestação do PT ocorreu cinco dias depois do encarceramento
preventivo dos executivos das duas maiores empreiteiras do país: Marcelo
Odebrecht, da empresa que leva o sobrenome de sua família, e Otávio
Azevedo, da Construtora Andrade Gutierrez. Hoje, sabe-se que ambos
estavam lambuzados com o óleo queimado da Petrobras até o último fio de
cabelo.
No item de número quatro, o texto da resolução do PT desautoriza prisões
como as que Haddad passou a defender: “Se o princípio de presunção de
inocência é violado, se o espetáculo jurídico-político-midiático se
sobrepõe à necessária produção de provas para inculpar previamente réus e
indiciados; se as prisões preventivas sem fundamento se prolongam para
constranger psicologicamente e induzir denúncias, tudo isso que se passa
às vistas da cidadania, não é a corrupção que está sendo extirpada. É
um Estado de exceção sendo gestado em afronta à Constituição e à
democracia”.
Dias depois da divulgação da resolução petista, ainda em junho de 2015, a
então presidente Dilma Rousseff torpedeou numa entrevista o instituto
da delação premiada, incluído numa lei que ela própria havia sancionado.
Um dos delatores da Lava Jato, o empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da
UTC, informara em depoimento que fizera repasses ilegais à campanha de
Dilma à reeleição, em 2014. E ela: “Não respeito delator, até porque
estive presa na ditadura militar e sei o que é. Tentaram me transformar
numa delatora (…) e garanto que resisti bravamente”.
Não bastasse o ataque a um mecanismo que se revelou vital para o êxito
do combate à corrupção, Dilma misturou democracia com ditadura. Deu de
ombros para o fato de que a delação que sancionara, longe de
assemelhar-se à tortura, é uma ferramenta que a legislação oferece à
defesa dos encrencados. É uma oportunidade que o criminoso tem de trocar
a confissão por benefícios penais.
No mês passado, o próprio Haddad foi denunciado pelo Ministério Público
paulista com base numa delação do mesmo empreiteiro Ricardo Pessoa.
Acusaram-no de corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa. De
acordo com a denúncia, Haddad recebeu da UTC propina de R$ 2,6 milhões
para pagamento de dívida contraída durante sua campanha à prefeitura de
São Paulo, em 2012.
A exemplo de Dilma, Haddad desqualificou o delator. O adjetivo mais
brando que utilizou foi “mentiroso”. Em nota, o comitê de campanha do PT
esculachou também o Ministério Público: “Surpreende que, no período
eleitoral, uma narrativa do empresário Ricardo Pessoa, da UTC, sem
qualquer prova, fundamente três ações propostas pelo Ministério Público
de São Paulo contra o ex-prefeito e candidato a vice-presidente da
República, Fernando Haddad”.
No episódio das mensagens de WhatsApp, cuja divulgação é atribuída a
empresários a serviço de Bolsonaro, o PT é bem mais rigoroso. Trata o
noticiário da ex-mídia golpista como elemento de prova: “Reportagem da
Folha de S.Paulo desta quinta-feira (18.out.2018) confirma o que o PT
vem denunciando ao longo do processo eleitoral: a campanha do deputado
Jair Bolsonaro recebe financiamento ilegal e milionário de grandes
empresas para manter uma indústria de mentiras na rede social WhatsApp”,
escreveu o partido em texto veiculado no seu site.
Está em jogo agora, segundo o novo conceito do PT, “a sobrevivência do
processo democrático”. A legenda tem razão. O surpreendente é que, no
ano passado, o PT pediu e obteve no Tribunal Superior Eleitoral o
arquivamento da denúncia de abuso de poder econômico praticado pela
chapa Dilma Rousseff-Michel Temer na eleição de 2014.
O processo foi arquivado por excesso de provas. Por um placar apertado —
4 votos a 3 — os ministros do TSE decidiram enterrar evidências vivas
de que a Odebrecht pagara com dinheiro sujo da Petrobras o marketing que
moeu adversários do PT como Marina Silva e produziu o estelionato
eleitoral que reconduziu Dilma e Temer ao Planalto.
Nessa época, o PT não via no financiamento ilegal de campanhas um risco
ao “processo democrático”. Fraude mesmo, alardeou a legenda neste ano de
2018, é uma eleição sem Lula, um político preso que o PT tentou, sem
sucesso, transformar em “preso político”. Não é à toa que Jair Bolsonaro
está prestes a ser eleito pela maior força política existente no país: o
antipetismo. Em matéria criminal, o PT é capaz de quase tudo, menos de
oferecer algo que se pareça com um mea-culpa.
Pesquisas antecipam o fim da hegemonia lulista
Nas últimas quatro sucessões presidenciais, Lula mandou e, sobretudo,
desmandou no poder federal. Elegeu-se duas vezes. E transformou Dilma
Rousseff num conto do vigário no qual o eleitorado caiu um par de vezes.
Esse poder hegemônico de Lula, informam todas as pesquisas, está com os
dias contados. Acabará no próximo dia 28 de outubro.
Deve-se o infortúnio de Lula ao próprio Lula, que conseguiu converter
Fernando Haddad, seu segundo poste, em candidato favorito a transformar
Jair Bolsonaro no próximo presidente da República. Lula escolheu seu
próprio caminho para o inferno ao imaginar que poderia prevalecer
impondo uma nova solução doméstica petista.
Preso, Lula sabia que sua foto dificilmente estaria na urna de 2018.
Poderia ter transferido eleitores para um candidato fora dos quadros do
PT. Tinha em Ciro Gomes uma versão livre do contágio da Lava Jato. Mas
preferiu a aposta mais arriscada. Ao lançar um poste do PT, descobriu
que o antipetismo é, hoje, mais forte que o lulismo. Lula chega ao fim
da sua era como cabo eleitoral da ultradireita.
Divulgada a dez dias do segundo turno, a nova pesquisa do Datafolha deu à
sucessão presidencial uma aparência de jogo jogado. O staff de Jair
Bolsonaro mal consegue conter a euforia. Como sua liderança não chegou a
ser colocada em xeque por Fernando Haddad, o capitão aproxima-se do
Planalto como se recebesse um cheque em branco do eleitorado. Engano.
O principal atributo de campanhas como a de Bolsonaro, que irradiam um
imaginário forte, é ter rompido com a situação anterior, dando a
impressão de que nada será como antes. Não é pouca coisa. Foi à cova no
primeiro turno aquele PSDB que se oferecia como polo de poder há seis
sucessões. Vão à lona no segundo round o petismo e, sobretudo, o
lulismo.
No momento, o eleitor mostra-se pago e satisfeito com a retórica de
Bolsonaro, feita de probidade, segurança e prosperidade. Mas a situação é
mais complexa. Tão complexa que ficou simples como o ABC. A, o programa
aguado de Bolsonaro produz alta expectativa; B, a boa vontade virará
cobrança em janeiro; C, a corrosão da legitimidade do eleito crescerá à
medida que o eleitor for percebendo que o único lugar onde o sucesso vem
antes do trabalho é o dicionário.
Bolsonaro coleciona no Datafolha 59% das intenções de votos válidos,
contra 41% atribuídos a Haddad. O petismo já se dedica à produção de
teorias para explicar a derrota. O exercício é tão inevitável quanto
inútil, pois não produz a hecatombe que seria necessária para engolir
até 28 de outubro os 18 pontos percentuais que separam o substituto de
Lula do seu algoz.
Um detalhe potencializa o desafio de Bolsonaro. O resultado da eleição
será marcado não pela preferência, mas pela rejeição do eleitorado.
Subiu para 54% a taxa de eleitores que declaram que jamais votariam em
Haddad. Quer dizer: o capitão será empurrado para a cadeira de
presidente pela maior força política da temporada: o antipetismo.
O índice de rejeição a Bolsonaro diminuiu. Mas continua enorme: 41%.
Significa dizer que não haverá na plateia muita gente com disposição
para aplaudir um governo que não entregue rapidamente a mudança que
prometeu.
Do ponto de vista econômico, a aura de Bolsonaro já tem dono: o
liberalismo do economista Paulo Guedes. Que esbarrará no fisiologismo do
Legislativo. Do ponto de vista político, seu governo precisa virar o
sistema do avesso. Fácil de prometer. Difícil de executar.
Em condições normais, o eleitor talvez se esforçasse para distinguir
políticos melhores e piores. Mas os gatunos ficaram ainda mais pardos
depois que a Lava Jato transformou a política em mais uma ramificação do
crime organizado. Depois que o governo empregocida de Dilma Rousseff
foi sucedido pela cleptogestão de Michel Temer, a ideologia do eleitor
tornou-se uma espécie de radicalismo retrógrado, movido a fúria,
desinformação e inconsequência. Deu em Bolsonaro.
Jogando parado, Bolsonaro avisou que não irá a nenhum debate, embora os
médicos o tenham liberado. Segundo o Datafolha, 73% dos eleitores
avaliam que ele deveria duelar com Haddad diante das câmeras.
Entretanto, 76% declaram que não cogitam modificar o voto por causa de
debates. Nesse contexto, a fuga parece um grande negócio para o
favorito. Mas essa percepção só é válida até certo ponto. O ponto de
interrogação.
É verdade que há algo de sádico na forma como os candidatos são
expostos, questionados, insultados e até ridicularizados nos debates.
Neste segundo turno de 2018, a perversão ganharia nova dimensão, pois um
dos contendores convalesce de duas cirurgias provocadas por uma facada.
Mas o sadismo não seria necessário apenas para o esclarecimento de
eleitores que parecem dar de ombros para o contraditório. Valeria mais
pela educação democrática que propiciaria a um candidato com pendores
autocráticos. O mesmo Datafolha que coloca Bolsonaro a um milímetro da
poltrona de presidente da República já revelou que sete em cada dez
brasileiros enxergam a democracia como o melhor sistema de governo.
É mais uma evidência de que, eleito, Bolsonaro não vai dispor de um
cheque em branco do eleitorado. Tiros para o alto ou murros na mesa não
serão aceitáveis. O capitão terá de aprender a negociar. Algo que jamais
fez nos seus quase 28 anos de Parlamento.
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