Eleitor brasileiro chuta o balde, toca fogo no circo da política e o ativismo do PT continua, apenas, querendo trocar o slogan — ‘nós contra
eles’ por ‘todos contra ele’ —
O PT chega ao segundo turno da eleição presidencial pedindo a
compreensão de todos para formar uma “frente democrática” de combate
a Bolsonaro, personagem que o partido mesmo ajudou a criar com suas
cleptogestões e seus pendores hegemônicos.
Para que a “frente democrática” do PT vingasse, o partido teria de
levar ao prato da balança meio quilo de autocrítica. Haddad teria
que desdizer coisas que acabou de declarar no primeiro turno.
Descartou, por exemplo, um mea-culpa pelo mensalão e o petrolão.
Alegou que os crimes só vieram à tona porque os governos petistas
fortaleceram os órgãos de controle, a Procuradoria e o Judiciário.
Declarou que a petrorroubalheira nasceu na ditadura.
Para Haddad, a recessão e o desemprego não são obras do governo
empregocida de Dilma. O fiasco seria decorrência de sabotagens de
tucanos, que se uniram a Eduardo Cunha para implodir a gestão Dilma.
De resto, Haddad não considera Lula como um corrupto de segunda
instância. Ele o vê como uma inocente criatura, perseguida pela
Procuradoria e pelo Judiciário.
Ou Haddad reconhece que o PT assaltou e permitiu que assaltassem os
cofres públicos ou ficará entendido que o crime pode se repetir com
sua chegada ao Planalto. Ou o candidato admite que Dilma foi um
desastre ou a plateia ficará autorizada a suspeitar que haveria um
replay num hipotético governo de Haddad.
Sem um mínimo de simancol do PT, a tal “frente democrática” ganhará
a aparência instantânea de um pacto contra a lógica econômica e a
probidade administrativa. A essa altura, Jair Bolsonaro já deve ter
acendido uma vela pelo sucesso do plano do PT de trocar o ‘nós
contra eles’ pelo ‘todos contra ele’.
Desde que os políticos brasileiros deflagraram um movimento
suprapartidário de blindagem de corruptos e manutenção de
privilégios, esperava-se pelo sinal de que o fim estava próximo.
Aguardava-se pelo fato que levaria todos a exclamar: “Finalmente!” O
dia chegou.
A data de 7 de outubro de 2018 será lembrada nos livros de história
como o dia em que o eleitor brasileiro chutou o balde de lama. De
olhos fechados para todos os recados emitidos pelas ruas nos últimos
cinco anos, a política tradicional do Brasil teve a grandeza da
vista curta, a beleza dos interesses mesquinhos, a sabedoria das
toupeiras e o apetite dos roedores. Os políticos se apaixonaram
incondicionalmente pelo caos. Foram 100% correspondidos pelas urnas
desta histórica eleição de 2018.
Quando alguém chuta um balde de lama, o resultado é feio de se ver.
Temos um país trincado, prestes a escolher um presidente pela
rejeição, não pela preferência. Temos também um Congresso diferente
que muitos duvidam que será melhor. Mas temos algo transcende a
tudo: o eleitor brasileiro ressuscitou. E ao renascer se deu conta
de que a indignação pode ser melhor do que a indiferença. Pode dar
errado, como tudo na vida. Mas o voto será um extraordinário
corretivo.
Dizer que o 7 de outubro de 2018 foi o mais eloquente recado enviado
pelas urnas à oligarquia política desde a redemocratização do Brasil
é pouco. Houve algo bem mais grave: o eleitor tocou fogo no circo.
Foi como se quisesse deixar claro que não tem vocação para palhaço.
As urnas carbonizaram parte do elenco que reagia à Lava Jato com
malabarismo verbal, trapezismo ideológico e ilusionismo.
Desde 2014, quando a operação foi deflagrada, os oligarcas
partidários cultivavam a fantasia de que seria possível “estancar a
sangria”. Gente poderosa preparava para depois da abertura das urnas
uma investida congressual para transformar propinas em caixa dois. O
eleitor arrancou o nariz vermelho, jogou longe o colarinho folgado,
livrou-se dos sapatos grandes e riscou o fósforo.
Houve avanços significativos contra a corrupção: pelo menos uma
dezena de envolvidos graúdos na Lava Jato perderam o foro privilegiado.
Cerca de uma dezena de senadores do movimento Unidos Contra a Corrupção
se elegeram. Além disso, movimentos de renovação apartidários elegeram
vários candidatos — o RenovaBR, por exemplo, elegeu 16 candidatos.
Podemos não ter o Congresso dos sonhos, mas não se trata agora de ter o
congresso dos sonhos e sim de ajudar a construir o melhor país possível
com os eleitos. O único caminho para um país melhor é o da política, da
luta contra a corrupção e da democracia.
Quando o desalento foi às ruas, a partir de junho de 2013, as broncas do
brasileiro englobaram causas variadas — do horror à ruína de Dilma ao
clamor pela volta da ditadura. Naquela ocasião, os queremistas da
intervenção militar eram uma minoria na multidão. Em 2014, sobreveio a
Lava Jato. Dilma reelegeu-se por pequena margem de votos.
A partir de 2015, o asfalto passou a roncar pelo impeachment. As
manifestações eram menores que as de 2013. Até por essa razão, ficou
mais fácil notar a presença de personagens até então vistos como
folclóricos. Jair Bolsonaro deixou-se fotografar com uma camiseta na
qual se lia: “Direita já”. Na foto, ele era carregado por admiradores.
Nessa mesma época, Lula, o PT e seus satélites engrossaram a pregação segundo a qual a Lava Jato criminalizou a política.
Ao tocar fogo no circo, o eleitor sinalizou que pensa de outra maneira:
quem criminalizou a política foram os criminosos. Culpar os
investigadores é como responsabilizar a radiografia pela doença.
Graças ao excesso de malabarismo, o “Direita Já” da camiseta de
Bolsonaro deixou de ser uma reivindicação. Ganhou ares de constatação.
Nas próximas semanas, os críticos da Lava Jato dirão que a operação
tirou a ultradireita do armário. Chamarão Bolsonaro de neo-Trump.
Recordarão que, na Itália, a Operação Mãos Limpas levou ao poder Silvio
Berlusconi. E esquecerão de lembrar — ou lembrarão de esquecer — que
Lula tornou-se o principal cabo eleitoral de Bolsonaro ao criar, na
cadeia, a figura do presidenciável-laranja.
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