Conceder reajuste ao STF agora seria escárnio e pode empurrar a folha de pagamento de tribunais estaduais para ilegalidade
Os ministros do Supremo Tribunal Federal querem elevar seus vencimentos
de R$ 33,7 mil para R$ 39,2 mil. A reivindicação desafia a paciência dos
12 milhões de brasileiros que tiveram seus contracheques mastigados
pela crise — amargam o desemprego. Os salários das togas do Supremo
servem de referência para outras remunerações de servidores. Quando
sobem, puxam os demais.
No final da descida da cascata, a coisa custará algo como R$ 5 bilhões
por ano. Ou R$ 15 bilhões até 2019. Que totalizarão R$ 73 bilhões quando
somados aos R$ 58 bilhões do pacote de reajustes que Michel Temer já
concedeu a 14 categorias de servidores. No caso do Supremo, o valor do
reajuste foi sugerido pelos próprios beneficiários. A aprovação cabe à
Câmara e ao Senado. A sanção, ao presidente da República.
Na Câmara, 2 em cada 10 deputados estão pendurados em processos que
aguardam julgamento no Supremo. No Senado, 4 em cada 10 senadores estão
na mesma situação. No Planalto, há um presidente interino cuja
efetivação depende do resultado de um julgamento que é comandado no
Senado pelo presidente do STF, o ministro Ricardo Lewandowski.
Quer dizer: convertido em sindicato de si mesmo, o Supremo pede a um
Legislativo imundo e a um Executivo provisório que lhe conceda o
reajuste que o próprio tribunal estipulou. Ninguém disse ainda, talvez
por medo, mas esse processo se assemelha muito a uma chantagem.
Como em qualquer reivindicação salarial, há bons argumentos em sua
defesa, sobretudo num país inflacionário. A questão é que o Estado
brasileiro quebrou. Os magistrados não são obrigados a permanecer no
tribunal. Se preferirem, podem trocar o salário 20 vezes acima da média
remuneratória do país e a segurança do serviço público pelos lucros e
incertezas da atividade privada. Só não podem injetar escárnio na crise.
Efeito cascata — Levantamento feito pela Consultoria de Orçamento
do Senado revela que a eventual aprovação do projeto que reajusta o
salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal pode empurrar para a
ilegalidade as folhas salariais de tribunais de Justiça de pelo menos
sete Estados. Incluindo-se na análise o Ministério Público e os
tribunais de contas estaduais, o risco de desrespeito aos limites legais
para despesas com salários pode se repetir em 17 Estados.
O subsídio dos ministros do STF é um dos mais importantes parâmetros
remuneratórios do país em função das várias vinculações constitucionais,
que geram o chamado ‘efeito cascata’ tanto no âmbito da própria União
como nos demais entes federados. Dito de outro modo: quando sobem, os
contracheques das togas do Supremo levam junto as remunerações de
legiões de servidores, dentro e fora do Poder Judiciário.
No caso dos tribunais de Justiça dos Estados, a repercussão do reajuste
do Supremo é imediata. Isso ocorre por força de resolução do Conselho
Nacional de Justiça. O problema é que vários desses tribunais flertam
com o desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal, que limita as
despesas com a folha do Judiciário a 6% da RCL, sigla de Receita
Corrente Líquida dos Estados.
Abra-se aqui um parêntese: em verdade, a realidade já é mais grave do
que parece. Os números disponíveis no Sistema de Informações Contábeis e
Fiscais do Setor Público Brasileiro (SICONFI) não incluem gratificações
e mordomias que, embora incluídas no contracheque dos magistrados, não
são computadas como despesas salariais. Fecha parêntese.
Situação semelhante também é observada com relação aos Tribunais de
Contas estaduais [órgãos auxiliares das Assembleias Legislativas].
Tribunais de Contas já apresentam despesas com pessoal acima do limite
máximo fixado [pela Lei de Responsabilidade Fiscal].
Há mais e pior: No caso dos Ministério Públicos estaduais, a situação é
ainda mais grave. Mais da metade dos Estados que apresentam informações
fiscais disponíveis já estão com despesas de pessoal de seus Ministérios
Públicos acima do limite de alerta.
O reajuste dos salários dos ministros do Supremo resultará em um impacto
bilionário nas contas públicas da União, dos Estados e dos Municípios.
Um detalhe potencializa a proposta: A partir da sua aprovação, abre-se a
porta para que sejam reajustados todos os demais salários no setor
público, inclusive os salários de deputados e senadores, o que sabemos,
historicamente acontece em um segundo momento.
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