CRISE ORÇAMENTÁRIA DAS AGÊNCIAS DE FOMENTO DA CIÊNCIA BRASILEIRA — Cortes orçamentários e contingenciamentos deixam as duas principais agências federais de fomento à pesquisa e à inovação (CNPq e Finep) sem recursos para novos investimentos.
Pesquisas biomédicas estão entre as afetadas pela crise do setor |
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
principal agência de fomento à pesquisa do governo federal, está “à
míngua”, nas palavras do presidente da Academia Brasileira de Ciências
(ABC), Luiz Davidovich. Praticamente todo o orçamento da entidade está
comprometido com o pagamento de bolsas, restando quase nada para
investimento em pesquisa.
Dos R$ 594 milhões executados pelo CNPq no primeiro semestre deste ano,
98,5% foram para bolsas e apenas 1,5% para fomento. E ainda assim, a
agência foi obrigada a suspender a concessão de bolsas de pós-graduação
no exterior e cortar 20% das bolsas de iniciação científica previstas
para os próximos dois anos.
O orçamento total aprovado para este ano é de R$ 1,5 bilhão, mas 30%
desse valor está contingenciado. O que a agência pode gastar de fato é
pouco mais de R$ 1 bilhão — 45% menos do que em 2006 e 63% menos do que
em 2010, em valores corrigidos e excluindo-se o programa Ciência sem
Fronteiras, segundo os dados oficiais solicitados pela reportagem.
“O CNPq perdeu totalmente a liberdade de pensar. O sistema todo tem de
correr atrás todos os meses para pagar bolsas”, disse em julho o
presidente da agência, Hernan Chaimovich, durante uma palestra na última
reunião anual da SBPC, em Porto Seguro (BA). O valor que o CNPq
precisaria para “ser feliz e estimular a ciência” no Brasil, segundo
ele, seria R$ 3,7 bilhões. “Não há uma política consistente de
investimento em ciência e tecnologia nesse país, ponto”, disse
Chaimovich. Procurado novamente para esta reportagem, ele preferiu não
dar entrevista, redirecionando a demanda para o ministro Gilberto Kassab
— que reconheceu a gravidade da situação e disse estar empenhado em
conseguir mais recursos para o setor.
Em 2015, o valor investido em fomento pelo CNPq já havia caído 46% em
relação a 2014, passando de R$ 104,8 milhões para R$ 56,4 milhões. Em
comparação com 2010, essa queda foi de quase 80%, em valores corrigidos.
A agência tem um saldo a pagar de R$ 230 milhões, referente a mais de 40
editais lançados desde 2010 que ainda não foram quitados, incluindo uma
parcela de R$ 68,8 milhões da Chamada Universal de 2014 — o mais
tradicional edital da ciência nacional, que em 2015 nem chegou a ser
lançado, por falta de recursos.
Os novos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), que
deveriam estar sendo implementados desde abril de 2015, também seguem na
fila de espera por recursos para serem criados. Um total de 252
projetos foram selecionados e anunciados em maio deste ano (com 14 meses
de atraso), distribuídos por todos os estados brasileiros e abordando
diversas áreas do conhecimento, porém sem valores especificados nem data
prevista de implementação. O edital, lançado em junho de 2014, previa
um investimento de R$ 100 milhões do orçamento do CNPq, mais R$ 540
milhões de outras agências de fomento federais e estaduais — todas elas,
também, com dificuldade orçamentária, impedindo a implementação desse
programa, que é considerado um dos mais estratégicos para o
desenvolvimento científico e tecnológico do país.
Programas importantes da agência na área ambiental, como o Programa
Antártico Brasileiro (Proantar), o Programa de Pesquisa em
Biodiversidade (PPBio) e o Programa de Pesquisa Ecológica de Longa
Duração (PELD), tiveram reduções drásticas de financiamento. “Falta ao
ministério uma visão moderna da importância das ciências da
biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos. Cortar a verba de
programas que exigem longa duração para gerarem informações básicas
sobre a biodiversidade brasileira é matar a possibilidade de começarmos a
transformar este tesouro em uma fonte estratégica de recursos e
melhoria de qualidade de vida da população”, critica o pesquisador
Carlos Joly, da Universidade Estadual de Campinas.
Há também uma crise de recursos humanos. O CNPq perdeu cerca de 120
funcionários nos últimos cinco anos, com uma média de 15 a 20
aposentadorias por ano e sem perspectiva de novas contratações. “Nesse
ritmo o CNPq perderá a sua reconhecida eficiência e entrará em colapso
em dois anos”, diz um gestor do órgão.
FINEP — A situação é crítica também na Finep, empresa pública de fomento
à pesquisa e à inovação, que administra os recursos do Fundo Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) — maior fonte de
recursos para infraestrutura científica no Brasil, tanto no setor
público quanto privado. O orçamento do fundo para este ano, de R$ 1,96
bilhão, é 50% menor do que em 2015 (em valores corrigidos) e a proposta
do governo para 2017 é cortá-lo novamente pela metade, chegando a R$ 982
milhões.
Isso, apesar de a arrecadação anual do FNDCT permanecer constante, na
casa dos R$ 3,7 bilhões, e de a Finep ter um saldo a pagar de R$ 2
bilhões, referente a vários editais já contratados nos últimos anos. O
número de contratos assinados pela Finep com empresas em 2015 foi o
menor desde 2006; e o edital Proinfra 2014, no valor de R$ 400 milhões,
destinado a compra e manutenção de equipamentos de pesquisa, teve seu
resultado adiado em mais de um ano, de agosto de 2015 para outubro deste
ano, por falta de recursos.
O orçamento atual “não dá nem para cobrir os restos a pagar dos anos
anteriores”, disse o presidente da Finep, Wanderley de Souza, em
palestra na reunião anual da SBPC, em julho. “Permite continuar o que
estamos fazendo, mas não lançar coisas novas.” Procurado novamente para
esta reportagem, Souza preferiu não dar entrevista.
“O orçamento de 2016 e a proposta orçamentária para 2017 não são
suficientes para fazer frente aos compromissos já assumidos — projetos
contratados em 2016 e em anos anteriores”, informou a assessoria de
comunicação da Finep. “Neste cenário, não há espaço para novas
iniciativas. No entanto, o presidente (Wanderley Souza) está otimista
quanto às ações do ministro Kassab no sentido de ampliar o orçamento.”
O FNDCT é abastecido anualmente com recursos oriundos de vários setores
da indústria (por exemplo, de impostos sobre a exploração de recursos
hídricos e minerais), e seus recursos deveriam, por lei, ser investidos
integralmente em ciência e tecnologia. Mas não é o que acontece. Ao
longo dos últimos anos, os recursos do FNDCT foram sistematicamente
contingenciados pelo governo federal para manutenção do superávit
primário. Uma larga fatia do fundo também foi usada para bancar o
programa Ciência sem Fronteiras.
“Isso é desvio de finalidade. Estão coletando impostos para uma
finalidade e aplicando em outra”, diz Davidovich. “É um tipo de
pedalada. Tenho até dúvidas sobre a legalidade disso.”
A Academia Brasileira de Ciências, a SBPC, a Associação Nacional de
Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei) e outras
entidades do setor enviaram um carta conjunta ao Congresso Nacional no
dia 23, pedindo o descontingenciamento do fundo.
“É fundamental que o orçamento do FNDCT para 2017 permita a utilização
plena dos recursos que serão arrecadados, de modo a se reverter o grave
quadro atual”, diz o documento. As entidades ressaltam que não estão
pedindo aumento de recursos, “mas sim que os recursos oriundos dos
Fundos Setoriais e do FNDCT não sejam negados a seus legais e legítimos
fins: projetos de pesquisa do interesse do País, manutenção e
aperfeiçoamento da infraestrutura de pesquisa, concessão de bolsas de
pesquisa, financiamento às atividades de inovação de empresas
brasileiras”.
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