Reino Unido: Governo de Theresa May debilitado — responsável pela ajuda aos territórios palestinos omitiu a May reuniões secretas com líderes israelitas
Priti Patel |
Priti Patel, ministra britânica para o Desenvolvimento Internacional,
apresentou na quarta-feira (08.nov.2017) a sua demissão depois de, por
várias vezes, ter omitido que aproveitou o pretexto de férias familiares
em Israel para se encontrar com vários governantes, incluindo o
primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, à revelia do corpo diplomático e
sem informar Theresa May. Em menos de uma semana, a primeira-ministra
perde o segundo membro do seu executivo, o que dá uma imagem de
crescente desagregação, num momento crucial das negociações para a saída
da União Europeia (UE).
Patel foi recebida no início da noite em Downing Street, horas depois de
ter sido mandada regressar de uma visita a Uganda, e quando se tornara
já claro que não restava a May outra alternativa que não a de substituir
Patel, uma das principais advogadas do “Brexit” dentro do executivo. Na
carta de demissão, a ex-ministra afirma que agiu com “a melhor das
intenções”, mas admite que as suas ações “ficaram aquém dos padrões de
transparência” exigidos. Na carta em que confirma ter aceitado a saída, a
líder conservadora afirma apenas que Patel tomou a decisão “certa”
perante as últimas revelações vindas a público.
A gota de água teria sido a notícia de que a ministra, quando foi
chamada na segunda-feira (06.nov.2017) a Downing Street para dar
explicações, não informou May de outros dois encontros com dirigentes
israelitas, realizados em Setembro já depois das férias. Um deles foi
com Gilad Erdan, o ministro responsável pela estratégia de Tel-Aviv para
combater a campanha a favor de boicotes a Israel por causa da ocupação
de territórios palestinos, e à semelhança do que acontecera em Israel
teve como única testemunha o presidente do lobby Amigos Conservadores de
Israel, de que Patel já foi vice-presidente.
Ora Patel, estrela em ascensão do Partido Conservador e que chegou a ser
vista como potencial sucessora de May, é a responsável pela gestão dos
milhões de libras da ajuda enviada por Londres à Autoridade Palestina e a
organizações, como a Anistia Internacional, que denunciam abusos
cometidos nas zonas ocupadas. Israel tem feito pressão junto de vários
aliados para reverem estes apoios, que considera terem como objetivo
deslegitimar o Estado hebraico.
Na véspera soube-se também que, ao regressar de Israel, a ministra teria
questionado o seu ministério sobre se seria possível financiar um
hospital militar nos montes Golã, território capturado à Síria em 1967,
com o pretexto de que ali estão a ser assistidos feridos no conflito do
país vizinho. O pedido foi considerado impróprio pelos seus serviços — o
Reino Unido, como a maioria dos países, não reconhece a ocupação dos
montes Golã — e, na terça-feira (07.nov.2017), um porta-voz da
primeira-ministra confirmou que Patel não informou May desta proposta.
Já na quarta-feira (08.nov.2017), o jornal Ha’aretz revelou que a
ministra britânica se deslocou àquele hospital, uma visita que, a ser
confirmada, viola o protocolo diplomático do Governo britânico, que
impede os seus dirigentes de se deslocarem a territórios ocupados sob os
auspícios do Governo israelita.
Patel sai do Governo menos de uma semana depois de o ministro da Defesa,
Michael Fallon, se ter demitido por causa de comportamentos impróprios
que teria tido com mulheres, jornalistas e colegas de partido, parte de
um escândalo de assédio sexual que levou a primeira-ministra a ordenar
inquéritos à conduta de outros dois membros do executivo. Casos que
fragilizam ainda mais um governo consumido pelas difíceis negociações
com a UE e liderado por uma primeira-ministra que não voltou a
reencontrar a sua autoridade desde que perdeu, nas legislativas de
Junho, a maioria absoluta que detinha no Parlamento.
Para vários analistas, a saga que culminou no afastamento de Patel
demonstra bem as consequências explosivas que a fragilidade de May pode
ter sobre a posição do Reino Unido e a reputação da sua diplomacia, tal
como já tinha acontecido em Setembro quando o ministro dos Negócios
Estrangeiros, Boris Johnson, assumiu posições divergentes de May em
relação ao “Brexit” sem que isso lhe valesse a demissão.
“May desistiu da noção de disciplina no Governo”, escrevia na
terça-feira (07.nov.2017) Ian Dunt, editor do site Politics.UK,
argumentando que “a sua falta de autoridade levou ao surgimento de
pequenos feudos onde antes existia uma política externa britânica
centralizada”. “Os ministros podem falar e agir independentemente do
nº10 [de Downing Street] sem qualquer consequência.”
Uma conclusão reforçada pela última gafe cometida por Johnson que, na
semana passada, disse no Parlamento que Nazanin Zaghari-Ratcliffe, uma
britânica de origem iraniana presa e condenada por conspiração em Teerã,
estava no país “apenas para ensinar jornalismo”. Uma afirmação
desmentida pela família, que garante que ela estava no país apenas para
visitar os pais, e que levou o regime iraniano a admitir acusá-la de
mais crimes. Perante a indignação da família, Johnson telefonou ao seu
homólogo iraniano para corrigir a informação, mas não se retratou nem
foi admoestado por May.
“Nenhum destes ministros mereceria um lugar no Governo conservador
baseado na competência, na lealdade ou na agenda política de May”,
escreveu o jornal Guardian em editorial, sublinhando que Patel e
Johnson, ambos apoiantes do “Brexit”, foram chamados ao executivo “numa
tentativa falhada de manter o Partido Conservador unido”. “Em termos de
política externa, não há propriamente um governo, mas uma série de
tribos desavindas”, acrescenta Dunt. “Em tempos normais isto seria um
momento triste na história do Reino Unido. Por causa do ‘Brexit’ é uma
catástrofe.”
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