Operação Cala-Boca
Empreiteiros presos e
corruptos ainda não alcançados pela Operação Lava Jato depositam suas
últimas esperanças em ação no STF que será julgada nos próximos dias
APREENSÃO - O STF, do ministro Dias Toffoli, vai decidir se revoga a prisão de Ricardo Pessoa, detido após ameaçar uma testemunha |
Em novembro passado, o juiz Sergio Moro determinou a prisão de
executivos de oito empreiteiras acusadas de saquear os cofres da
Petrobras e, com o dinheiro roubado, pagar propina a políticos alinhados
ao governo, sobretudo do PT, PMDB e PP. Se o mensalão resultara na
prisão da antiga cúpula petista, o petrolão levava à cadeia, sob a
suspeita de corromperem agentes públicos, destacados financiadores de
campanhas eleitorais. Batizada de Juízo Final, essa etapa da Operação
Lava-Jato era a aposta dos investigadores para chegar ao comando do
maior esquema de corrupção do país. Em depoimentos formais, delatores e
operadores já haviam dito que os cofres da empresa eram surrupiados como
forma de levantar recursos para comprar apoio partidário ao governo. O
quebra-cabeça estava quase montado. Faltava, no entanto, que um grande
empreiteiro informasse quem ordenara essa transação criminosa. Faltava a
identificação do chefe, do cabeça, do responsável pelo desfalque
bilionário. Para esclarecer essa dúvida, o Ministério Público começou a
negociar acordos de delação premiada com executivos de construtoras. Já o
governo colocou ministros em campo a fim de mantê-los em silêncio.
Essa queda de braço se desenrola há quase cinco meses. Investigadores e
advogados de defesa compartilham da mesma análise: quanto mais o tempo
passa, maior a probabilidade de um empreiteiro de primeira linha contar o
que sabe e, portanto, maior a agonia do governo. Mas essa agonia, ao
que parece, está perto de acabar.
O FARAÓ E A ESFINGE - Lula e João Vaccari Neto, o tesoureiro do PT acusado de receber propina na sede do partido: “Não aceito ser chamado de ladrão” |
Na semana passada, a presidente Dilma Rousseff disse a interlocutores,
numa conversa reservada no Palácio do Planalto, que o Supremo Tribunal
Federal (STF) começará a libertar os executivos encarcerados na
Lava-Jato. Se essa previsão se confirmar, a tendência é que os
empresários abandonem as negociações com os procuradores, tornando
praticamente nula a possibilidade de colaborarem com as apurações. Dilma
fez tal prognóstico ao falar do julgamento que a Segunda Turma do STF
fará, nos próximos dias, do pedido de libertação do empreiteiro Ricardo
Pessoa, dono da construtora UTC. Amigo do ex-presidente Lula e
considerado o chefe do clube que fraudava contratos na Petrobras, Pessoa
ameaçou contar às autoridades detalhes do petrolão se não deixasse a
carceragem da Polícia Federal.
Ricardo Pessoa disse a pessoas próximas que pagou despesas pessoais do
ex-ministro José Dirceu e deu 30 milhões de reais, em 2014, a
candidaturas do PT, incluindo a presidencial de Dilma Rousseff - tudo
com dinheiro desviado da Petrobras. Pessoa também garantiu ter na
memória detalhes da participação dos ministros Jaques Wagner (Defesa) e
Edinho Silva (Secretaria de Comunicação Social), tesoureiro da campanha
de Dilma em 2014, na coleta de dinheiro para candidatos petistas. "O
Edinho está preocupadíssimo", escreveu num bilhete, em tom de ameaça,
ainda no início de sua temporada de cárcere. A Segunda Turma do STF é
formada por cinco ministros: Teori Zavascki, Celso de Mello, Cármen
Lúcia, Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Apesar de Zavascki ser o relator do
caso, as atenções estarão voltadas para Toffoli. Ex-funcionário da
liderança do PT na Câmara, ex-assessor do mensaleiro José Dirceu e
advogado-geral da União no governo Lula, Toffoli se mudou da Primeira
Turma para a Segunda Turma a fim de completar o quórum do colegiado e
afastar o risco de que os julgamentos do petrolão terminem empatados, o
que beneficiaria os investigados. O currículo do ministro e seus
sucessivos votos pela absolvição no processo do mensalão sugerem um
ponto a favor dos investigados. Só sugerem.
Ministros do STF afirmaram que Pessoa e os demais executivos presos -
como o presidente da OAS, Léo Pinheiro, outro amigo de Lula - devem ser
soltos. "Em alguns casos, já reputo exagerado o tempo de prisão, tendo
em vista que as investigações estão realizadas", disse um ministro da
corte. Esse foi o mesmo argumento esgrimido por Dilma no Planalto.
Advogados de defesa alegam que o juiz Sergio Moro mantém as prisões como
forma de obrigar os presos a fechar acordos de delação premiada. Não
haveria base jurídica para que eles continuassem na cadeia. O
ex-ministro do STF Carlos Velloso discorda dessa avaliação e lembra que
decisões monocráticas de integrantes de tribunais superiores têm
ratificado a atuação de Moro. "Ele não está cuidando de ladrões de
galinha. O que tem feito se compara ao que os juízes fizeram contra a
máfia na Itália."
Apesar de afirmar que a tendência do STF é libertar os executivos, um
ministro admite que o caso de Ricardo Pessoa tem um complicador: ele foi
preso, entre outras razões, por tentar intimidar a contadora Meire
Poza, que trabalhava para o doleiro Alberto Youssef, um dos delatores do
petrolão. Para a pressionarem a não contar o que sabia, representantes
de Pessoa insinuaram que poderiam fazer mal à filha dela. Houve uma
tentativa clara e cristalina de atrapalhar a investigação, o que afronta
regra básica do Código Penal. "Ameaça a testemunhas é, realmente, um
problema", declarou o ministro.
Até agora, as investigações já resultaram na abertura de inquéritos no
STF contra cerca de cinquenta políticos e dirigentes partidários. Entre
eles, o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto. Homem da confiança de Lula,
Vaccari é acusado de receber propina em nome do partido. Na semana
passada, Alberto Youssef disse em depoimento que um de seus empregados
entregou 400 000 reais, em propina paga pela empresa Toshiba, na sede do
PT em São Paulo. O destinatário do dinheiro, afirmou o doleiro, era o
tesoureiro. A revelação dos detalhes do esquema de corrupção tem
desgastado a imagem de Lula e a de Dilma, que, por enquanto, não estão
sob investigação. Uma pesquisa para consumo interno do PT mostrou que a
popularidade do ex-presidente também está em queda livre. Numa conversa
recente, o chefe petista, preocupado, desabafou: "Não aceito ser chamado
de ladrão. Não sei como reagiria se fosse chamado de corrupto na rua ou
num restaurante". Por isso, as atenções dele também estão voltadas para
a decisão do Supremo.
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