Herdeira do apartamento 121 do Edifício Hill House diz que acreditava 'estar vendendo a cobertura para o Lula'
A herdeira do apartamento 121 do Edifício Hill House — que a
força-tarefa da Lava Jato acusa ser um presente dado a Lula, registrado
em nome de um “laranja” —, Tatiana de Almeida Campos informou a Receita
Federal que em 2010, quando foi feita a escritura de cessão de direitos
do imóvel foi informada por sua advogada que o bem estava sendo alienado
para o ex-presidente.
Lula em seu apartamento em São Bernardo do Campo |
O apartamento é o vizinho ao que Lula mora, na cobertura do Hill House,
em São Bernardo do Campo, e é usado pelo petista desde 2003, pelo menos.
Até 2007 era alugado pelo PT do falecido pai de Tatiana, Augusto
Moreira Campos. De 2007 a 2011 foi a Presidência da República que locou o
imóvel, que era usado durante os dois mandatos do petista para abrigar
as equipes de segurança.
Em 2010, com a morte do proprietário em fevereiro de 2009, o apartamento
121 foi comprado por Glaucos da Costamarques, primo do pecuarista José
Carlos Bumlai, por R$ 504 mil, em negócio conduzido pelo advogado
Roberto Teixeira, compadre do ex-presidente. Lula é réu na Lava Jato em
Curitiba acusado de ter recebido esse apartamento e um terreno de R$ 12
milhões da Odebrecht, no esquema de corrupção descoberto na Petrobrás.
Filha do antigo dono do apartamento 121, Tatiana informou a Receita, em
2016, em documento anexado ao processo, que em 20 de setembro de 2010
sua advogada Lacier Pereira de Almeida Souza, que é sua prima, a buscou
para “assinar a venda da cobertura, apto 121, para o Lula”. “Foi isso
que ela me falou no táxi, na ida ao cartório.”
“Como eu confiava muito nela, somente perguntei se estava tudo correto,
ela fez um sinal positivo e me disse onde assinar. Eu não li nada,
simplesmente assinei acreditando estar vendendo a cobertura para o Lula.
O valor era R$ 504 mil (hoje desconfio ter sido muito mais, mas não
posso dizer com certeza)”, escreveu Tatiana.
Tatiana afirma que só em 2016 tomou conhecimento que o verdadeiro
comprador era Glaucos Costamarques, após ter sido revelado pela Lava
Jato. “Pra mim ele (Lula) era o dono, de modo que se perguntarem à minha
família, todos vão dizer que eu ‘vendi’ a cobertura do meu pai para o
Lula.”
No documento de 12 maio de 2016 enviado para a Receita, a herdeira diz
que só em 2016 buscou o cartório e descobriu que não se tratava de uma
venda e sim de uma cessão de direito hereditário e que o bem ainda
estava em nome do falecido pai, não tendo sido oficialmente transmitido a
Costamarques.
Na acusação contra Lula, o Ministério Público Federal destaca que depois
de efetivada a aquisição do apartamento, Roberto Teixeira peticionou
como representante de Costamarques a ação de inventário da família do
antigo dono, que correu na 2ª Vara da Família e Sucessões da Comarca de
São Bernardo do Campo, “apenas em 17 de março de 2011”. “Naquela
petição, nada constou sobre a transação que já havia sido realizada” em
agosto de 2010.
Um mês antes, em 1º de fevereiro de 2011, Costamarques assinou um
contrato feito por Teixeira de locação do apartamento em nome da
ex-primeira-dama Marisa Letícia (que morreu em fevereiro), na condição
de cessionário, tendo como cedentes a viúva Elenice Silva Campos e a
filha Tatiana.
Na ação de inventário do imóvel, Teixeira, como representante de
Costamarques, noticiou a cessão de direitos hereditários e de meação
assinada em setembro de 2010 e requereu a adjudicação do apartamento 121
em favor do primo de Bumlai em 1º de julho de 2016 — quase seis anos
depois, quando Lula já era alvo dos processos da Lava Jato.
A herdeira relata no documento que antes da venda do apartamento 121
para Costamarques, houve um tentativa de a excluírem da propriedade, em
2009, em uma partilha amigável que ela diz nunca ter assinado. “Em 2013
comecei a estudar Direito, para poder entender melhor tudo que estava
acontecendo, e também porque sempre que eu falava isso tudo para um
advogado ele dizia: ‘deixa isso, você vai mexer com a máfia do PT? Pode
correr risco de morte’.”
Inquilino. Lula afirma que é inquilino do imóvel, que foi
alugado em 2011 por Dona Marisa para receber os filhos e ser usado para
reuniões políticos. Na semana passada, o defensor do ex-presidente
Cristiano Zanin Martins, que é genro e sócio de Teixeira, apresentou 26
recibos, que vão de 2011 a 2015, para comprovar que os alugueis eram
pagos normalmente.
A Lava Jato quebrou os sigilos bancários de Lula, de Dona Marisa e de
Glaucos Costamarques e “não foram encontrados registros de pagamentos”
feitos para o suposto “laranja” — nem mesmo via contas bancárias de
L.I.L.S. Palestras e Eventos e do Instituto Lula.
Só à partir de novembro de 2015, quando Glaucos afirmou ter sido
informado por Teixeira que passaria a receber aluguel, é que a Lava Jato
identificou nos extratos bancários do laranja “depósitos em dinheiro em
seu favor em valores compatíveis com o suposto aluguel”.
Após a entrega dos recibos pela defesa de Lula, Glaucos disse por meio
de seus advogados que os documentos foram assinados por ele no mesmo
dia, em novembro de 2015, quando Teixeira o teria informado que passaria
a pagar os alugueis.
A acusação do MPF nesse processo diz que Lula, dona Marisa (que deixou
de figurar no processo após a morte), Costamarques e Teixiera agiram “em
conluio” e “dissimularam a origem, disposição, movimentação e
propriedade de R$ 504 mil, provenientes, direta e indiretamente, dos
crimes de organização criminosa, cartel, fraude à licitação e corrupção
praticados pelos executivos do Grupo Odebrecht”, na Petrobrás.
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