Erga Omnes: ninguém está acima da lei
A partir das primeiras delações premiadas de Paulo Roberto Costa,
ex-diretor da Petrobras, e do doleiro Alberto Yousseff, os responsáveis
pela Operação Lava-Jato se deram conta de que estavam lidando com um
caso que só ocorre uma vez na vida de um policial, de um promotor ou de
um juiz. À medida que os depoimentos se sucediam e mais provas iam sendo
encontradas, o esquema foi tomando a forma de uma gigantesca operação
político-partidária e empresarial destinada a levantar fundos com
contratos espúrios de empresas com a Petrobras. As raízes do esquema
começaram a ficar cada vez mais profundas, enquanto sua copa passava a
abranger políticos postados em galhos cada vez mais altos. Em abril,
Carlos Fernandes de Lima, um dos procuradores da Lava-Jato, disse em uma
entrevista que a investigação se tornara tão ampla que chegaria a
"mares nunca dantes navegados". Na sexta-feira passada (19.jun.2015), a
Lava-Jato aproou para praias que pareciam inatingíveis, prendendo os
presidentes das duas maiores empreiteiras do Brasil - Marcelo Odebrecht,
presidente e herdeiro da empresa que leva seu sobrenome, e Otávio
Azevedo, o principal executivo da Andrade Gutierrez. O nome da operação
da Polícia Federal que fez as prisões não podia ser mais ilustrativo das
pretensões dos investigadores: "Erga Omnes", a expressão latina que
significa "para todos" e nos tratados jurídicos é usada para proclamar
um dos pilares do sistema democrático que diz que ninguém está acima da
lei.
A Lava-Jato chegou ao topo? Não existe mais ninguém acima da lei em seu
radar investigativo? A resposta é não. A operação chegou aos mais altos
suspeitos do braço empresarial do esquema que desviou cerca de 6 bilhões
de reais dos cofres da Petrobras. O braço político, acreditam os
investigadores, pode subir mais um degrau além do ocupado, por exemplo,
por João Vaccari, tesoureiro do PT, preso em Curitiba. Os presos da
semana passada podem fornecer as informações que ainda faltam para que a
lei identifique e alcance quem comandava o braço político do esquema
criminoso. Quem permitia o funcionamento de uma engrenagem que abastecia
PT, PMDB e PP com dinheiro sujo. Disse o delegado da Polícia Federal
Igor Romário de Paula: "A ideia é dar um recado claro de que a lei vale
para todos, não importa o tamanho da empresa, seu destaque na sociedade,
sua capacidade de influência e seu poder econômico".
O juiz Sérgio Moro determinou a prisão de Marcelo Odebrecht e Otávio
Azevedo, os presidentes da Odebrecht e da Andrade Gutierrez, por
considerar que os dois capitaneavam o cartel de empresas que ganhava
contratos da Petrobras em troca do pagamento de propina a funcionários
da estatal e a políticos. Em seu despacho, Moro registrou que delatores
do petrolão haviam dito que a Odebrecht pagara subornos no exterior por
meio da construtora Del Sur, sediada no Panamá. A Odebrecht vinha
negando ter relação com a Del Sur. Moro também anotou a existência de um
depósito feito pela Odebrecht numa conta no exterior controlada por
Pedro Barusco, o delator que servia ao PT e prometeu devolver aos cofres
públicos 100 milhões de dólares. Moro determinou a prisão de outros
cinco executivos, três da Odebrecht e dois da Andrade Gutierrez, e
expediu 38 mandados de busca e apreensão.
O presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, é levado para o IML para
exame de corpo de delito pela Polícia Federal em Curitiba. Ele foi preso na Operação Lava Jato |
AS AMEAÇAS
Desde que o avançar inexorável das investigações da Lava Jato expôs ao
Brasil o desfecho que, cedo ou tarde, certamente viria, o mercurial
empresário Emilio Odebrecht, patriarca da família que ergueu a maior
empreiteira da América Latina, começou a ter acessos de raiva. Nesses
episódios, segundo pessoas próximas do empresário, a raiva –
interpretada como ódio por algumas delas – recaía sobre os dois
principais líderes do PT: a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva. A exemplo dos presidentes da Câmara, Eduardo
Cunha, e do Senado, Renan Calheiros, outros dois poderosos alvos dos
procuradores e delegados da Lava Jato, Emilio Odebrecht acredita, sem
evidências, que o governo do PT está por trás das investigações
lideradas pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. “Se
prenderem o Marcelo (Odebrecht, filho de Emilio e atual presidente da
empresa), terão de arrumar mais três celas”, costuma repetir o
patriarca, de acordo com esses relatos. “Uma para mim, outra para o Lula
e outra ainda para a Dilma.”
Na manhã da sexta-feira, 19 de junho de 2015, 459 dias após o início da
Operação Lava Jato, prenderam o Marcelo. Ele estava em sua casa, no
Morumbi, em São Paulo, quando agentes e delegados da Polícia Federal
chegaram com o mandado de prisão preventiva, decretada pelo juiz Sergio
Moro, da 13ª Vara Federal da Justiça Federal do Paraná, responsável
pelas investigações do petrolão na primeira instância. Estava na rua a
14ª fase da Lava Jato, preparada meticulosamente, há meses, pelos
procuradores e delegados do Paraná, em parceria com a PGR. Quando ainda
era um plano, chamava-se “Operação Apocalipse”. Para não assustar tanto,
optou-se por batizá-la de Erga Omnes, expressão em latim, um jargão
jurídico usado para expressar que uma regra vale para todos – ou seja,
que ninguém, nem mesmo um dos donos da quinta maior empresa do Brasil,
está acima da lei. Era uma operação contra a Odebrecht e, também, contra
a Andrade Gutierrez, a segunda maior empreiteira do país. Eram as
empresas, precisamente as maiores e mais poderosas, que ainda faltavam
no cartel do petrolão. Um cartel que, segundo a força-tarefa da Lava
Jato, fraudou licitações da Petrobras, desviou bilhões da estatal e
pagou propina a executivos da empresa e políticos do PT, do PMDB e do
PP, durante os mandatos de Lula e Dilma.
Os comentários de Emilio Odebrecht eram apenas bravata, um desabafo de
pai preocupado, fazendo de tudo para proteger o filho e o patrimônio de
uma família? Ou eram uma ameaça real a Dilma e a Lula? Os interlocutores
não sabem dizer. Mas o patriarca tem temperamento forte, volátil e não
tolera ser contrariado. Também repetia constantemente que o filho não
“tinha condições psicológicas de aguentar uma prisão”. Marcelo Odebrecht
parece muito com o pai. Nas últimas semanas, segundo fontes ouvidas,
teve encontros secretos com petistas e advogados próximos a Dilma e a
Lula. Transmitiu o mesmo recado: não cairia sozinho. Ao menos uma dessas
mensagens foi repassada diretamente à presidente da República. Que nada
fez.
Quando os policiais amanheceram em sua casa, Marcelo Odebrecht se
descontrolou. Por mais que a iminência da prisão dele fosse comentada
amiúde em Brasília, o empresário agia como se fosse intocável. Desde
maio do ano passado, quando se revelara as primeiras evidências da Lava
Jato contra a Odebrecht, o empresário dedicava-se a desancar o trabalho
dos procuradores. Conforme as provas se acumulavam, mais virulentas eram
as respostas do empresário e da Odebrecht. Antes de ser levado pela PF,
ele fez três ligações. Uma delas para um amigo que tem interlocução com
Dilma e Lula – e influência nos tribunais superiores em Brasília. “É
para resolver essa lambança”, disse Marcelo ao interlocutor,
determinando que o recado chegasse à cúpula de todos os poderes. “Ou não
haverá República na segunda-feira.”
Antes mesmo de chegar à carceragem em Curitiba, Marcelo Odebrecht estava
“agitado, revoltado”, nas palavras de quem o acompanhava. Era um
comportamento bem diferente de outro preso ilustre: o presidente da
Andrade Gutierrez, Otávio Azevedo. Otávio Azevedo, como o clã Odebrecht,
floresceu esplendorosamente nos governos de Lula e Dilma. Tem uma
relação muito próxima com eles – e com o governador de Minas Gerais, o
petista Fernando Pimentel, também investigado por corrupção, embora em
outra operação da PF. Otávio Azevedo se tornou compadre de Pimentel
quando o petista era ministro do Desenvolvimento e, como tal, presidia o
BNDES.
Não há como determinar com certeza se o patriarca dos Odebrechts ou seu
filho levarão a cabo as ameaças contra Lula e Dilma. Mas elas metem medo
nos petistas por uma razão simples: a Odebrecht se transformou numa
empresa de R$ 100 bilhões graças, em parte, às boas relações que criou
com ambos. Se executivos da empresa cometeram atos de corrupção na
Petrobras e, talvez, em outros contratos estatais, é razoável supor que
eles tenham o que contar contra Lula e Dilma.
A prisão de Marcelo Odebrecht encerra um ciclo – talvez o maior deles –
da Lava Jato. Desde o começo, a investigação que revelou o maior esquema
de corrupção já descoberto no Brasil mostrou que, em 2015, é finalmente
possível sonhar com um país com menos impunidade. Pela primeira vez,
suspeitos de ser corruptores foram presos – os executivos das
empreiteiras. Antes, apenas corruptos, como políticos e burocratas, eram
julgados e condenados. E foi precisamente esse lento acúmulo de
prisões, e as delações premiadas associadas a elas, que permitiu a
descoberta de evidências de corrupção contra Marcelo Odebrecht, o
empreiteiro que melhor representa a era Lula. Foram necessárias seis
delações premiadas, dezenas de buscas e apreensão em escritórios de
empresas e doleiros e até a colaboração de paraísos fiscais para que o
dia 19 de junho fosse, enfim, possível.
AS PROVAS CONTRA A ODEBRECHT
Os documentos obtidos pela Lava-Jato mostram como a empreiteira seguiu o
roteiro de obras superfaturadas e obteve informações privilegiadas para
acertar contratos com a Petrobras.
Sobrepreço - Em e-mail, assessor de Marcelo Odebrecht fala em superfaturamento. O
chefe não se fez de rogado. E respondeu: é para acelerar as tratativas com os concorrentes |
Informação privilegiada - O diretor da Odebrecht Rogério Araújo avisa que sabia de orçamento
interno da Petrobras. Horas antes ele se encontrara com o diretor Paulo Roberto Costa |
Amigo do peito - A Polícia Federal anexou na investigação mensagens de outro empreiteiro,
Léo Pinheiro, da OAS. Lula era sempre citado e tinha até apelido. E, claro, era sempre elogiado |
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