Dilma é quem tira a comida da mesa do trabalhador, diz a ex-candidata presidencial Marina Silva
Marina não será candidata em 2016 e sobre as eleições presidenciais de 2018 tem dúvidas
A ex-candidata presidencial em 2010 e 2014 Marina Silva, 57 anos, no
momento ainda formalmente filiada ao PSB, afirmou que não vai concorrer a
nenhum cargo nas eleições municipais de 2016.
Com as últimas assinaturas para a criação da Rede Sustentabilidade
entregues ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), cresce a expectativa de
que a Corte dê o aval para a criação formal do partido de Marina e que a
ex-senadora volte ao cenário político. Nos bastidores, falou-se até na
possibilidade de ela disputar alguma prefeitura no ano que vem, como a
do Rio de Janeiro, onde obteve bons resultados nas urnas no ano passado.
Ela agora refuta claramente essa hipótese com uma resposta curta:
“Não”.
Sobre a eleição presidencial de 2018, Marina disse não saber ainda se
será novamente candidata - depois de ter ficado em terceiro lugar nas
eleições de 2010 e 2014. "Ainda não sei, sinceramente não sei, não sei
qual é a melhor maneira de contribuir com o Brasil", afirmou. Marina
repetiu que seu "objetivo de vida" não é ser presidente da República,
mas contribuir para o País prosperar socialmente, economicamente e com
desenvolvimento sustentável. "Quero contribuir para o Brasil ser
melhor."
A ex-candidata presidencial Marina Silva |
Rede Sustentabilidade
No final de maio, a Rede finalmente conseguiu todas as assinaturas
necessárias para tentar novamente receber o registro definitivo do
Tribunal Superior Eleitoral. A expectativa é que esse processo ocorra
até setembro, a tempo de lançar candidatos nas eleições de prefeitos e
de vereadores em outubro de 2016. No Brasil, é necessário que o político
esteja filiado a um partido pelo menos 12 meses antes de se candidatar.
Marina disse ter ciência de que a Rede nascerá com uma estrutura
pequena, mas que terá legitimidade. "Vamos ser um partido pequeno do
ponto de vista das estruturas, grande do ponto de vista da legitimidade e
da inserção social, mas obviamente que as estruturas nos impedirão de
poder lançar um número significativo de candidatos", disse ao admitir
que a legenda não deve conseguir apresentar candidaturas próprias em
todas as 26 capitais no ano que vem. Ela disse ainda que a legenda deve
se valer do arco de alianças formado em torno de Eduardo Campos (PSB) em
2014, principalmente com PSB e PPS, mas que o "processo de construção"
dependerá da realidade em cada Estado e em cada município, a partir de
uma "discussão programática".
Marina Silva diz não ver problemas se a Rede se alinhar a qualquer
partido cujo candidato envolvido se comprometer “programaticamente”
nessa aliança. Ela defende também que o Brasil um dia possa ter
candidatos avulsos, que não sejam filiados a partidos.
Campanha de 2014
A ex-senadora disse que a campanha eleitoral de 2014 "extrapolou todos
os limites da ética", numa referência aos ataques que recebeu da
campanha petista quando foi alçada ao posto de favorita na corrida
eleitoral, após a trágica morte de Eduardo Campos. Marina citou o comercial da campanha de Dilma Rousseff que mostrava a comida sumindo da
mesa de uma família e o dinheiro indo para banqueiros. "Tirar a comida
da mesa dos trabalhadores é o que está acontecendo agora, quando você vê
milhares e milhares de empregos desaparecendo", afirmou.
Para Marina, a presidente Dilma hoje denuncia a si mesma, aos erros que
cometeu no primeiro mandato. Ela argumentou que o ajuste fiscal é
necessário para corrigir todos os erros cometidos pela própria
presidente, que logo após ter sido reeleita passou a impor sacrifícios à
população, como a restrição ao acesso ao seguro desemprego. Entretanto
Marina disse que o ajuste fiscal está sendo feito de maneira errada. Crê
que as medidas de contenção propostas por Dilma Rousseff punem de
maneira excessiva os trabalhadores.
“Quando você vê milhares e milhares de empregos desaparecendo no
comércio, na indústria, na construção civil… Esses trabalhadores sim,
estão perdendo os seus meios para alimentar a sua família”, afirma a
acriana.
A retórica de Marina é mais afiada do que foi na campanha de 2014,
quando suas respostas eram menos beligerantes. Agora, a ex-petista usa
um tom mais direto: “Esse segundo mandato da presidente Dilma é Dilma
denunciando Dilma. Porque ela está sucedendo ela própria. O presidente
Lula, quando assumiu o seu primeiro governo, amaldiçoou a herança que
recebeu. A presidente Dilma é a herança dela própria. Todos os problemas
que hoje estão acontecendo foram criados por ela”.
Impeachment
Sobre o impeachment, Marina repetiu o que disse em outras ocasiões de
que não vê elementos para pedir hoje o afastamento de Dilma. Ela elogiou
a postura do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que teve uma
abordagem moderada nos últimos meses quando parte do PSDB defendia
iniciar um processo de impeachment contra Dilma Rousseff.
"O presidente Fernando Henrique está tendo uma atitude de respeito com o
País. Se fosse qualquer outro à frente da presidência da República do
País, com o PT na oposição, com a crise política, a crise econômica, a
crise da corrupção que temos hoje, com baixíssimos índices de
popularidade, esse governo já teria ido ao chão", opina Marina.
A cautela com Dilma não se aplica aos presidentes da Câmara, Eduardo
Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Para Marina
ambos deveriam se licenciar dos cargos por terem seus nomes envolvidos
no escândalo descoberto pela Operação Lava Jato.
Reforma Política
Marina lamentou a movimentação do Congresso Nacional em torno da Reforma
Política. Disse que estão sendo feitos "ajustes eleitorais para dar
mais poderes aos partidos", o que, segundo ela, vai na contramão do que
demanda a sociedade.
Marina se disse favorável às candidaturas independentes e ao
financiamento público misto de campanha, com contribuição individual
limitada por um teto. A ex-senadora deu também um recado ao PT, sobre a
defesa do fim do financiamento empresarial. "Os partidos que defendem
isso não devem agora dizer 'fui derrotado, pois a lei diz que tem que
ser (doação) de empresas'", argumentou.
Em abril, o diretório nacional do PT decidiu que o partido não receberia
mais doações de empresas e não firmou posição quanto às doações de
pessoa jurídica para candidatos. A questão seria tratada no quinto
congresso da legenda, que acontece em Salvador nesta semana. Com o
movimento da Câmara de aprovar a PEC que constitucionaliza a doação
empresarial a partidos, o PT decidiu adiar a decisão e dirigentes
admitem que, se a PEC não for revertida, o partido pode se ver obrigado a
voltar atrás na decisão de não receber doação empresarial.
A ex-senadora respondeu ainda sobre a proposta de reduzir a maioridade
penal de 18 para 16 anos, à qual se disse contrária. "Criminalizar a
infância não é a solução para nos dar segurança."
A seguir, trechos da entrevista de Marina Silva:
A Rede Sustentabilidade entregou ao Tribunal Superior Eleitoral, no final de maio, um novo lote de assinaturas certificadas. Quando deve sair o registro do partido?
Entregamos 56 mil assinaturas. A expectativa é que o processo seja julgado ainda em junho e possamos ter o nosso registro. Temos muito mais do que é exigido por lei. Tivemos um processo espontâneo da sociedade que coletou mais de 1 milhão de assinaturas. Há um acordo judicial que estabeleceu que o nosso processo estaria aguardando a complementação.
Se o partido foi criado em junho, poderá ter candidatos a prefeito e vereador nas eleições do ano que vem. Essa é a expectativa?
Eleição não deve ser um fim em si mesmo. Deve ser fruto do trabalho que é feito. A política entrou num processo de crise. No Brasil e no mundo. Hoje há esforços de vários partidos no mundo tentando atualizar a política. Tornar compatível as expectativas desse novo sujeito político com as ferramentas da política.
Onde houver possibilidade de compatibilizar o programa ao surgimento de lideranças, faremos um esforço para dar nossa contribuição. Em outros lugares, onde tiver compatibilidade programática, poderemos apoiar candidatos de outros partidos.
Quais partidos podem eventualmente ser aliados da Rede numa eleição?
Temos um campo criado com a candidatura do Eduardo Campos [1965-2014], formado por Rede, PSB, PPS e PPL. E temos uma aliança com o PSB em termos programáticos.
Nas eleições municipais de 2016, então, haverá uma afinidade entre a Rede e o PSB. É possível que existam alianças aí?
É possível que existam sim. Mas não é um processo linear. Depende da realidade de cada município. Vamos discutir programaticamente. Não só o que está no papel, mas a trajetória e a biografia de quem apresenta o programa.
Se for na base do programa, é possível que um candidato do PT ou do PSDB receba o apoio da Rede?
Não quero ficar falando em tese. Nas campanha de 2010 e 2014, sempre disse que não tenho uma postura de satanização de partidos. Não acho que os bons estejam só na Rede e não acho que os ruins estejam só nos outros partidos. Eles estão em todos os lugares.
É preciso verificar o programa e sua possibilidade de execução. Tem muita gente que coloca muita coisa no programa e não faz o que colocou. E tem gente que nem tem programa, e depois faz o que criticou no programa dos outros.
Com a Rede formada, o seu grupo que ficou abrigado no PSB sairá do partido?
Poucas pessoas se filiaram ao PSB. E, obviamente, são todas pré-filiadas à Rede. Eu já sou uma pré-filiada da Rede. Mas a filiação formal só é possível quando tivermos o nosso registro.
A Rede tem alguma estimativa de quantos candidatos poderá ter a prefeito e a vereador em 2016?
Não temos esse levantamento. Estamos trabalhando para fazer o registro, adensar o programa e trabalhar a formação política nos municípios. Temos muitas lideranças, principalmente pessoas jovens –não só na idade, jovem no processo político– que querem contribuir. Teremos alguns candidatos pela Rede e candidaturas que serão apoiadas por nós.
A Rede tentará ter candidatos nas 26 capitais?
Vamos ter os candidatos compatíveis com o critério de programa, representatividade e legitimidade. Não teremos estratégias puramente eleitoreiras, de ter candidato por ter candidato, porque estamos pensando nas próximas eleições. Cada eleição tem que ser focada nela mesma.
Um grande problema no Brasil é que você faz a eleição de prefeito pensando na de governador, faz a eleição de governador pensando na de presidente. Nós não faremos isso. Vamos ser um partido pequeno, do ponto de vista da estrutura, e grande do ponto de vista da legitimidade e de inserção social.
Obviamente, a estrutura nos impedirá de lançar um número significativo de candidatos. Não vamos ter a mesma disponibilidade de fundo partidário ou tempo de televisão como tem os outros partidos. Teremos no máximo 12 segundos de tempo de televisão. Vamos surgir de acordo com a lei que foi criada, principalmente, para nós. Nem teremos praticamente um fundo partidário. Vamos trabalhar para ter um fundo voluntário.
Como a Rede pretende ter fundos e se sustentar?
Com a militância dos nossos simpatizantes e filiados. Vamos trabalhar na perspectiva de criar um fundo voluntário. Li um artigo dia desses, de um cientista político que é até meu amigo, Aldo Fornazieri, que dizia que os partidos se transformaram em autarquias. São financiados pelo dinheiro do contribuinte, compulsoriamente. Independente de você concordar com a ideologia ou com o programa, você vai pagar para aquele partido.
Aparentemente, é democrático. Por outro lado, esse financiamento compulsório transforma os partidos em autarquias. Eles já têm o recurso público, do contribuinte, e não precisam convencer absolutamente ninguém a contribuir com eles. Eles prescindem do eleitor para poder ganhar a sua simpatia.
A sra. foi 2 vezes candidata a presidente, em 2010 e 2014. Teve cerca de 20 milhões de votos em cada disputa. Mas não obteve sucesso na arrecadação de fundos de indivíduos pela internet. Por que acontece esse fenômeno?
Em 2010 fomos o primeiro partido a colocar uma plataforma na internet para que o cidadão pudesse dar sua contribuição.
Mas o dinheiro não veio.
Veio daqueles que se conscientizaram. Você não pode tratar o cidadão como se ele fosse alguém que você faz o apelo e ele imediatamente responde. É um processo. A nossa expectativa, ao longo de anos, é ter uma realidade política em que muitos possam contribuir com um pouco, em vez de poucos contribuindo com muito. Em 2010 já fomos a candidatura que mais arrecadou voluntariamente.
Em 2014 também tivemos contribuições, mas muito aquém daquilo que gostaríamos que fosse. É um processo de conscientização.
É um processo de convencimento. O eleitor não é um ser passivo de ser manipulado: “Me dê o dinheiro”. Ele não vai dar. Ele quer olhar, perceber o que vai ser feito com esse dinheiro. É claro que você tem que se expor a isso. E a gente se dispõe a essa exposição. É democracia, se a pessoas querem contribuir, elas vão contribuir.
A sra. tem pouca exposição na mídia. É uma estratégia deliberada de não ter uma presença constante, diária, na mídia?
Não é uma estratégia. É uma postura. Continuo fazendo o meu trabalho. Continuo tratando dos temas que fazem parte da minha trajetória de vida, da minha militância política. Num momento de crise como esse, temos que ter uma atitude cautelosa.
Nos primeiros meses você tem que deixar o governo se estabelecer. Respeitar o voto do cidadão para um determinado grupo político. Aguardar o que esse grupo vai apresentar como parte do seu projeto, principalmente quando não apresentou no momento mais importante, durante a campanha. O PT e a presidente Dilma não apresentaram um programa de governo.
Eu continuei falando, me manifestei nas redes sociais. Em alguns momentos falei com a imprensa. Mas faz parte da minha forma de ser. Não tenho uma ansiedade tóxica de falar sobre tudo e ainda falar sobre o resto.
Entramos no 6º mês do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. Qual a sua avaliação sobre ele?
O segundo mandato da presidente Dilma é Dilma denunciando Dilma. Ela está sucedendo a ela própria. O presidente Lula, quando assumiu seu primeiro governo, amaldiçoou a herança que recebeu. A presidente Dilma é a herança dela própria.
Os problemas que hoje estão acontecendo foram criados por ela. Inclusive subestimar a crise de 2008, que fez parte de uma estratégia do PT. Enquanto os outros países estavam tomando medidas para resolver a crise, aqui se estava tratando como uma marolinha. E agora, quando os demais estão saindo da crise e começando a colher os frutos do dever de casa feito, nós estamos pagando o altíssimo preço de não termos feito o dever de casa.
Infelizmente, a presidente Dilma, durante a campanha, falou que estávamos no melhor dos mundos e que teríamos uma realidade totalmente colorida. Logo em seguida à sua eleição, pede à sociedade que faça sacrifícios para uma crise que ela mesma não é capaz de reconhecer.
É um governo muito difícil, com graves problemas de corrupção e governabilidade. O presidencialismo de coalizão virou hoje um verdadeiro presidencialismo de confusão. São 39 ministérios distribuídos entre 10 partidos da base e a presidente não consegue a maioria no Congresso para passar suas medidas. Ou quando as consegue aprovar é a um custo muito alto para sociedade em função da barganha que se estabelece.
A presidente, na propaganda eleitoral de 2014, mentiu aos brasileiros?
A presidente disse, e isso está na internet, que na hora de ganhar a eleição faria o diabo. Fez uma campanha que extrapolou os limites da ética. Não vale tudo para se ganhar o poder. Negar a realidade dos fatos de uma crise que já estava anunciada.
Dia desses, ouvi de um economista que eu respeito ligado ao Partido dos Trabalhadores, o Marcio Pochmann, que “o ajuste fiscal já estava no Orçamento, a presidente Dilma até era mais conservadora do que o Joaquim Levy, ele está propondo 1,5%, nós estávamos propondo 2%”. Eu até brinquei com o Bazileu [Margarido], que é uma das pessoas que me ajudaram na economia, e disse: “Vocês não viram isso nesse Orçamento?”. O governo já estava assumindo que tinha um grave problema em relação aos problemas fiscais, estava propondo um ajuste fiscal de 2%, segundo o que disse o Marcio Pochmann. E durante todo o debate [das eleições de 2014], isso não apareceu.
A sociedade brasileira se sentiu enganada em muitos aspectos. Fui vítima talvez de uma das piores campanhas de desconstrução de um adversário que se tem notícia na história desse país.
Em linguagem bem popular, a propaganda eleitoral da então candidata Dilma Rousseff continha inverdades ou mentiras?
A campanha extrapolou os limites da ética. Tratou os adversários de uma forma injusta. Em vários lugares. Eu cheguei no Estado do Pará e as pessoas diziam que, pelo fato de eu ser evangélica, eu iria acabar com o Círio de Nazaré. Como se fosse possível uma coisa dessas.
Aquela propaganda na qual sumia a comida da mesa das pessoas e entregue dinheiro para os banqueiros, atribuídos à minha pessoa… Isso é extrapolar os limites da ética. Tirar a comida da mesa dos trabalhadores é o que está acontecendo agora. Milhares de empregos desaparecendo no comércio, na indústria e na construção civil. Esses trabalhadores, sim, estão perdendo os seus meios para alimentar a sua família.
Quando você vê, no momento de maior dificuldade, quando as pessoas estão perdendo o seu emprego, ser dificultado o acesso ao seguro-desemprego. As pessoas vendo o Pronatec, para o seu aperfeiçoamento profissional, sendo cortado pela metade.
O ajuste fiscal, tal como está sendo implementado pela presidente Dilma Rousseff é apropriado?
O ajuste, anunciado sem que qualquer autocrítica tenha sido feita, perde muita credibilidade. E é mais duro e amargo do que se fosse dentro de um processo político com maior credibilidade. A falta de credibilidade faz com que as medidas tenham que ser muito mais duras para poder convencer os investidores.
Tem algum reparo no ajuste que a sra. faria?
Não pode ser um ajuste sem cara.
Mas ele não tem a cara do governo Dilma?
Quando eu digo cara, é a da sociedade brasileira. A cara da Dilma o povo já está cansado de ver. O ajuste feito sem rosto, sem cara, que tira o dinheiro do Pronatec quando os trabalhadores estão ficando desempregados e poderiam passar pelo processo de capacitação. Tira o seguro-desemprego, dificulta o acesso, quando os trabalhadores estão sofrendo o maior volume de desemprego.
A sociedade sabe qual é o projeto de país? Ou é como diz o [Eduardo] Gianetti: consertar agora o brinquedo para brincar com ele depois, perto de 2016, de 2018? Qual é o projeto? A sociedade está pagando um alto preço pelas medidas tomadas para ganhar essa eleição de 2014. Maquiagem e desequilíbrio nas contas públicas. Depois a sociedade paga com elevação de tarifas e dos juros. A sociedade vai fazer sacrifício para quê?
O governo tem dito que este ano de 2015 é o momento mais agudo. O país já estaria preparado para retomar o crescimento no ano que vem. É uma previsão otimista ou exequível?
Acho que nós vamos ter uma crise que vai se aprofundar. Tenho conversado com muita gente, economistas…
E que juízo a sra. formou?
O que eu ouço é que vamos ter uma crise que vai se aprofundar, pelo menos pelos próximos dois anos. Sem sombra de dúvida, vamos ter uma crise que vai se aprofundar. E os setores integrados à economia urbana vão pagar um preço muito alto, porque as empresas terceirizadas vão começar a demitir pessoas. Aqueles que estão prestando serviços associados a vários setores produtivos começam a perder os seus postos de trabalho.
A classe média emergente está pagando um preço altíssimo. Com inadimplência, porque uma boa parte dela já não consegue mais pagar suas contas, com o desemprego, que aumenta a cada dia, essa situação vai piorar. É um processo em cadeia.
Temos uma situação que se agrava. E nesse momento não é hora de fazermos malabarismos artificiais para recuperar a popularidade. Esse é o momento de se focar na crise, ter uma atitude de responsabilidade com o país. Recuperar a credibilidade. Isso é válido para o governo, para a oposição e para quem está assumindo posição.
Até por uma questão de justiça, devo dizer que o presidente Fernando Henrique Cardoso está tendo uma atitude de respeito com o país. Se fosse qualquer outro à frente da Presidência da República, com o PT na oposição, a crise política, econômica e de corrupção que temos hoje, com baixíssimos índices de popularidade, esse governo já teria ido ao chão.
Há uma atitude de responsabilidade. Não de ser conivente com os erros que foram praticados, mas ser coerente com o país que nós queremos que não pague o preço mais alto ainda pelos problemas que foram criados.
A sra. acha que existem elementos suficientes para requerer o impeachment da presidente Dilma Rousseff, como alguns da oposição acreditam?
Não temos uma parte fundamental desses elementos. A presidente tem responsabilidades políticas em relação às denúncias de corrupção do seu governo. Agora, ainda não ficou provado responsabilidade direta. Não sou do tipo que acha que os fins justificam os meios.
Não se pode, porque você não concorda com o que está sendo feito pelo presidente de plantão, simplesmente achar que pode removê-lo passando por cima da lei.
Uma parcela do PSDB, sobretudo na Câmara dos Deputados, pensa de maneira diversa. Acham que sim: haveria condições de requerer o impeachment da presidente. Na sua avaliação, o PSDB tem desempenhado a função que lhe cabe como oposição?
Tem uma situação clássica e uma oposição clássica no nosso país. A oposição clássica está em crise e a situação clássica está em crise. E eles mesmo criaram essa crise. Essa lógica da oposição pela oposição, que perdurou nas últimas décadas, nos levou a esse abismo da polarização. É o momento de reconhecer que a verdade não está com nenhum de nós, mas que a verdade está entre nós. Se tem uma coisa boa que a Dilma manda para o Congresso, não tenho porque ser contra. Se ela não está cumprindo com o seu papel de liderar esse processo, não tenho porque ser a favor.
Em 2014, no segundo turno, a sra. declarou apoio ao candidato Aécio Neves. Olhando em retrospecto, a sra. está feliz com essa decisão e ela teve o efeito que você esperava?
Apoiei em cima de uma carta compromisso. O Aécio Neves apresentou uma carta aos brasileiros dizendo que não ia acabar com os programas sociais que vinham sendo implementados no governo do PT e que iria fazer de tudo para recuperar os fundamentos macroeconômicos do Plano Real, mas mantendo a linha dos investimentos na área social. Foi um gesto muito interessante e eu o apoiei em cima desse compromisso.
A sua decisão deixou efeitos ao longo dos meses seguintes?
A posição do meu grupo político era votar nulo, branco ou Aécio. Eu, individualmente, assumi que ia votar no Aécio. E acho que foi uma coisa boa. Por exemplo, o Aécio assinou que não apoiará a PEC que transfere para o Congresso a responsabilidade pela demarcação de terras indígenas. E olha que tem muitas lideranças do PSDB que são favoráveis a essa PEC.
A Câmara dos Deputados aprovou o fim da reeleição. Qual a sua opinião?
Desde 2010 sou contra a reeleição. Coloquei isso no meu programa. Defendi isso na campanha em 2014. A reeleição é um problema na América Latina. As pessoas não fazem o que é necessário para o país, fazem o que é necessário para se reeleger. Se para se reeleger tem que falsear a realidade, vão falsear a realidade.
Por outro lado, nós não temos uma reforma política. Estamos tendo ajustes eleitorais para dar mais poderes aos partidos, indo na contramão do que a sociedade está pedindo.
Há um novo sujeito político demandando mais participação e isso não está acontecendo no Congresso. Uma questão importante que eu advogo é a das candidaturas independentes. Quebrar o monopólio dos partidos para que pessoas com bandeiras, que em cima de um programa registrado no TSE e com endosso de determinada proporção de pessoas, possam apresentar candidaturas independentes.
Se a sra. pudesse fazer apenas uma mudança no sistema político, qual seria?
Financiamento público de campanha misto, com a contribuição de cidadãos, com um teto para essa contribuição. E acabar com a contribuição de empresas.
Os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros, são citados na Operação Lava Jato e podem vir a ser denunciados formalmente. Eles deveriam se licenciar dos cargos?
Nas democracias evoluídas isso aconteceria…
Eles deveriam se licenciar?
Deveriam. Principalmente quando se tem certeza da sua inocência. Depois você tem a chance de voltar totalmente por cima.
Eduardo Cunha anunciou que vai acelerar o processo de votação de uma proposta de emenda constitucional que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos. A sra. é a favor ou contra?
Contra. Não se resolve o problema da violência colocando nossos jovens na cadeia. Há um adoecimento social que não pode ser atribuído aos jovens e adolescentes. A maior parcela dos 57 mil brasileiros assassinados por ano é de jovens e jovens negros, pessoas que não tiveram as mínimas oportunidades para poder desenvolver suas potencialidades.
Essa história de criminalizar a infância não é a solução para nos dar segurança. Muito pelo contrário, quando a gente não protege os idosos e os jovens, alguma coisa errada está acontecendo com essa sociedade.
Eduardo Cunha disse que vai propor a realização de um referendo se a redução da maioridade penal vier a ser aprovada, para que a população diga se é a favor ou contra. É uma boa ideia?
Já defendi o referendo para algumas questões, como, por exemplo, sobre a liberalização de alguns tipos de drogas que hoje são consideradas ilícitas. Isso aconteceu em outros países e foi um debate interessante. Em alguns casos o entendimento da população foi que deveria liberar, em outros não.
E quanto à maioridade penal?
Nesse caso, é um final já anunciado. A discussão não vai ser feita no mérito. A discussão vai ser em cima do jargão. Não vai ter espaço para argumentação. Hoje, o que está acontecendo é um jargão: “São violentos”. Se você tacha aquele adolescente como violento em si mesmo, isso já é um jargão. Não há mais espaço para argumentação.
Portanto, a sra. não recomenda o referendo nesse caso…
Só se fosse possível o debate. Eu acho que na situação que nós temos hoje será uma falsa democracia.
Em 2013, a sra. defendeu plebiscito sobre flexibilização da prática do aborto ou consumo da maconha. Mas disse ser contra a um plebiscito sobre casamento gay. Dois anos depois, mantém essa posição?
A mesma posição para um debate. Se for na base do rótulo, do jargão, da satanização, de quem é a favor de aborto ser execrado, quem é contra ser execrado, isso não é debate. E nesse momento parece que as pessoas não têm muita disposição para argumentação. A gente propõe as coisas para favorecer o debate. Se não vai favorecer o debate, a discussão no mérito, passa a ser apenas um pretexto para legitimar sua posição.
Como está sua saúde?
Está bem, graças a Deus. Com as minhas restrições por causa das alergias. Mas isso já faz parte da vida. Há mais de 30 anos que eu sou assim.
A sra. cogita disputar algum cargo nas eleições municipais de 2016?
Não.
Em 2018, Marina Silva será candidata a presidente?
Ainda não sei.
Pode ser?
Ainda não sei. Não sei, sinceramente. Não sei qual é a melhor maneira de contribuir com o Brasil. Não tenho como objetivo de vida ser presidente do Brasil. Tenho como objetivo de vida que o Brasil seja um país economicamente próspero, socialmente justo, culturalmente diverso e ambientalmente sustentável. Esse é o meu objetivo de vida. Se para isso tiver que ser presidente da República, já me dispus por duas vezes. Mas não significa que deva sê-lo o tempo todo. Quero contribuir para o Brasil ser melhor.
A Rede Sustentabilidade entregou ao Tribunal Superior Eleitoral, no final de maio, um novo lote de assinaturas certificadas. Quando deve sair o registro do partido?
Entregamos 56 mil assinaturas. A expectativa é que o processo seja julgado ainda em junho e possamos ter o nosso registro. Temos muito mais do que é exigido por lei. Tivemos um processo espontâneo da sociedade que coletou mais de 1 milhão de assinaturas. Há um acordo judicial que estabeleceu que o nosso processo estaria aguardando a complementação.
Se o partido foi criado em junho, poderá ter candidatos a prefeito e vereador nas eleições do ano que vem. Essa é a expectativa?
Eleição não deve ser um fim em si mesmo. Deve ser fruto do trabalho que é feito. A política entrou num processo de crise. No Brasil e no mundo. Hoje há esforços de vários partidos no mundo tentando atualizar a política. Tornar compatível as expectativas desse novo sujeito político com as ferramentas da política.
Onde houver possibilidade de compatibilizar o programa ao surgimento de lideranças, faremos um esforço para dar nossa contribuição. Em outros lugares, onde tiver compatibilidade programática, poderemos apoiar candidatos de outros partidos.
Quais partidos podem eventualmente ser aliados da Rede numa eleição?
Temos um campo criado com a candidatura do Eduardo Campos [1965-2014], formado por Rede, PSB, PPS e PPL. E temos uma aliança com o PSB em termos programáticos.
Nas eleições municipais de 2016, então, haverá uma afinidade entre a Rede e o PSB. É possível que existam alianças aí?
É possível que existam sim. Mas não é um processo linear. Depende da realidade de cada município. Vamos discutir programaticamente. Não só o que está no papel, mas a trajetória e a biografia de quem apresenta o programa.
Se for na base do programa, é possível que um candidato do PT ou do PSDB receba o apoio da Rede?
Não quero ficar falando em tese. Nas campanha de 2010 e 2014, sempre disse que não tenho uma postura de satanização de partidos. Não acho que os bons estejam só na Rede e não acho que os ruins estejam só nos outros partidos. Eles estão em todos os lugares.
É preciso verificar o programa e sua possibilidade de execução. Tem muita gente que coloca muita coisa no programa e não faz o que colocou. E tem gente que nem tem programa, e depois faz o que criticou no programa dos outros.
Com a Rede formada, o seu grupo que ficou abrigado no PSB sairá do partido?
Poucas pessoas se filiaram ao PSB. E, obviamente, são todas pré-filiadas à Rede. Eu já sou uma pré-filiada da Rede. Mas a filiação formal só é possível quando tivermos o nosso registro.
A Rede tem alguma estimativa de quantos candidatos poderá ter a prefeito e a vereador em 2016?
Não temos esse levantamento. Estamos trabalhando para fazer o registro, adensar o programa e trabalhar a formação política nos municípios. Temos muitas lideranças, principalmente pessoas jovens –não só na idade, jovem no processo político– que querem contribuir. Teremos alguns candidatos pela Rede e candidaturas que serão apoiadas por nós.
A Rede tentará ter candidatos nas 26 capitais?
Vamos ter os candidatos compatíveis com o critério de programa, representatividade e legitimidade. Não teremos estratégias puramente eleitoreiras, de ter candidato por ter candidato, porque estamos pensando nas próximas eleições. Cada eleição tem que ser focada nela mesma.
Um grande problema no Brasil é que você faz a eleição de prefeito pensando na de governador, faz a eleição de governador pensando na de presidente. Nós não faremos isso. Vamos ser um partido pequeno, do ponto de vista da estrutura, e grande do ponto de vista da legitimidade e de inserção social.
Obviamente, a estrutura nos impedirá de lançar um número significativo de candidatos. Não vamos ter a mesma disponibilidade de fundo partidário ou tempo de televisão como tem os outros partidos. Teremos no máximo 12 segundos de tempo de televisão. Vamos surgir de acordo com a lei que foi criada, principalmente, para nós. Nem teremos praticamente um fundo partidário. Vamos trabalhar para ter um fundo voluntário.
Como a Rede pretende ter fundos e se sustentar?
Com a militância dos nossos simpatizantes e filiados. Vamos trabalhar na perspectiva de criar um fundo voluntário. Li um artigo dia desses, de um cientista político que é até meu amigo, Aldo Fornazieri, que dizia que os partidos se transformaram em autarquias. São financiados pelo dinheiro do contribuinte, compulsoriamente. Independente de você concordar com a ideologia ou com o programa, você vai pagar para aquele partido.
Aparentemente, é democrático. Por outro lado, esse financiamento compulsório transforma os partidos em autarquias. Eles já têm o recurso público, do contribuinte, e não precisam convencer absolutamente ninguém a contribuir com eles. Eles prescindem do eleitor para poder ganhar a sua simpatia.
A sra. foi 2 vezes candidata a presidente, em 2010 e 2014. Teve cerca de 20 milhões de votos em cada disputa. Mas não obteve sucesso na arrecadação de fundos de indivíduos pela internet. Por que acontece esse fenômeno?
Em 2010 fomos o primeiro partido a colocar uma plataforma na internet para que o cidadão pudesse dar sua contribuição.
Mas o dinheiro não veio.
Veio daqueles que se conscientizaram. Você não pode tratar o cidadão como se ele fosse alguém que você faz o apelo e ele imediatamente responde. É um processo. A nossa expectativa, ao longo de anos, é ter uma realidade política em que muitos possam contribuir com um pouco, em vez de poucos contribuindo com muito. Em 2010 já fomos a candidatura que mais arrecadou voluntariamente.
Em 2014 também tivemos contribuições, mas muito aquém daquilo que gostaríamos que fosse. É um processo de conscientização.
É um processo de convencimento. O eleitor não é um ser passivo de ser manipulado: “Me dê o dinheiro”. Ele não vai dar. Ele quer olhar, perceber o que vai ser feito com esse dinheiro. É claro que você tem que se expor a isso. E a gente se dispõe a essa exposição. É democracia, se a pessoas querem contribuir, elas vão contribuir.
A sra. tem pouca exposição na mídia. É uma estratégia deliberada de não ter uma presença constante, diária, na mídia?
Não é uma estratégia. É uma postura. Continuo fazendo o meu trabalho. Continuo tratando dos temas que fazem parte da minha trajetória de vida, da minha militância política. Num momento de crise como esse, temos que ter uma atitude cautelosa.
Nos primeiros meses você tem que deixar o governo se estabelecer. Respeitar o voto do cidadão para um determinado grupo político. Aguardar o que esse grupo vai apresentar como parte do seu projeto, principalmente quando não apresentou no momento mais importante, durante a campanha. O PT e a presidente Dilma não apresentaram um programa de governo.
Eu continuei falando, me manifestei nas redes sociais. Em alguns momentos falei com a imprensa. Mas faz parte da minha forma de ser. Não tenho uma ansiedade tóxica de falar sobre tudo e ainda falar sobre o resto.
Entramos no 6º mês do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. Qual a sua avaliação sobre ele?
O segundo mandato da presidente Dilma é Dilma denunciando Dilma. Ela está sucedendo a ela própria. O presidente Lula, quando assumiu seu primeiro governo, amaldiçoou a herança que recebeu. A presidente Dilma é a herança dela própria.
Os problemas que hoje estão acontecendo foram criados por ela. Inclusive subestimar a crise de 2008, que fez parte de uma estratégia do PT. Enquanto os outros países estavam tomando medidas para resolver a crise, aqui se estava tratando como uma marolinha. E agora, quando os demais estão saindo da crise e começando a colher os frutos do dever de casa feito, nós estamos pagando o altíssimo preço de não termos feito o dever de casa.
Infelizmente, a presidente Dilma, durante a campanha, falou que estávamos no melhor dos mundos e que teríamos uma realidade totalmente colorida. Logo em seguida à sua eleição, pede à sociedade que faça sacrifícios para uma crise que ela mesma não é capaz de reconhecer.
É um governo muito difícil, com graves problemas de corrupção e governabilidade. O presidencialismo de coalizão virou hoje um verdadeiro presidencialismo de confusão. São 39 ministérios distribuídos entre 10 partidos da base e a presidente não consegue a maioria no Congresso para passar suas medidas. Ou quando as consegue aprovar é a um custo muito alto para sociedade em função da barganha que se estabelece.
A presidente, na propaganda eleitoral de 2014, mentiu aos brasileiros?
A presidente disse, e isso está na internet, que na hora de ganhar a eleição faria o diabo. Fez uma campanha que extrapolou os limites da ética. Não vale tudo para se ganhar o poder. Negar a realidade dos fatos de uma crise que já estava anunciada.
Dia desses, ouvi de um economista que eu respeito ligado ao Partido dos Trabalhadores, o Marcio Pochmann, que “o ajuste fiscal já estava no Orçamento, a presidente Dilma até era mais conservadora do que o Joaquim Levy, ele está propondo 1,5%, nós estávamos propondo 2%”. Eu até brinquei com o Bazileu [Margarido], que é uma das pessoas que me ajudaram na economia, e disse: “Vocês não viram isso nesse Orçamento?”. O governo já estava assumindo que tinha um grave problema em relação aos problemas fiscais, estava propondo um ajuste fiscal de 2%, segundo o que disse o Marcio Pochmann. E durante todo o debate [das eleições de 2014], isso não apareceu.
A sociedade brasileira se sentiu enganada em muitos aspectos. Fui vítima talvez de uma das piores campanhas de desconstrução de um adversário que se tem notícia na história desse país.
Em linguagem bem popular, a propaganda eleitoral da então candidata Dilma Rousseff continha inverdades ou mentiras?
A campanha extrapolou os limites da ética. Tratou os adversários de uma forma injusta. Em vários lugares. Eu cheguei no Estado do Pará e as pessoas diziam que, pelo fato de eu ser evangélica, eu iria acabar com o Círio de Nazaré. Como se fosse possível uma coisa dessas.
Aquela propaganda na qual sumia a comida da mesa das pessoas e entregue dinheiro para os banqueiros, atribuídos à minha pessoa… Isso é extrapolar os limites da ética. Tirar a comida da mesa dos trabalhadores é o que está acontecendo agora. Milhares de empregos desaparecendo no comércio, na indústria e na construção civil. Esses trabalhadores, sim, estão perdendo os seus meios para alimentar a sua família.
Quando você vê, no momento de maior dificuldade, quando as pessoas estão perdendo o seu emprego, ser dificultado o acesso ao seguro-desemprego. As pessoas vendo o Pronatec, para o seu aperfeiçoamento profissional, sendo cortado pela metade.
O ajuste fiscal, tal como está sendo implementado pela presidente Dilma Rousseff é apropriado?
O ajuste, anunciado sem que qualquer autocrítica tenha sido feita, perde muita credibilidade. E é mais duro e amargo do que se fosse dentro de um processo político com maior credibilidade. A falta de credibilidade faz com que as medidas tenham que ser muito mais duras para poder convencer os investidores.
Tem algum reparo no ajuste que a sra. faria?
Não pode ser um ajuste sem cara.
Mas ele não tem a cara do governo Dilma?
Quando eu digo cara, é a da sociedade brasileira. A cara da Dilma o povo já está cansado de ver. O ajuste feito sem rosto, sem cara, que tira o dinheiro do Pronatec quando os trabalhadores estão ficando desempregados e poderiam passar pelo processo de capacitação. Tira o seguro-desemprego, dificulta o acesso, quando os trabalhadores estão sofrendo o maior volume de desemprego.
A sociedade sabe qual é o projeto de país? Ou é como diz o [Eduardo] Gianetti: consertar agora o brinquedo para brincar com ele depois, perto de 2016, de 2018? Qual é o projeto? A sociedade está pagando um alto preço pelas medidas tomadas para ganhar essa eleição de 2014. Maquiagem e desequilíbrio nas contas públicas. Depois a sociedade paga com elevação de tarifas e dos juros. A sociedade vai fazer sacrifício para quê?
O governo tem dito que este ano de 2015 é o momento mais agudo. O país já estaria preparado para retomar o crescimento no ano que vem. É uma previsão otimista ou exequível?
Acho que nós vamos ter uma crise que vai se aprofundar. Tenho conversado com muita gente, economistas…
E que juízo a sra. formou?
O que eu ouço é que vamos ter uma crise que vai se aprofundar, pelo menos pelos próximos dois anos. Sem sombra de dúvida, vamos ter uma crise que vai se aprofundar. E os setores integrados à economia urbana vão pagar um preço muito alto, porque as empresas terceirizadas vão começar a demitir pessoas. Aqueles que estão prestando serviços associados a vários setores produtivos começam a perder os seus postos de trabalho.
A classe média emergente está pagando um preço altíssimo. Com inadimplência, porque uma boa parte dela já não consegue mais pagar suas contas, com o desemprego, que aumenta a cada dia, essa situação vai piorar. É um processo em cadeia.
Temos uma situação que se agrava. E nesse momento não é hora de fazermos malabarismos artificiais para recuperar a popularidade. Esse é o momento de se focar na crise, ter uma atitude de responsabilidade com o país. Recuperar a credibilidade. Isso é válido para o governo, para a oposição e para quem está assumindo posição.
Até por uma questão de justiça, devo dizer que o presidente Fernando Henrique Cardoso está tendo uma atitude de respeito com o país. Se fosse qualquer outro à frente da Presidência da República, com o PT na oposição, a crise política, econômica e de corrupção que temos hoje, com baixíssimos índices de popularidade, esse governo já teria ido ao chão.
Há uma atitude de responsabilidade. Não de ser conivente com os erros que foram praticados, mas ser coerente com o país que nós queremos que não pague o preço mais alto ainda pelos problemas que foram criados.
A sra. acha que existem elementos suficientes para requerer o impeachment da presidente Dilma Rousseff, como alguns da oposição acreditam?
Não temos uma parte fundamental desses elementos. A presidente tem responsabilidades políticas em relação às denúncias de corrupção do seu governo. Agora, ainda não ficou provado responsabilidade direta. Não sou do tipo que acha que os fins justificam os meios.
Não se pode, porque você não concorda com o que está sendo feito pelo presidente de plantão, simplesmente achar que pode removê-lo passando por cima da lei.
Uma parcela do PSDB, sobretudo na Câmara dos Deputados, pensa de maneira diversa. Acham que sim: haveria condições de requerer o impeachment da presidente. Na sua avaliação, o PSDB tem desempenhado a função que lhe cabe como oposição?
Tem uma situação clássica e uma oposição clássica no nosso país. A oposição clássica está em crise e a situação clássica está em crise. E eles mesmo criaram essa crise. Essa lógica da oposição pela oposição, que perdurou nas últimas décadas, nos levou a esse abismo da polarização. É o momento de reconhecer que a verdade não está com nenhum de nós, mas que a verdade está entre nós. Se tem uma coisa boa que a Dilma manda para o Congresso, não tenho porque ser contra. Se ela não está cumprindo com o seu papel de liderar esse processo, não tenho porque ser a favor.
Em 2014, no segundo turno, a sra. declarou apoio ao candidato Aécio Neves. Olhando em retrospecto, a sra. está feliz com essa decisão e ela teve o efeito que você esperava?
Apoiei em cima de uma carta compromisso. O Aécio Neves apresentou uma carta aos brasileiros dizendo que não ia acabar com os programas sociais que vinham sendo implementados no governo do PT e que iria fazer de tudo para recuperar os fundamentos macroeconômicos do Plano Real, mas mantendo a linha dos investimentos na área social. Foi um gesto muito interessante e eu o apoiei em cima desse compromisso.
A sua decisão deixou efeitos ao longo dos meses seguintes?
A posição do meu grupo político era votar nulo, branco ou Aécio. Eu, individualmente, assumi que ia votar no Aécio. E acho que foi uma coisa boa. Por exemplo, o Aécio assinou que não apoiará a PEC que transfere para o Congresso a responsabilidade pela demarcação de terras indígenas. E olha que tem muitas lideranças do PSDB que são favoráveis a essa PEC.
A Câmara dos Deputados aprovou o fim da reeleição. Qual a sua opinião?
Desde 2010 sou contra a reeleição. Coloquei isso no meu programa. Defendi isso na campanha em 2014. A reeleição é um problema na América Latina. As pessoas não fazem o que é necessário para o país, fazem o que é necessário para se reeleger. Se para se reeleger tem que falsear a realidade, vão falsear a realidade.
Por outro lado, nós não temos uma reforma política. Estamos tendo ajustes eleitorais para dar mais poderes aos partidos, indo na contramão do que a sociedade está pedindo.
Há um novo sujeito político demandando mais participação e isso não está acontecendo no Congresso. Uma questão importante que eu advogo é a das candidaturas independentes. Quebrar o monopólio dos partidos para que pessoas com bandeiras, que em cima de um programa registrado no TSE e com endosso de determinada proporção de pessoas, possam apresentar candidaturas independentes.
Se a sra. pudesse fazer apenas uma mudança no sistema político, qual seria?
Financiamento público de campanha misto, com a contribuição de cidadãos, com um teto para essa contribuição. E acabar com a contribuição de empresas.
Os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros, são citados na Operação Lava Jato e podem vir a ser denunciados formalmente. Eles deveriam se licenciar dos cargos?
Nas democracias evoluídas isso aconteceria…
Eles deveriam se licenciar?
Deveriam. Principalmente quando se tem certeza da sua inocência. Depois você tem a chance de voltar totalmente por cima.
Eduardo Cunha anunciou que vai acelerar o processo de votação de uma proposta de emenda constitucional que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos. A sra. é a favor ou contra?
Contra. Não se resolve o problema da violência colocando nossos jovens na cadeia. Há um adoecimento social que não pode ser atribuído aos jovens e adolescentes. A maior parcela dos 57 mil brasileiros assassinados por ano é de jovens e jovens negros, pessoas que não tiveram as mínimas oportunidades para poder desenvolver suas potencialidades.
Essa história de criminalizar a infância não é a solução para nos dar segurança. Muito pelo contrário, quando a gente não protege os idosos e os jovens, alguma coisa errada está acontecendo com essa sociedade.
Eduardo Cunha disse que vai propor a realização de um referendo se a redução da maioridade penal vier a ser aprovada, para que a população diga se é a favor ou contra. É uma boa ideia?
Já defendi o referendo para algumas questões, como, por exemplo, sobre a liberalização de alguns tipos de drogas que hoje são consideradas ilícitas. Isso aconteceu em outros países e foi um debate interessante. Em alguns casos o entendimento da população foi que deveria liberar, em outros não.
E quanto à maioridade penal?
Nesse caso, é um final já anunciado. A discussão não vai ser feita no mérito. A discussão vai ser em cima do jargão. Não vai ter espaço para argumentação. Hoje, o que está acontecendo é um jargão: “São violentos”. Se você tacha aquele adolescente como violento em si mesmo, isso já é um jargão. Não há mais espaço para argumentação.
Portanto, a sra. não recomenda o referendo nesse caso…
Só se fosse possível o debate. Eu acho que na situação que nós temos hoje será uma falsa democracia.
Em 2013, a sra. defendeu plebiscito sobre flexibilização da prática do aborto ou consumo da maconha. Mas disse ser contra a um plebiscito sobre casamento gay. Dois anos depois, mantém essa posição?
A mesma posição para um debate. Se for na base do rótulo, do jargão, da satanização, de quem é a favor de aborto ser execrado, quem é contra ser execrado, isso não é debate. E nesse momento parece que as pessoas não têm muita disposição para argumentação. A gente propõe as coisas para favorecer o debate. Se não vai favorecer o debate, a discussão no mérito, passa a ser apenas um pretexto para legitimar sua posição.
Como está sua saúde?
Está bem, graças a Deus. Com as minhas restrições por causa das alergias. Mas isso já faz parte da vida. Há mais de 30 anos que eu sou assim.
A sra. cogita disputar algum cargo nas eleições municipais de 2016?
Não.
Em 2018, Marina Silva será candidata a presidente?
Ainda não sei.
Pode ser?
Ainda não sei. Não sei, sinceramente. Não sei qual é a melhor maneira de contribuir com o Brasil. Não tenho como objetivo de vida ser presidente do Brasil. Tenho como objetivo de vida que o Brasil seja um país economicamente próspero, socialmente justo, culturalmente diverso e ambientalmente sustentável. Esse é o meu objetivo de vida. Se para isso tiver que ser presidente da República, já me dispus por duas vezes. Mas não significa que deva sê-lo o tempo todo. Quero contribuir para o Brasil ser melhor.
Vídeo com a íntegra da entrevista com Marina Silva:
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