Auxílio-moradia virou imoralidade
Vista da casa do Juiz Marcelo Bretas, responsável pela Lava Jato no Rio de Janeiro |
Sergio Moro diz que as críticas às prisões da Lava Jato revelam a
existência no Brasil de uma “sociedade de castas”, sem “igualdade
republicana”. Tem razão. Dos 726 mil presos no Brasil, menos de 1% foi
para a cadeia por corrupção. Mas a casta dos larápios de colarinho
branco não é a única existente no país. Procuradores e juízes decidiram
transformar uma agenda sindical num processo de autodesmoralização.
Defendem o “direito” a um auxílio-moradia de R$ 4.377.
Alega-se que o privilégio está na lei. Meia verdade: a lei diz que, além
dos vencimentos, “poderão” ser concedidas vantagens aos magistrados.
Essa “possibilidade” virou direito adquirido graças a uma liminar do
ministro Luiz Fux, do STF. Coisa de 2014. O julgamento do mérito está há
três anos no armário onde são guardados os assuntos pendentes do
Supremo.
O auxílio-moradia faz sentido quando o servidor é transferido para outra
cidade. Vira ofensa ao erário quando o beneficiário tem casa na cidade
onde trabalha. Marcelo Bretas e Sérgio Moro, juízes da Lava Jato, estão
nessa situação. Têm belas residências no Rio e Curitiba. E acham normal
embolsar o auxílio-moradia.
O caso de Bretas é ainda mais constrangedor, pois sua mulher, Simone
Bretas, juíza como ele, também recebe o auxílio-teto. Assim, o orçamento
doméstico do casal Bretas recebe do contribuinte brasileiro um tônico
mensal de R$ 8.755,46. Sergio Moro, outro pilar da Lava Jato, alegou que
recebe o benefício “discutível” porque os magistrados estão sem
reajuste salarial há três anos.
Sete em cada dez juízes recebem vencimentos acima do teto constitucional
de R$ 33,7 mil. Dispõem de estabilidade no emprego, aposentadoria
integral, dois meses de férias e outros privilégios. Quem estiver
insatisfeito sempre poderá pedir demissão. Confundir normalidade com
privilégios é um velho hábito das castas dominantes. O auxílio-moradia
tornou-se um puxadinho da imoralidade no contracheque de quem deveria
dar o exemplo.
O custo do auxílio-moradia à União — Um levantamento feito
pela Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado
mostrou que a União gastou aproximadamente R$ 817 milhões em 2017 com o
pagamento de auxílio-moradia nos três Poderes: Legislativo, Executivo e
Judiciário. Os dados constam do site Siga Brasil, sistema de informações
sobre orçamento público federal, e foram coletados em dezembro. No
total, o impacto financeiro do benefício nos gastos públicos ultrapassa
os R$ 4,3 bilhões nos últimos oito anos.
Em 2018, a União deve gastar R$ 831 milhões, segundo previsto na Lei
Orçamentária Anual (LOA), aprovada pelo Congresso em dezembro. Mas isso
não significa que a União vai pagar, efetivamente, esse total. No ano
passado, por exemplo, o Congresso havia autorizado R$ 865 milhões em
gastos com auxílio-moradia, mas o total pago ficou em R$ 817 milhões —
valor atualizado pela inflação tendo como base o Índice Nacional de
Preços ao Consumidor (IPCA).
O debate sobre o peso do auxílio-moradia no Orçamento da União ocorre
após virem a público casos de magistrados que recebem o benefício mesmo
tendo domicílio próprio nas cidades em que atuam. O auxílio foi
garantido por liminar do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal,
a juízes de todo o País em 2014. O pagamento foi estabelecido pela Lei
Orgânica da Magistratura, de 1979. Pelo texto, além do salário,
magistrados dispõem desse direito "nas localidades em que não houver
residência oficial à disposição".
Entretanto, não é apenas no Judiciário que os agentes públicos podem
requerer o benefício. Tanto integrantes do Legislativo como do Executivo
podem ter acesso ao pagamento. Em 2017, o maior montante foi pago pelo
Executivo. Foram R$ 330 milhões de despesas com o benefício, concedidos a
agentes públicos civis e militares, no Brasil ou no exterior.
O Judiciário foi o segundo poder que mais custeou o auxílio-moradia para
seus membros, com R$ 291 milhões gastos, seguido do Ministério Público —
R$ 108 milhões. O Legislativo garantiu R$ 10 milhões em pagamentos
deste tipo.
O mesmo levantamento realizado pela consultoria do Senado apontou que o
custeio de auxílio-moradia subiu de R$ 75 milhões em 2010, nos três
Poderes, para R$ 817 milhões no ano passado, em valores reais. O aumento
mais significativo ocorreu entre 2014 e 2015, quando Fux concedeu a
liminar beneficiando todos os magistrados. Em 2014, a União gastava R$
363 milhões; em 2015, R$ 820 milhões.
"É possível observar uma trajetória de crescimento dos gastos, com salto
considerável entre 2014 e 2015. O referido salto é decorrência de
decisões do Supremo Tribunal Federal que beneficiaram membros do
Judiciário, concedendo-lhes direito à percepção do auxílio-moradia, e de
consequentes normas do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho
Nacional do Ministério Público", diz o estudo.
O Congresso gastou, em média, R$ 810.930,95 por mês em 2017 com
auxílio-moradia para deputados e senadores. Na Câmara, 151 parlamentares
que não utilizam apartamentos funcionais têm direito a receber o
benefício — 70 recebem em espécie e 81 pedem reembolso.
Segundo a assessoria da Câmara, "as normas que regulamentam o
auxílio-moradia não condicionam a concessão do benefício à inexistência
de imóvel próprio" no Distrito Federal. No Senado, 16 parlamentares
pedem o auxílio de R$ 5,5 mil. Em dezembro, a Casa gastou R$ 79.933,33
com o benefício e, nos demais meses do ano, a média de gasto foi de R$
87.822,58.
Após o comandante da Marinha, Eduardo Bacellar Leal Ferreira, defender a
volta do auxílio-moradia para militares, o presidente Michel Temer
considerou "justa" a reivindicação. Temer disse que ainda não há
decisão, mas que os militares têm "defasagem salarial".
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