domingo, 4 de fevereiro de 2018

Auxílio-moradia virou imoralidade



Vista da casa do Juiz Marcelo Bretas,
responsável pela Lava Jato no Rio de Janeiro


Sergio Moro diz que as críticas às prisões da Lava Jato revelam a existência no Brasil de uma “sociedade de castas”, sem “igualdade republicana”. Tem razão. Dos 726 mil presos no Brasil, menos de 1% foi para a cadeia por corrupção. Mas a casta dos larápios de colarinho branco não é a única existente no país. Procuradores e juízes decidiram transformar uma agenda sindical num processo de autodesmoralização. Defendem o “direito” a um auxílio-moradia de R$ 4.377.
Alega-se que o privilégio está na lei. Meia verdade: a lei diz que, além dos vencimentos, “poderão” ser concedidas vantagens aos magistrados. Essa “possibilidade” virou direito adquirido graças a uma liminar do ministro Luiz Fux, do STF. Coisa de 2014. O julgamento do mérito está há três anos no armário onde são guardados os assuntos pendentes do Supremo.
O auxílio-moradia faz sentido quando o servidor é transferido para outra cidade. Vira ofensa ao erário quando o beneficiário tem casa na cidade onde trabalha. Marcelo Bretas e Sérgio Moro, juízes da Lava Jato, estão nessa situação. Têm belas residências no Rio e Curitiba. E acham normal embolsar o auxílio-moradia.
O caso de Bretas é ainda mais constrangedor, pois sua mulher, Simone Bretas, juíza como ele, também recebe o auxílio-teto. Assim, o orçamento doméstico do casal Bretas recebe do contribuinte brasileiro um tônico mensal de R$ 8.755,46. Sergio Moro, outro pilar da Lava Jato, alegou que recebe o benefício “discutível” porque os magistrados estão sem reajuste salarial há três anos.
Sete em cada dez juízes recebem vencimentos acima do teto constitucional de R$ 33,7 mil. Dispõem de estabilidade no emprego, aposentadoria integral, dois meses de férias e outros privilégios. Quem estiver insatisfeito sempre poderá pedir demissão. Confundir normalidade com privilégios é um velho hábito das castas dominantes. O auxílio-moradia tornou-se um puxadinho da imoralidade no contracheque de quem deveria dar o exemplo.



O custo do auxílio-moradia à União — Um levantamento feito pela Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado mostrou que a União gastou aproximadamente R$ 817 milhões em 2017 com o pagamento de auxílio-moradia nos três Poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário. Os dados constam do site Siga Brasil, sistema de informações sobre orçamento público federal, e foram coletados em dezembro. No total, o impacto financeiro do benefício nos gastos públicos ultrapassa os R$ 4,3 bilhões nos últimos oito anos.
Em 2018, a União deve gastar R$ 831 milhões, segundo previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA), aprovada pelo Congresso em dezembro. Mas isso não significa que a União vai pagar, efetivamente, esse total. No ano passado, por exemplo, o Congresso havia autorizado R$ 865 milhões em gastos com auxílio-moradia, mas o total pago ficou em R$ 817 milhões — valor atualizado pela inflação tendo como base o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA).
O debate sobre o peso do auxílio-moradia no Orçamento da União ocorre após virem a público casos de magistrados que recebem o benefício mesmo tendo domicílio próprio nas cidades em que atuam. O auxílio foi garantido por liminar do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, a juízes de todo o País em 2014. O pagamento foi estabelecido pela Lei Orgânica da Magistratura, de 1979. Pelo texto, além do salário, magistrados dispõem desse direito "nas localidades em que não houver residência oficial à disposição".
Entretanto, não é apenas no Judiciário que os agentes públicos podem requerer o benefício. Tanto integrantes do Legislativo como do Executivo podem ter acesso ao pagamento. Em 2017, o maior montante foi pago pelo Executivo. Foram R$ 330 milhões de despesas com o benefício, concedidos a agentes públicos civis e militares, no Brasil ou no exterior.
O Judiciário foi o segundo poder que mais custeou o auxílio-moradia para seus membros, com R$ 291 milhões gastos, seguido do Ministério Público — R$ 108 milhões. O Legislativo garantiu R$ 10 milhões em pagamentos deste tipo.
O mesmo levantamento realizado pela consultoria do Senado apontou que o custeio de auxílio-moradia subiu de R$ 75 milhões em 2010, nos três Poderes, para R$ 817 milhões no ano passado, em valores reais. O aumento mais significativo ocorreu entre 2014 e 2015, quando Fux concedeu a liminar beneficiando todos os magistrados. Em 2014, a União gastava R$ 363 milhões; em 2015, R$ 820 milhões.
"É possível observar uma trajetória de crescimento dos gastos, com salto considerável entre 2014 e 2015. O referido salto é decorrência de decisões do Supremo Tribunal Federal que beneficiaram membros do Judiciário, concedendo-lhes direito à percepção do auxílio-moradia, e de consequentes normas do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público", diz o estudo.
O Congresso gastou, em média, R$ 810.930,95 por mês em 2017 com auxílio-moradia para deputados e senadores. Na Câmara, 151 parlamentares que não utilizam apartamentos funcionais têm direito a receber o benefício — 70 recebem em espécie e 81 pedem reembolso.
Segundo a assessoria da Câmara, "as normas que regulamentam o auxílio-moradia não condicionam a concessão do benefício à inexistência de imóvel próprio" no Distrito Federal. No Senado, 16 parlamentares pedem o auxílio de R$ 5,5 mil. Em dezembro, a Casa gastou R$ 79.933,33 com o benefício e, nos demais meses do ano, a média de gasto foi de R$ 87.822,58.
Após o comandante da Marinha, Eduardo Bacellar Leal Ferreira, defender a volta do auxílio-moradia para militares, o presidente Michel Temer considerou "justa" a reivindicação. Temer disse que ainda não há decisão, mas que os militares têm "defasagem salarial".




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