Cursos exclusivos preparam herdeiros para administrar milhões
Cursos exclusivos no Brasil e no exterior ensinam jovens a administrar os negócios da família — ou a criar os seus próprios.
O convite chega por e-mail. Chama o filho mais velho do clã a
participar de um curso para herdeiros. Uma imersão de dias no mundo dos
negócios, especialmente moldado para dar lustro aos filhos de famílias
com contas bancárias bem fornidas — de repente, o herdeiro se vê no meio
de reuniões em que tem de apresentar os negócios da família a
investidores.
O imperador Dom Pedro II aos 12 anos, em quadro de Félix Taunay de 1837. O príncipe herdeiro foi preparado dos 5 aos 15 anos para assumir o trono do Brasil. |
Cursos assim costumam acontecer em cidades como Londres, Nova York e
Zurique. Em geral, são organizados por grandes instituições financeiras,
que selecionam alunos em meio à prole de seus investidores mais
robustos. Desde o fim dos anos 2000, quando ganharam maior notoriedade,
os cursos para herdeiros cumprem a função de ajudar famílias
empreendedoras a fazer uma transição saudável de comando. Ou
simplesmente manter os membros mais jovens da família interessados pelos
negócios que seus pais e avós criaram.
O assunto importa porque a saúde dessas companhias familiares tem
impacto na economia. De acordo com um levantamento da consultoria KPMG,
as empresas familiares representam 70% do PIB global. Garantir que se
mantenham sustentáveis exige disciplina — num ambiente em que, em muitos
casos, a harmonia entre razão e emoção nem sempre prevalece. “Dividir o
que é negócio e o que é família é um dos pontos essenciais”, disse
Ricardo Belo, coordenador dos cursos para herdeiros da consultoria EY.
“É preciso criar um acionista que tenha o mínimo de conhecimento sobre
sua empresa para que ele entenda o que é o negócio.”
Alguns cursos incluem palestras com gurus do mercado e grandes
empresários. Falam sobre ações, startups ou transições familiares
bem-sucedidas. Outros dão ênfase ao networking — nesse universo, bons
amigos podem se tornar também boas conexões para negócios. O cenário é
diverso, da assepsia de escritórios corporativos ao aconchego de hotéis
de luxo ou resorts.
Em inglês, os cursos para herdeiros ganharam um apelido charmoso:
“nextgen programs”, ou programas para a próxima geração. São uma adição
recente aos serviços que, décadas atrás, eram prestados por advogados,
conselheiros financeiros e psicólogos, responsáveis por acompanhar os
percalços de famílias com patrimônio. “A formação do conselheiro, e o
tipo de auxílio oferecido, mudou conforme mudavam as necessidades dessas
famílias”, explicou o americano Jamie McLaughlin. Um senhor de lábios
finos e vasta calva, McLaughlin dá aulas na escola de negócios da
Universidade Columbia. Há mais de 30 anos, trabalha como conselheiro de
famílias endinheiradas. Segundo ele, a maior procura hoje é por
atividades que preparem herdeiros para ocupar um lugar de importância em
suas empresas ou que os tornem bons acionistas.
Durante fins de semana intensos de curso, bancos e consultorias têm a
chance de fidelizar os filhos de velhos clientes ou de vender novos
produtos a empresas. Os cursos são caros ou exigem que as famílias
tenham determinado volume de investimentos. Mesmo assim, os brasileiros
aderiram à ideia com entusiasmo. O país está entre os cinco que mais
enviam participantes para um dos cursos da EY — uma atividade com
duração de uma semana, sempre em parceria com alguma universidade de
renome, e cujos alunos são escolhidos a dedo. Além do Brasil, outros
participantes assíduos são Arábia Saudita, México, Canadá e Holanda.
Custa, em média, € 6 mil.
Um pouco mais acessível, o programa para herdeiros da Fundação Dom
Cabral cobra em torno de R$ 19 mil por duas semanas de curso. A partir
deste ano, vai receber até 25 jovens convidados pela instituição para
conduzi-los a uma jornada no mundo dos negócios por meio de palestras,
dinâmicas, debates, visitas a empresas e depoimentos. O banco Credit
Suisse Hedging-Griffo também tem dois cursos procurados pelos
brasileiros e destinados aos filhos de seus investidores mais graúdos,
chamados de “ultra high”. Um dos módulos, batizado de Family Ties (laços
de família), leva 30 famílias latino-americanas para Zurique com o
objetivo de ampliar os vínculos e o engajamento dos herdeiros nos
negócios do clã. “Na última edição havia um patriarca de 80 anos e seu
neto de 18. Conseguimos promover uma aproximação geracional enorme, que
reflete em resultados diretos no negócio”, disse Kelly Fuoco,
vice-presidente da área de wealth planning do Credit Suisse
Hedging-Griffo. Para participar, as família devem ter aplicações de, no
mínimo, R$ 80 milhões.
Além de participar de atividades pontuais, é possível pedir às
consultorias a criação de um plano de desenvolvimento completo. A
criação de um plano de desenvolvimento sob medida.
Conforme as gerações se sucedem num grupo familiar, duas coisas tendem a
acontecer: a família aumenta, e os interesses se diversificam.
Carlos Gamboa é uma espécie de tutor. Em alguns casos, ensina herdeiros a empreender. Em outros, ajuda as famílias a usar os interesses dos jovens para inovar suas empresas. |
Como despertar o interesse de um grupo de herdeiros jovens e inquietos
por uma empresa tradicional? É onde entra Carlos Gamboa, um homem esguio
e simpático, desses de rosto bem escanhoado e cabelo penteado para o
lado. Depois de trabalhar por anos no mercado financeiro e de viver “os
prazeres e dores” de empreender, transformou-se em um criador de
startups. Com um grupo de sócios, fundou a Fischer, uma venture builder.
“Invertemos a lógica do investimento”, contou, durante uma conversa em
um café em São Paulo. “Em lugar de sair em busca de bons negócios nos
quais investir, decidimos criar os nossos próprios negócios inovadores e
buscar investidores.”
O trabalho o aproximou de grupos familiares bem estabelecidos e
interessados em aprender a apostar no mercado de startups. Hoje, ele
ensina às famílias que é possível aliar os interesses de herdeiros
afoitos aos de um grupo familiar que precisa inovar. “Se a empresa está
próxima de um ambiente inovador, consegue diversificar sua atuação e se
preparar para essas grandes modificações do mercado”, diz Gamboa.
Carlos Gamboa atua como uma espécie de tutor para herdeiros e empresas
que estudam ampliar o portfólio. “Alguns herdeiros podem virar
empreendedores. Outros podem estudar para se tornar bons investidores”,
acrescenta.
Segundo os melhores cursos para herdeiros, engajamento é algo que pode ser aprendido.
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