O brasileiro perdeu a devoção pelo voto
A mais nova pesquisa do Ibope informa que 41% dos eleitores estão sem
candidato a presidência. Esse bloco divide-se entre os 33% que planejam
desperdiçar o voto (brancos ou nulos) e os 8% que não têm ideia do que
fazer com ele (não sabem ou não responderam). Os dados revelam que, a
apenas quatro meses da eleição, a disputa pela poltrona de presidente da
República está aberta.
Os otimistas dirão que não há motivo para pessimismo, pois o grande
número de desorientados constitui uma oportunidade fantástica para o
surgimento de alguma orientação. Mas a grande verdade é a seguinte: há
na praça pelo menos 20 presidenciáveis se oferecendo para assumir “o
volante”. Mas nenhum deles oferece “um itinerário” capaz de seduzir o
pedaço do eleitorado que não enxerga “um rumo”.
A lógica indica que a lista de presidenciáveis vai murchar — até por uma
questão de sobrevivência. A depuração é um imperativo
político-monetário. O acesso dos partidos às verbas públicas do Fundo
Partidário e à vitrine da propaganda no rádio e na TV é definido pelo
tamanho das bancadas na Câmara. E as legendas, privadas das
contribuições empresariais, vão priorizar a eleição para o Legislativo. A
maioria não cogita esbanjar a verba do fundo eleitoral na campanha de
presidenciáveis sem viabilidade eleitoral.
O cenário será outro em 6 de agosto, quando termina o prazo para a
realização das convenções partidárias. Os franco-atiradores e os
neófitos da campanha presidencial serão lançados ao mar. Em 15 de
agosto, expira o prazo para o registro das candidaturas no TSE. Até lá, o
mercado das urnas se baseará mais em expectativas do que em fatos. E a
expectativa, até o momento, é de uma eleição marcada pela falência do
sistema político. Uma disputa em que mais de 40% do eleitorado não
consegue enxergar uma porta de saída na antessala da eleição.
Na sucessão de 2014, pesquisa do Ibope computava apenas 8% de votos
brancos e nulos na altura do mês de junho. Quer dizer: aumentou
sensivelmente a taxa de indefinição. Eis a verdade insofismável: o
grande protagonista de 2018 é o caldeirão em que se misturam os
eleitores raivosos e desalentados. Os candidatos terão de rebolar para
conquistar essa gente.
A redemocratização brasileira é uma conquista relativamente recente.
Alguns, com a barba branca, votaram pela primeira vez em 1989, já na
bica de completar 28 anos. Gostariam de ter votado antes, mas a ditadura
militar não deixou. Ainda se lembram da solenidade que envolvia o
ritual do voto. O eleitor era movido pela suposição de que sua
preocupação era útil. Isso acabou.
No momento, o eleitor se vê numa encruzilhada. Entre opções lamentáveis e
impensáveis, ele prefere o exílio do voto inválido. Em três décadas de
redemocratização, a devoção ao voto virou ceticismo, converteu-se em
nojo e já vai se consolidando como um transtorno. Nunca foi tão fácil
como agora, a apenas quatro meses da eleição, compreender a tese de
Churchill — aquela segundo a qual a democracia é a pior forma de governo
salvo todas as demais.
Quase metade do eleitorado cogita jogar o voto pela janela. Trata-se de um direito. Viva a democracia!
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