sábado, 6 de janeiro de 2018

Festa de fim de ano em firma multinacional
leva à demissão e gera polêmica



A multinacional Salesforce produz softwares para empresas como Embraer, iFood e SulAmérica. Como fazem muitas empresas, promoveu uma festa de final de ano para os funcionários em dezembro de 2017. A descontração na filial brasileira, porém, extrapolou os padrões aceitáveis pela matriz americana e acabou levando à troca no comando da subsidiária.
A demissão dos executivos da multinacional americana Salesforce após o episódio envolvendo uma fantasia considerada inapropriada na festa de fim de ano da companhia gerou muitas controvérsias.
No início de dezembro de 2017, Daniel Prado, que atuava na área de vendas da Salesforce, foi fantasiado como o meme "Negão do WhatsApp" na festa de fim de ano da empresa. Uma foto do evento chegou à matriz, que decidiu demitir não só o funcionário mas também Rodrigo Pinto, diretor comercial, e Mauricio Prado, presidente da multinacional no Brasil.



Mensagem de WhatsApp com fantasia de meme "Negão do WhatsApp"
da festa de fim de ano da multinacional Salesforce


O FATO — A área de recursos humanos entendeu que seria divertido promover um concurso de fantasia na confraternização anual, com premiação em dinheiro aos três melhores paramentados.
O primeiro colocado levaria R$ 3.000. A votação ficaria a cargo dos cerca de 250 participantes da festa.
Um dos funcionários, Daniel Prado, que atuava na área de vendas, quis fantasiar-se como um meme popular que circula no aplicativo WhatsApp, chamado de "Negão do WhatsApp". Vestiu camisa azul, colocou uma toalha no ombro, chapéu rosa e improvisou uma prótese para imitar o pênis do personagem.
Ficou em quarto lugar no concurso de fantasias e foi parar no centro de uma foto, ao lado do diretor comercial e de outras dez pessoas, todas se divertindo.
Na matriz, em San Francisco (Costa Oeste dos Estados Unidos), aonde a imagem com o fantasiado chegou, deflagrou uma crise.
As versões sobre o impacto da imagem divergem. Uma delas, que circula na internet, diz que a direção da companhia teria pedido a demissão do funcionário, mas o diretor comercial, Rodrigo Pinto, tentou mantê-lo no cargo, argumentando que no Brasil as pessoas são mais liberais.
A sede, então, teria decidido demitir também o diretor comercial. Teria sido a vez de o presidente da multinacional no Brasil, Mauricio Prado, interferir, alegando que a punição era exagerada, pois aquilo não passara de brincadeira.
A matriz acabou demitindo o funcionário, o diretor e o presidente.
Executivos próximos ao caso negam a versão e dizem que os três foram demitidos juntos, no mesmo dia (18 de dezembro de 2017). Afirmam ainda que o RH não impôs qualquer limite às fantasias e que não houve reclamações a respeito do traje durante a festa.
Outros dois funcionários, fantasiados como personagens principais do filme "As Branquelas" — em que dois policiais negros se travestem de patricinhas brancas —, foram suspensos pela empresa até segunda análise.
A reportagem apurou que pessoas próximas ao caso consideraram a punição dos funcionários demitidos exagerada e contraditória com o discurso da empresa de ser aberta à diversidade.
Procurada, a Salesforce confirmou os desligamentos dos funcionários e disse que, por protocolo interno, não comentaria a saída de profissionais. Falou ainda que os executivos "trouxeram importantes contribuições para a Salesforce durante suas atuações na companhia".
"Enrique Ortegon, que dirige a operação na América Latina, assume a função de General Manager para Brasil e países hispanos", conclui a nota.

OS ESPECIALISTAS — A demissão de três executivos da multinacional americana Salesforce após episódio envolvendo uma fantasia considerada inapropriada na festa de fim de ano da companhia gera controvérsias até entre especialistas em gestão de pessoas.
Para alguns, o corte sumário foi exagerado e a empresa poderia ter adotado punições mais brandas, como suspensão. Outros dizem que a liderança tinha, sim, que ser responsabilizada por representar a imagem da empresa.
Para Edmarson Barcelar Mota, coordenador de MBA da FGV (Fundação Getulio Vargas), as demissões foram excessivas e a solução poderia ser uma conversa ou suspensão dos envolvidos.
"Não sei se a demissão do presidente é uma coisa correta, porque não necessariamente ele sabia o que tinha acontecido", afirma.
"É muito complicado assumir a culpa pelo comportamento errado de alguém."
Sérgio Margosian, gerente de recursos humanos da consultoria Michal Page, diz que os limites para descontração dos funcionários dependem da cultura da empresa.
Algumas companhias, por exemplo, toleram o consumo de álcool nas festas, enquanto outras não. Para Margosian, o mais importante é que haja alinhamento de expectativas entre funcionários e lideranças antes do evento.
O fato de se tratar de uma multinacional deixa a situação mais complexa, avalia. "A cultura do Brasil é diferente de outros países, aqui temos costumes que, em outros lugares, não existem", diz.
Marcia Vazquez, gestora do capital humano e de operações da Thomas Case & Associados, afirma que a punição aos envolvidos na organização da festa poderia ter sido ainda mais rígida.
"Se fosse uma empresa alemã, teria rolado a cabeça do RH, que fez a premiação, e a de um monte de gente. Estamos num país mais liberal, mas as matrizes levam a sério princípios rígidos", diz.
Ela ressalva, porém, que uma empresa brasileira também teria demitido os três, pelo dano causado à imagem da companhia.
"Não é mera liberalidade. A gente não pode quase nada nas empresas. Colocamos nosso nome e o da empresa em risco. É muito caro ter uma boa marca, e muito fácil perder isso", conclui.




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