domingo, 7 de janeiro de 2018

Manobras fiscais — paralelos de ouro



Míriam Leitão
O governo quer atalhos para resolver os impasses das contas públicas e vai ficando cada vez mais parecido com a administração que caiu. A Caixa está desenquadrada, a regra de ouro das contas públicas está para estourar, a meta fiscal corre riscos sem a aprovação da reforma da Previdência. Os problemas se acumulam. Alguns herdados, outros criados por este governo. Não podem ser resolvidos à moda antiga.
A saída pela lateral, pela mudança da lei, pelo dinheiro do FGTS, pelo jeitinho, pela gambiarra, repete os erros que levaram o governo Dilma ao impeachment. Ela caiu porque o Congresso considerou que seu governo quebrou princípios da Lei de Responsabilidade Fiscal e desta forma cometera crime de responsabilidade. Agora, a solução proposta para o impasse fiscal é suspender a vigência de uma lei que, se descumprida, seria crime de responsabilidade.
Não pode haver dois pesos e duas medidas. A regra de ouro das contas públicas é uma das trancas na mesma porta do cofre. O governo que aprovou o teto de gastos e o apresentou como um reforço institucional em favor do ajuste fiscal está agora com um problema duplo. A regra de ouro, que estabelece que as operações de crédito do Tesouro não podem ser maiores do que os investimentos, está para ser quebrada. E há risco de que o teto de gastos não possa ser cumprido porque as despesas só poderiam aumentar 3%, mas os gastos da Previdência vão subir 7%. A solução que está sendo pensada é simplesmente suspender a regra de ouro através de uma emenda à Constituição.
A Caixa ficou fora dos padrões exigidos pelo acordo de Basileia sobre a relação entre capital e empréstimos porque foi muito usada politicamente no governo anterior. Fez um negócio de alto risco ao comprar um banco falido, financiou despesas orçamentárias, deu empréstimos para empresários em operações nas quais houve corrupção, favoreceu os amigos do governo. A solução teria sido o saneamento, a transparência, uma redução dos seus financiamentos ou aumento de capital.
Mas o governo construiu um atalho. Uma lei foi aprovada às pressas para permitir o uso de R$ 15 bilhões do FGTS. O presidente da instituição já avisou que isso é pouco, que serão necessários R$ 25 bilhões. O ministro da articulação política Carlos Marun falou que a Caixa será usada para compensar governadores que apoiarem a reforma da Previdência e disse que isso será “ação de governo”, e o ministro Moreira Franco disse que é assim mesmo: negocia-se desde o Império Romano. O problema não é a arte milenar da negociação, mas que moeda de troca será entregue. Se for o uso político dos bancos públicos, não pode, principalmente num governo que derrubou o anterior usando como argumento a quebra de regras, que agora quer quebrar.
Não há dúvida de que a herança foi difícil. O governo Dilma desmontou a área fiscal. Quem assumiu sabia que a tarefa era começar a construir um novo tempo ainda que isso demorasse. Houve avanços, mas eles foram parciais e localizados. Tem havido uma boa administração do Tesouro, mas o grupo político do governo não perdeu a oportunidade de tomar decisões contraditórias. Foi feita uma boa proposta para a Previdência, mas ela foi sendo alterada para atender a grupos de pressão e ainda não foi aprovada. O pior é que o governo tem feito um vale tudo pela reforma. Aprova medidas que aumentam os gastos em favor de projeto para reduzir os gastos. Anuncia o uso político de bancos públicos para beneficiar os que aderirem à reforma. Desse jeito, ela deixa de fazer sentido.
O ano fiscal será duro. Isso todos sabem no governo. Como é ano eleitoral, a base parlamentar tem usado esse argumento para aprovar todo o tipo de solução que contorne o ajuste. E a equipe econômica está aceitando. Se continuar assim, faltará apenas um passo para se chegar à contabilidade criativa. Depois de usar o dinheiro do FGTS para suprir a deficiência de capital da Caixa, e propor uma emenda constitucional para suspender uma regra de controle dos gastos, só falta mesmo inventar uma nova forma de contabilizar gastos para esta administração repetir os mesmos erros do governo anterior.




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