Manobras fiscais — paralelos de ouro
Míriam Leitão |
O governo quer atalhos para resolver os impasses das contas públicas e
vai ficando cada vez mais parecido com a administração que caiu. A Caixa
está desenquadrada, a regra de ouro das contas públicas está para
estourar, a meta fiscal corre riscos sem a aprovação da reforma da
Previdência. Os problemas se acumulam. Alguns herdados, outros criados
por este governo. Não podem ser resolvidos à moda antiga.
A saída pela lateral, pela mudança da lei, pelo dinheiro do FGTS, pelo
jeitinho, pela gambiarra, repete os erros que levaram o governo Dilma ao
impeachment. Ela caiu porque o Congresso considerou que seu governo
quebrou princípios da Lei de Responsabilidade Fiscal e desta forma
cometera crime de responsabilidade. Agora, a solução proposta para o
impasse fiscal é suspender a vigência de uma lei que, se descumprida,
seria crime de responsabilidade.
Não pode haver dois pesos e duas medidas. A regra de ouro das contas
públicas é uma das trancas na mesma porta do cofre. O governo que
aprovou o teto de gastos e o apresentou como um reforço institucional em
favor do ajuste fiscal está agora com um problema duplo. A regra de
ouro, que estabelece que as operações de crédito do Tesouro não podem
ser maiores do que os investimentos, está para ser quebrada. E há risco
de que o teto de gastos não possa ser cumprido porque as despesas só
poderiam aumentar 3%, mas os gastos da Previdência vão subir 7%. A
solução que está sendo pensada é simplesmente suspender a regra de ouro
através de uma emenda à Constituição.
A Caixa ficou fora dos padrões exigidos pelo acordo de Basileia sobre a
relação entre capital e empréstimos porque foi muito usada politicamente
no governo anterior. Fez um negócio de alto risco ao comprar um banco
falido, financiou despesas orçamentárias, deu empréstimos para
empresários em operações nas quais houve corrupção, favoreceu os amigos
do governo. A solução teria sido o saneamento, a transparência, uma
redução dos seus financiamentos ou aumento de capital.
Mas o governo construiu um atalho. Uma lei foi aprovada às pressas para
permitir o uso de R$ 15 bilhões do FGTS. O presidente da instituição já
avisou que isso é pouco, que serão necessários R$ 25 bilhões. O ministro
da articulação política Carlos Marun falou que a Caixa será usada para
compensar governadores que apoiarem a reforma da Previdência e disse que
isso será “ação de governo”, e o ministro Moreira Franco disse que é
assim mesmo: negocia-se desde o Império Romano. O problema não é a arte
milenar da negociação, mas que moeda de troca será entregue. Se for o
uso político dos bancos públicos, não pode, principalmente num governo
que derrubou o anterior usando como argumento a quebra de regras, que
agora quer quebrar.
Não há dúvida de que a herança foi difícil. O governo Dilma desmontou a
área fiscal. Quem assumiu sabia que a tarefa era começar a construir um
novo tempo ainda que isso demorasse. Houve avanços, mas eles foram
parciais e localizados. Tem havido uma boa administração do Tesouro, mas
o grupo político do governo não perdeu a oportunidade de tomar decisões
contraditórias. Foi feita uma boa proposta para a Previdência, mas ela
foi sendo alterada para atender a grupos de pressão e ainda não foi
aprovada. O pior é que o governo tem feito um vale tudo pela reforma.
Aprova medidas que aumentam os gastos em favor de projeto para reduzir
os gastos. Anuncia o uso político de bancos públicos para beneficiar os
que aderirem à reforma. Desse jeito, ela deixa de fazer sentido.
O ano fiscal será duro. Isso todos sabem no governo. Como é ano
eleitoral, a base parlamentar tem usado esse argumento para aprovar todo
o tipo de solução que contorne o ajuste. E a equipe econômica está
aceitando. Se continuar assim, faltará apenas um passo para se chegar à
contabilidade criativa. Depois de usar o dinheiro do FGTS para suprir a
deficiência de capital da Caixa, e propor uma emenda constitucional para
suspender uma regra de controle dos gastos, só falta mesmo inventar uma
nova forma de contabilizar gastos para esta administração repetir os
mesmos erros do governo anterior.
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