Delatados seguem impunes
Marcelo Odebrecht |
Após amargar dois anos e meio de encarceramento, o empresário
Marcelo Odebrecht trocou o xadrez de Curitiba por mais dois anos e meio
de cana domiciliar. Marcelo começou a usufruir do prêmio que obteve por
ter colaborado com a Justiça. A imagem do príncipe da construção pesada
desfilando uma tornozeleira eletrônica entre a pérgula da piscina e a
academia de ginástica de sua mansão no bairro paulistano do Morumbi
talvez estimule o brasileiro a se perguntar: e quanto aos delatados,
quando serão castigados?
Dizia-se que a delação da Odebrecht conduziria ao fim do mundo. Deram
com a língua nos dentes 77 executivos da empreiteira. Foi a maior
delação da história. No Supremo Tribunal Federal, a megadeduragem
resultou na abertura de inquéritos contra 8 ministros, 24 senadores e 37
deputados. No Superior Tribunal de Justiça, aportou o pedaço da
podridão associado a 12 governadores. E o Apocalipse ainda não chegou
para nenhum acusado graúdo. Todos permanecem ativos, soltos e impunes.
Houve um tempo em que o Brasil era um país de corruptos sem corruptores.
Com o advento da delação, tornou-se uma nação de corruptores confessos e
corruptos inocentes. Houve algum avanço, pois os políticos sem mandato
estão presos, roçam as grades ou aguardam na fila. Mas a impunidade
ainda socorre quem dispõe do escudo do foro privilegiado. Não há nos
tribunais superiores de Brasília o vestígio de uma mísera condenação na
Lava Jato.
Estalando de pureza moral, os delatados invocam sua inocência com
tamanha desenvoltura que eliminam até o benefício da dúvida. Aos olhos
da maioria da plateia os políticos agora são culpados até prova em
contrário.
Se a epidemia de corrupção que se abateu sobre o Brasil revela alguma
coisa é que a política brasileira ultrapassou todas as fronteiras da
imoralidade. Numa situação assim, em que uma nação dá com os burros
n’água, o melhor a fazer é se apegar aos burros mais secos. O Poder
Legislativo está afogado em lama. O Poder Executivo, com o lodo acima do
nariz, se agarra a qualquer jacaré imaginando que é tronco. Contra esse
pano de fundo, não restou ao brasileiro senão depositar todas as suas
esperanças no Poder Judiciário.
Mas alguns magistrados parecem decididos a empurrar o Judiciário para
dentro do caldeirão do descrédito abrindo celas e arquivando denúncias.
Há políticos piores e melhores. A arte de julgar consiste em discernir
uns dos outros. A Lava Jato mostrou que os gatunos ficaram ainda mais
pardos. Mas num instante em que a política se consolida como mais um
ramo do crime organizado, o país não merece o convívio com juízes que
dão de ombros para o óbvio.
No julgamento do mensalão, ao salgar a dosimetria das penas dos
operadores empresariais do escândalo, o Supremo criou o ‘Efeito Papuda’.
No petrolão, a oligarquia empresarial encontrou no mecanismo da
colaboração premiada o caminho para a redução do seu castigo.
O jogo estaria bem jogado se a premiação de poucos resultasse na punição de
muitos. Mas quando os tribunais não fazem a sua parte, avacalha-se o
jogo. Num ambiente assim, a premiação de corruptos confessos como Marcelo
Odebrecht pode acabar se convertendo num custo sem benefício.
Nenhum comentário:
Postar um comentário