O Brasil tem um dos judiciários mais dispendiosos do mundo — a estrutura emprega muita gente e tem alta carga de trabalho
O Judiciário no Brasil é caro. Ele é caro porque emprega muita
gente, é caro porque os salários médios de seus colaboradores são
maiores do que a média da maioria das outras categorias. E também é
caro porque está sobrecarregado de trabalho. São essas as conclusões
de um levantamento realizado por pesquisadores comparando os custos
do Judiciário no Brasil, proporcional a grandezas como o PIB e a
população, com os de outros países.
Pelos dados compilados pela pesquisa, o orçamento da Justiça em 2013
(último ano com dados disponíveis quando o levantamento foi
realizado), R$ 62,3 bilhões, era maior do que o PIB individual de 12
Estados brasileiros. Em proporção ao PIB nacional, as despesas do
Judiciário, equivalentes a 1,30%, também englobam uma fatia maior do
que a de vários outros países, como Espanha (0,12%), Estados Unidos
(0,14%), Portugal (0,28%) ou países sul-americanos como Chile
(0,22%) e Argentina (0,13%).
A situação não deve ser analisada sem contexto — há uma cadeia de
fatores que fazem as despesas do Judiciário brasileiro serem
proporcionalmente tão altas. Um desses fatores é a carga gigantesca
de processos acumulados. Fruto de uma opção do Judiciário brasileiro
pela autonomia de seus integrantes em vez de um posicionamento como
instituição.
A metodologia aplicada para chegar à conclusão de que temos uma
Justiça cara, na prática, não calculou quase nada, apenas compilou
informações de fontes secundárias. Isso significa que se pegou
informações oficiais do CNJ, no Brasil, e, em outros países, de
órgãos oficiais e estudos acadêmicos que analisam a eficiência do
Judiciário. Simplesmente foi feito o que ninguém havia se dado ao
trabalho de fazer até então, que era basicamente compilar esses
dados em tabelas informativas. Isso permitiu ver o quão
desproporcional é a despesa do Judiciário no Brasil em relação a
outros países.
Como se chega a situação de Justiça cara — O que temos é muita gente
trabalhando no Poder Judiciário. Temos cerca de 205 funcionários
para cada 100 mil habitantes, incluindo aí assessores,
terceirizados, estagiários. Toda essa estrutura existe para dar
suporte aos magistrados para tomar decisões. Se somarmos tudo,
incluindo os 17 mil magistrados, temos mais de 430 mil indivíduos no
Brasil que extraem sua renda mensal diretamente do Judiciário. É
muito mais do que no resto do mundo. O único país que chegou
remotamente próximo da gente foi a Argentina, que, curiosamente, tem
uma despesa menor do que a nossa, pelo menos da forma como
conseguimos medir. A isso se soma um fator salarial. Os salários das
profissões jurídicas dentro do setor público, mas não só nele, são
altos comparados à renda média brasileira ou à renda de várias
outras áreas profissionais. Então a gente soma os fatores: tem muita
gente trabalhando no Judiciário, com salários comparativamente
altos. O resultado é que temos um Judiciário caro.
E o porquê de tanta gente — A carga de trabalho do Judiciário no
Brasil é uma das maiores do mundo. Temos atualmente cerca de 100
milhões de processos em tramitação, um para cada dois habitantes.
Por quê? Por motivos que podem, na prática, ser resumidos a um: a
grande deferência que o Brasil tem à autonomia individual dos
magistrados. Não temos tradição de tratar de forma agregada
conflitos semelhantes ou idênticos. Isso é algo que encontra
resistência inclusive dentro da magistratura. O Poder Judiciário tem
muitas ações idênticas e, por consequência, realiza muito trabalho
redundante. No TRF da 4ª região, que fica em Porto Alegre, cerca de
70% da carga de trabalho envolve o INSS em um dos polos da ação. O
INSS é um dos grandes demandados do Brasil, bem como bancos,
operadoras de telefonia etc., isto é, grandes pessoas jurídicas que
prestam serviços para grandes contingentes de pessoas físicas são os
maiores réus do Brasil. Tratar de forma agregada os casos significa
não decidir a demanda do João contra o INSS, depois a da Maria,
depois a do Pedro, mas ver que os casos da Maria, do João, do Pedro
têm todos uma questão de fundo, de direitos, que é muitas vezes
idêntica.
A uniformização — Quando fala-se em tratar de modo agregado,
pensa-se, geralmente, em três tipos de soluções. A primeira é o
precedente, que está na base das ideias de Súmula Vinculante e
Repercussão Geral. O STF, quando diz "vamos analisar esse caso e o
resultado vai ser aplicado a todos os casos idênticos", essa decisão
pode abranger mais 50 mil casos. Imagine o esforço coletivo que é
decidir 50 mil casos um a um. Entretanto, a prática institucional no
Brasil por décadas vem sendo essa, em parte por respeito à autonomia
individual dos magistrados. Essa autonomia permite que às vezes
dentro de um mesmo foro ou tribunal haja entendimentos diferentes
sobre questões idênticas. Se o processo for sorteado para tal Vara
ou Câmara, tem um entendimento, se o computador sortear para outra
Vara ou Câmara, tem outro. Então, na prática, muitas vezes quem
acaba tomando a decisão é a sorte, tal qual contida no algoritmo do
computador que sorteia os processos. E essa uniformização não
precisa ser feita só pelo STF. Poderia ser feita pelos demais
tribunais superiores e pelos tribunais de segunda instância (TJs,
TRFs, TRTs etc.).
Outra ideia seriam ações coletivas, algo que se usa de forma ainda
relativamente tímida no Brasil. Digamos que um juiz ou alguém do
Judiciário identifique que há uma série de demandas repetitivas. Em
vez de ficar julgando uma a uma, recebe todas e diz: "Agora eu vou
decidir uma vez em nome desse tipo de conflito típico". Digamos, o
primeiro juiz que recebe um determinado tipo de caso fica prevento
para receber os demais casos iguais, tornando-se responsável por
decidir para todo mundo em nome do Poder Judiciário como instituição
naquela jurisdição. Claro, os casos não vão ser todos idênticos, vai
ter uma peculiaridade aqui e outra ali, mas aí se decide também
quando há essa peculiaridade.
O terceiro mecanismo é a indenização punitiva. Essa é uma prática
que existe há pouco tempo no Brasil. Ela busca aplicar altas
indenizações para que a pessoa que causou o dano tenha um prejuízo
tão alto que, na prática, seja obrigada a corrigir o comportamento
que gerou o dano, gerando a sua prevenção. A julgar pela enorme
demanda, não parece que isso esteja ocorrendo no Brasil.
Muita gente no Judiciário, mas com poucos juízes — Há uma reclamação constante na
magistratura no Brasil: temos poucos juízes. O Brasil tem 8,2 magistrados por 100 mil
habitantes. É um número abaixo de alguns países que orbitam em torno
de 10 magistrados por 100 mil habitantes, mas acima de outros. Não é
uma coisa tão destoante. Muitos magistrados citam a Alemanha como
exemplo, mas é um caso excepcional, com 24 magistrados para 100 mil
habitantes. E para complementar o argumento: de fato, não temos
magistrados suficientes perante a demanda, mas seguramente temos
força de trabalho auxiliar de sobra para ajudar os magistrados a
tomarem as decisões, incluindo aí juízes conciliadores e leigos de
juizados especiais. A solução que se vem adotando historicamente no
Brasil é: tem muito trabalho, cria-se mais estrutura judiciária. Nos
anos 1960 e 1970, cresceu muito a carga de trabalho dos Tribunais de
Justiça, principalmente com causas de menor valor, conflito de menor
potencial ofensivo, etc. Qual foi a solução? Criar um tribunal novo,
o Tribunal de Alçada, que existia até uns anos atrás em Estados como
RS ou MG. Criamos um tribunal inteiro. Deu conta? Não deu.
Recentemente foi aprovada uma emenda constitucional para criar três
novos tribunais regionais federais no Brasil. Não vai
dar conta. E na base desse fenômeno está o fato de que não estamos
pensando o Judiciário como instituição e sim, a grosso modo, como um
espaço em que 17 mil pessoas concordaram em discordar umas das
outras. E o nosso sistema de resolução de conflitos, e até mesmo o
nosso sistema político, acabam sendo em parte reféns dessa dinâmica.
Judiciário com custo baixo — Para baixar o custo do Judiciário no Brasil não existe solução fácil ou imediata. Todas demandam transição de
médio e longo prazo, e forte comprometimento institucional da
magistratura. Três soluções podem ser adotadas de forma isolada ou
combinada. A primeira é reduzir subsídios, o que não parece uma
solução no horizonte do Brasil. A segunda é reduzir o número de
pessoas trabalhando na área. Também não parece algo próximo.
Desses mais de 400 mil servidores do Judiciário, quase 300 mil são
servidores estáveis, fora os terceirizados, que já representam uma
redução de custos. A terceira é reduzir o número de processos.
A previsibilidade da decisão judicial — Os acordos ajudariam a
reduzir o custo e o volume de ações no judiciário. Entretanto, diferente
do resto do mundo, no Brasil o acordo ocorre dentro do Judiciário. Em
vários casos, é obrigatória uma audiência de conciliação. Lá de vez em
quando um juiz consegue um acordo, pois como os caras já chegaram no
Judiciário, vão até o fim.
No resto do mundo o acordo ocorre fora do Judiciário, o juiz nem fica
sabendo. Os advogados das partes sentam a uma mesa e dizem: "O
entendimento do Poder Judiciário sobre tal ponto é 'x'". Aí outro diz:
"Sim, de fato, mas tal coisa também diz 'y'". E com base nisso chegam a
uma solução negociada, assinam um acordo e fica resolvido o conflito,
com o recurso ao Judiciário como algo subsidiário em caso de não
cumprimento. Mas o que está na base dessa prática é a previsibilidade da
decisão judicial. Porque se sabe que o Judiciário como instituição vai
decidir de determinada maneira, pode-se prever que o curso da ação vai
ser de uma forma, que o custo da ação vai ser tanto, etc. Em função
desta previsibilidade, a gente pode sentar numa mesa e negociar.
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