Operação da Polícia Federal encontra conta de estatal da Venezuela
A Polícia Federal (PF) identificou a evasão de ao menos US$ 25
milhões da Venezuela em um prazo de 12 meses e encontrou remessas
feitas ao Brasil por meio de uma conta de uma estatal daquele país,
ao investigar uma organização criminosa especializada em lavagem de
dinheiro.
A conta está em nome da estatal de petróleo PDVSA (Petróleos de
Venezuela), mas a PF ainda não recebeu informações oficiais do
governo da Venezuela para saber se de fato a transação envolveu a
companhia.
Em conversas telefônicas interceptadas pela PF, um dos doleiros
presos na operação cita a conta em nome da estatal para atrair novos
clientes e mostrar o poder de atuação do grupo.
Já foram detectadas contas abertas em duas instituições financeiras
na Venezuela, uma delas é o banco Banesco.
"Com a grave crise que atravessa a Venezuela, há um movimento
intenso para retirar dinheiro do país. São bilhões de bolívares que
estão sendo enviados para fora", disse o delegado Alberto Ferreira
Neto, da delegacia especializada a repressão a crimes financeiros e
desvios de recursos públicos da PF.
"Existe uma variação cambial grande no país, e o grupo lucrava muito
com essas operações, uma vez que cobrava comissões sobre as
transações feitas", completou.
A Venezuela enfrenta inflação elevada, crise de desabastecimento e
confrontos frequentes, o que tem levado, segundo a PF, empresários
com negócios naquele país a procurarem a organização para remeter
dinheiro para fora.
Os recursos saem de contas em nome de empresas da Venezuela,
passeiam por diversas contas bancárias (conhecidas como contas de
passagem) e são usados para fazer negócios de comércio exterior
- alguns são fictícios outros envolvem mercadorias exportadas de
forma superfaturada - com empresas situadas no Brasil que pertencem a
essa organização criminosa.
Em parte de transações, o superfaturamento chegou a 5.000%. Entre as
mercadorias exportadas identificadas nas negociações estão máquinas
(como processadoras de camarão e máquinas de moer carne) e comércio
de soja.
Durante as investigações, os policiais identificaram empresas
exportadoras que nem existiam. "Muitas funcionavam em apenas uma
salinha, no endereço da casa de um laranja e tinha atividade só em
um site", afirmou o delegado.
A Operação Porto Victoria investiga crimes de evasão de divisas e lavagem de dinheiro |
DO BRASIL PARA FORA
Outra parte do esquema investigado mostrou que, do Brasil, os
recursos eram enviados para Hong Kong por meio de contratos de
câmbio em transações que envolviam importações fictícias feitas por
empresas da organização ou empréstimos.
"Uma empresa sediada no Brasil empresta para outra companhia em Hong
Kong que também pertence ao grupo. Dessa forma, a conta naquele país
é abastecida com recursos que podem, em seguida, ser repassados a
outras contas em qualquer lugar do mundo. ", explica o delegado.
A compensação era feita de forma imediata, porque o dinheiro já
estava disponível na conta de Hong Kong. O nome da operação foi dado
em alusão ao Porto de Victoria, região turística desse país.
O grupo lucrava com a prestação de serviço, cobrando comissões entre
1% e 2% do valor total da transação feita. "Se existe a oferta de
serviço de um lado, existe o cliente do outro. É isso que nos
interessa saber agora: quem são os clientes que usaram o esquema",
afirmou Ferreira Neto.
Foram localizadas até agora 30 empresas que atuaram nas transações,
entre tradings, importadoras e exportadoras de áudio, vídeo e
informática, de peças de transporte e até de comércio de sapatos,
além de corretoras e adminisstradoras de ativos. Uma delas
movimentou R$ 170 milhões, segundo as investigações.
O Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), vinculado
ao Ministério da Fazenda, já identificou movimentações que resultam
na lavagem de dinheiro da ordem de R$ 3 bilhões.
QUEM É QUEM
A ação envolveu 130 policiais que prenderam 12 pessoas e fizeram
busca e apreensão em quatro cidades do Estado de São Paulo (capital,
Araras, Inadaituba e Santa Bárbara D´Oeste), Resende (RJ) e Curitiba
(PR).
Entre os presos estão o ex-vice presidente do Banco do Brasil Allan
Simões Toledo, o ex-secretário municipal de Curitiba para a Copa,
Luiz Carvalho, e os doleiros Abidão Bouchabki Neto e Marcos Glikas.
A reportagem não localizou os advogados dos suspeitos presos pela PF até
a noite de quinta-feira (dia 11.jun.2015).
Entre os suspeitos, quatro doleiros que participam diretamente da
remessa de dinheiro ao exterior tiveram prisão preventiva decretada.
Os outros oito suspeitos foram presos temporariamente; eles atuavam
no mercado financeiro, facilitando a ação dos doleiros que operavam
a remessa de recursos a cinco países sob investigação até agora:
EUA, Venezuela, Brasil, Hong Kong e Reino Unido. A prisão temporária
normalmente ocorre por um prazo de cinco dias, que pode ser
prorrogado por mais cinco dias.
Um desses oito presos é um morador da periferia de São Paulo que
emprestava seu nome a empresas da quadrilha. Parte dessas empresas
era de fachada e fazia transações de comércio exterior fictícias
para remeter dinheiro para fora sem passar por controle de órgãos
como o Banco Central, segundo informou a PF.
Durante a ação foi apreendido cerca de R$ 1 milhão em espécie, entre
euros e reais, carros de médio porte e 30 contas de empresas e dos
envolvidos foram bloqueadas pela Justiça Federal. Os 12 presos
tiveram seus bens sequestrados para dificultar a movimentação de
dinheiro da quadrilha.
A quadrilha movimentou em torno de R$ 3 bilhões em evasão de divisas e lavagem de dinheiro em vários países |
OS SUSPEITOS
Toledo comandou a área de negócios internacionais do BB de 2009 a
2011, quando foi desligado, após ser investigado pelo Coaf (órgão de
inteligência do Ministério da Fazenda) por movimentação financeira
atípica em sua conta e participar de uma tentativa de desestabilizar
o então presidente do banco, Aldemir Bendine, para disputar seu
cargo. Na ocasião, ele justificou que o dinheiro vinha da venda de
um imóvel e o caso foi arquivado.
Atualmente, ele trabalha no banco Banif, que atua no mercado
financeiro e internacional, é também é alvo da PF. Procurado, o
banco informou que não iria se pronunciar.
Luiz Carvalho ocupou cargos entre 2005 e 2012 na área de turismo e
relações institucionais em Curitiba, onde foi secretário da Copa.
Já o doleiro Marcos Glikas, também alvo da ação desta quinta, já
esteve preso nos EUA e no Brasil, em 2004, após se envolver em
extração ilegal de diamantes em reserva indígena em RO.
As investigações da PF começaram há nove meses após um pedido da
agência norte-americana de imigração e alfândega da polícia dos EUA
feito à PF para apurar o envolvimento de um brasileiro em um grupo
que lavava dinheiro em ao menos cinco países.
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